Agronegócio & agriculturas familiares: crítica do discurso único para dois brasis

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Couto, Vitor de Athayde
Data de Publicação: 2013
Outros Autores: Dufumier, Marc, Reis, Livia Liberato de Matos
Tipo de documento: Livro
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional da UFBA
Texto Completo: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/22551
Resumo: Certas abordagens e políticas públicas reportam-se aos diferentes agricultores familiares reais, como se todos eles fossem movidos pela mesma racionalidade. Não raro, essas leituras movem-se por uma falsa oposição a um agribusiness mal traduzido como ‘agronegócio’. Ignorando histórias agrárias desiguais, muitos analistas confundem patrimônio familiar com ‘capital’, e constroem um confuso, arquetípico e abstrato agricultor familiar, ora mais ora menos ‘descapitalizado’. No plano macrorregional confirma-se a mesma desigualdade, com destaque para o Nordeste, onde (ainda) se encontra metade dos 4,4 milhões de agricultores familiares brasileiros. Mas essa forte concentração nunca foi objeto real de políticas agrárias nem agrícolas que correspondessem à representação numérica desses agricultores. Ao contrário, o crédito do Pronaf revelou, nos últimos dez anos, um aumento da desigualdade interregional. Comprova-se, mais uma vez, a inocuidade das políticas de editais e de balcão, que visam ao ‘desenvolvimento’. Esses velhos mecanismos concorrenciais só beneficiam os espaços mais dinâmicos e competitivos no mercado. Em 2009, cada estabelecimento familiar nordestino obteve um financiamento doze vezes menor, no valor médio de R$450,00, contra R$5.540,00 no Sudeste. A distância é maior em relação aos Estados do Sul. Em dez anos, o Pronaf agravou ainda mais a desigualdade regional. Em 1999, o financiamento de um hectare, no Nordeste, equivalia à metade da média nacional (R$24,70 contra R$50,00). Dez anos depois, a média nordestina caiu para um terço da nacional (R$34,90 contra R$107,60). É nesse contexto de subdesenvolvimento em relação aos parâmetros nacionais que se diferenciam as agriculturas familiares a que se atribui o discurso único. (Vitor de Athayde Couto) Quais as alternativas para o futuro da humanidade e do planeta? Citam-se pelo menos duas: as virtudes da agroecologia e os trunfos das agriculturas familiares. Mas uma abordagem sistêmica, destinada a garantir melhor proteção às culturas, preservando a biodiversidade, esbarra no conhecimento insuficiente de como funcionam os agroecossistemas, e nas restrições de escalas de produção herdadas de estruturas agrárias historicamente desiguais. Longe de se congelarem na tradição, as agriculturas familiares experimentam mudanças muito rápidas, desde que os produtores consigam rendimentos suficientes para poupar e valorizar o seu patrimônio, como ocorre na Europa, onde predominam explorações familiares de tamanho médio. Não raro, os produtores estão enraizados em um ‘território’; demonstram um conhecimento fino e detalhado de seus terroirs; respeitam o meio ambiente. Mesmo com esse desempenho não se deve esquecer a sua crescente exposição à concorrência internacional – o ‘livre’ comércio, para alguns – que não é nada mais do que a concorrência entre produtores desigualmente equipados. Isso resulta na submissão das explorações familiares da América Latina aos latifúndios extensivos do Brasil e da Argentina. Nessas mesmas condições, o pequeno produtor andino é obrigado a aceitar uma remuneração por seu trabalho 200 vezes inferior à do seu concorrente americano!(Marc Dufumier) As IG brasileiras classificam-se em dois grupos. No primeiro, o reconhecimento, consoante o discurso oficial, considera a produção social e historicamente construída, associada ao território, cujo saber-fazer tradicional é um legado transmitido de geração a geração. Mesmo sem resultados práticos comprovados, trata-se do patrimônio familiar – que alguns ainda insistem em chamá-lo ‘capital’. Mas o capital faz parte de outro grupo, onde não se preservam patrimônios culturais coletivos tradicionais. O que se reconhece são produtos e processos inovadores, cuja história sócio-produtiva ainda é tão recente quanto incapaz de revelar notoriedade. Nessas condições, a IG passa a ser mediada pelo capital e pela moderna propriedade fundiária que lhe concerne, cuja valorização também se apoia em políticas públicas, principalmente financeiras. Então, o ‘objetivo’ passa a ser outro: reconfigurar territórios e produzir novos espaços conforme a lógica produtivista de mercado. Pautada em leis nacionais e internacionais de propriedade intelectual, essa (outra) IG assegura a conquista e a proteção de direitos que realizam, na prática, lucros e rendas de monopólio.(Livia Liberato de Matos Reis)
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Mas essa forte concentração nunca foi objeto real de políticas agrárias nem agrícolas que correspondessem à representação numérica desses agricultores. Ao contrário, o crédito do Pronaf revelou, nos últimos dez anos, um aumento da desigualdade interregional. Comprova-se, mais uma vez, a inocuidade das políticas de editais e de balcão, que visam ao ‘desenvolvimento’. Esses velhos mecanismos concorrenciais só beneficiam os espaços mais dinâmicos e competitivos no mercado. Em 2009, cada estabelecimento familiar nordestino obteve um financiamento doze vezes menor, no valor médio de R$450,00, contra R$5.540,00 no Sudeste. A distância é maior em relação aos Estados do Sul. Em dez anos, o Pronaf agravou ainda mais a desigualdade regional. Em 1999, o financiamento de um hectare, no Nordeste, equivalia à metade da média nacional (R$24,70 contra R$50,00). Dez anos depois, a média nordestina caiu para um terço da nacional (R$34,90 contra R$107,60). É nesse contexto de subdesenvolvimento em relação aos parâmetros nacionais que se diferenciam as agriculturas familiares a que se atribui o discurso único. (Vitor de Athayde Couto) Quais as alternativas para o futuro da humanidade e do planeta? Citam-se pelo menos duas: as virtudes da agroecologia e os trunfos das agriculturas familiares. Mas uma abordagem sistêmica, destinada a garantir melhor proteção às culturas, preservando a biodiversidade, esbarra no conhecimento insuficiente de como funcionam os agroecossistemas, e nas restrições de escalas de produção herdadas de estruturas agrárias historicamente desiguais. Longe de se congelarem na tradição, as agriculturas familiares experimentam mudanças muito rápidas, desde que os produtores consigam rendimentos suficientes para poupar e valorizar o seu patrimônio, como ocorre na Europa, onde predominam explorações familiares de tamanho médio. Não raro, os produtores estão enraizados em um ‘território’; demonstram um conhecimento fino e detalhado de seus terroirs; respeitam o meio ambiente. Mesmo com esse desempenho não se deve esquecer a sua crescente exposição à concorrência internacional – o ‘livre’ comércio, para alguns – que não é nada mais do que a concorrência entre produtores desigualmente equipados. Isso resulta na submissão das explorações familiares da América Latina aos latifúndios extensivos do Brasil e da Argentina. Nessas mesmas condições, o pequeno produtor andino é obrigado a aceitar uma remuneração por seu trabalho 200 vezes inferior à do seu concorrente americano!(Marc Dufumier) As IG brasileiras classificam-se em dois grupos. No primeiro, o reconhecimento, consoante o discurso oficial, considera a produção social e historicamente construída, associada ao território, cujo saber-fazer tradicional é um legado transmitido de geração a geração. Mesmo sem resultados práticos comprovados, trata-se do patrimônio familiar – que alguns ainda insistem em chamá-lo ‘capital’. Mas o capital faz parte de outro grupo, onde não se preservam patrimônios culturais coletivos tradicionais. O que se reconhece são produtos e processos inovadores, cuja história sócio-produtiva ainda é tão recente quanto incapaz de revelar notoriedade. Nessas condições, a IG passa a ser mediada pelo capital e pela moderna propriedade fundiária que lhe concerne, cuja valorização também se apoia em políticas públicas, principalmente financeiras. Então, o ‘objetivo’ passa a ser outro: reconfigurar territórios e produzir novos espaços conforme a lógica produtivista de mercado. Pautada em leis nacionais e internacionais de propriedade intelectual, essa (outra) IG assegura a conquista e a proteção de direitos que realizam, na prática, lucros e rendas de monopólio.(Livia Liberato de Matos Reis)Submitted by Vitor Couto (vitor@ufba.br) on 2017-05-22T13:52:29Z No. of bitstreams: 2 Miolo.pdf: 639239 bytes, checksum: 250045647bc9841edce6da5b4278a235 (MD5) Capa.pdf: 486756 bytes, checksum: a91c3cce6667c41cbc03c969dacda579 (MD5)Approved for entry into archive by Vania Magalhaes (magal@ufba.br) on 2017-05-22T14:18:28Z (GMT) No. of bitstreams: 2 Miolo.pdf: 639239 bytes, checksum: 250045647bc9841edce6da5b4278a235 (MD5) Capa.pdf: 486756 bytes, checksum: a91c3cce6667c41cbc03c969dacda579 (MD5)Made available in DSpace on 2017-05-22T14:18:29Z (GMT). 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