Entre a loucura e o crime: a periculosidade em questão no Manicômio Judiciário Stênio Gomes

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Mascarenhas, Lirian Filgueiras
Data de Publicação: 2021
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UNIFOR
Texto Completo: https://biblioteca.sophia.com.br/terminalri/9575/acervo/detalhe/129300
Resumo: Questiona-se neste ensaio acadêmico a periculosidade como motivo de permanência de pessoas com sofrimento mental no Manicômio Judiciário Stênio Gomes (MJ Stênio Gomes). A hipótese norteadora é que a suposta periculosidade do louco infrator tem sido a causa maior do encarceramento de longa permanência no manicômio cearense e a razão primeira para a não existência, no Ceará, de um modelo de assistência em saúde mental coerente com a Lei n. 10.216/2001, que veta a internação de pessoas portadoras de transtorno mental em instituições com características asilares, assegura que a internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e defende o tratamento, preferencialmente, em serviços abertos e comunitários. Existem no Brasil várias experiências exitosas de tratamento em liberdade, mas escolheu-se destacar o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI/GO), pelo pioneirismo em eliminar o manicômio judiciário como alternativa de tratamento e por sua constituição como uma política pública dirigida para o respeito da dignidade e dos direitos humanos das pessoas submetidas à medida de segurança. Para referencial metodológico, optou-se pela genealogia do poder, de Michel Foucault, por compreender-se que, a fim de realizar a pesquisa, seria necessário um estudo minucioso das relações de poder nas práticas e discursos que transitam entre a loucura e o crime. O estudo teve início com a caracterização da Psiquiatria, desde seu nascimento, como estratégia biopolítica de defesa social e parte importante de uma medicina social dirigida para o governo da população. Desde seus primórdios, quando ainda se estava elaborando seu corpo teórico, a Psiquiatria alcançou um espaço nas práticas judiciárias, justamente por ter codificado a loucura como doença e perigo e haver se colocado como a ciência que poderia, com seu saber e suas práticas, proteger a sociedade dos riscos da loucura. Dos maníacos em fúria de Pinel, passando pela monomania homicida de Esquirol, pelos degenerados de Morel e Magnan, até o homem delinquente de Lombroso, a Psiquiatria passou todo o século XIX afirmando a periculosidade da loucura e cumprindo sua promessa de defesa social, mantendo os loucos entre os muros do internamento. No século XX, Emil Kraepelin inscreveu os desvios em uma nosologia, o que ajudou a sedimentar a Psiquiatria como ciência das anomalias e esta passou a ter não apenas maior respeitabilidade científica, mas também garantiu seu espaço como a ciência que poderia proteger a sociedade do perigo dos comportamentos anormais. No Brasil, o psiquiatra alemão será uma robusta influência para o psiquiatra Juliano Moreira, figura-chave da Psiquiatria brasileira, especialmente nas três primeiras décadas do século XX. Para Juliano Moreira, a anormalidade é patológica, e é a Psiquiatria científica que irá se responsabilizar por ela. Com isso, este ramo disciplinar científico torna-se fundamental no combate das doenças sociais tidas como supostamente responsáveis pela criminalidade. Para promover a defesa social e combater a criminalidade, a assistência psiquiátrica dos anormais, alcoolistas, epiléticos, sifilíticos, será fundamental, o que caracteriza a importância da atuação da Psiquiatria no meio social e na justiça penal. Juliano Moreira lutou ao lado do psiquiatra Heitor Carrilho para a implantação do primeiro manicômio judiciário brasileiro, que foi inaugurado em 30 de maio de 1921, tendo Heitor Carrilho como primeiro diretor. Heitor Carrilho contribuiu para a expansão dos manicômios judiciários brasileiros e para a introdução das medidas de segurança no Código Penal de 1940. A história da Psiquiatria cearense esteve, desde suas origens, vinculada ao papel de defesa social. A inauguração do MJ Stênio Gomes em setembro de 1969, que isolou pessoas com sofrimento mental que cometeram algum delito, em um espaço específico para a chamada loucura perigosa, está situada dentro de outras políticas de isolamento já ocorrentes no estado do Ceará, como os campos de concentração para controlar os retirantes da seca, o Asilo São Vicente de Paulo, que teve como primeiros internos loucos transferidos de cadeias públicas e colônias para doentes com hanseníase. Como a crença na periculosidade da loucura sempre esteve em pauta na história da Psiquiatria, foram investigados diversos arquivos ¿ matérias jornalísticas, dossiês jurídicos, laudos periciais, pareceres médicos e exames de cessação de periculosidade; pareceres sociais; relatórios psicossociais e certidões carcerárias ¿ para situar em questão se era a suposta periculosidade do louco a razão de sua permanência no MJ Stênio Gomes. Para uma análise detalhada, procedeu-se a um recorte de quatro casos: dois de pessoas presas no ano de 1970 e dois que permanecem encarcerados no ano de 2020, de modo a ter acesso aos efeitos das práticas sociais e discursivas nas vidas sequestradas ao largo das cinco décadas de existência do MJ Stênio Gomes. Foram identificadas diversas lutas e enfrentamentos nos documentos analisados, mas o que se destacou foi o fato de que os presos do manicômio judiciário cearense lá permanecem, principalmente porque o Estado do Ceará e a sociedade cearense não se responsabilizam por pessoas sem vínculos familiares e sociais. Exames que atestam a cessação de uma suposta periculosidade não têm efeito na sua saída do manicômio. Lá eles permanecem em razão de não haver espaços de acolhimento no Ceará para recebê-los. A suposta periculosidade da loucura continua servindo como desculpa para mandar pessoas com sofrimento mental para o MJ Stênio Gomes, mas é a indiferença do Estado e da sociedade que perpetua sua permanência lá. Já está mais do que na hora de se iniciar no Ceará um programa que poderia tirar essa unidade federada da situação de ilegalidade por manter pessoas com sofrimento mental em um ambiente asilar. O PAILI/GO é uma política pública de saúde mental, direcionada para pessoas submetidas à medida de segurança, profundamente conectada com os princípios da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Reconhecido em todo o Brasil como uma experiência exitosa, possibilitou ao seu idealizador, o promotor de justiça Haroldo Caetano, receber o Prêmio Innovare no ano de 2009. Palavras-chave: periculosidade, manicômio judiciário, Psiquiatria, justiça penal, PAILI/GO.
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Existem no Brasil várias experiências exitosas de tratamento em liberdade, mas escolheu-se destacar o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI/GO), pelo pioneirismo em eliminar o manicômio judiciário como alternativa de tratamento e por sua constituição como uma política pública dirigida para o respeito da dignidade e dos direitos humanos das pessoas submetidas à medida de segurança. Para referencial metodológico, optou-se pela genealogia do poder, de Michel Foucault, por compreender-se que, a fim de realizar a pesquisa, seria necessário um estudo minucioso das relações de poder nas práticas e discursos que transitam entre a loucura e o crime. O estudo teve início com a caracterização da Psiquiatria, desde seu nascimento, como estratégia biopolítica de defesa social e parte importante de uma medicina social dirigida para o governo da população. Desde seus primórdios, quando ainda se estava elaborando seu corpo teórico, a Psiquiatria alcançou um espaço nas práticas judiciárias, justamente por ter codificado a loucura como doença e perigo e haver se colocado como a ciência que poderia, com seu saber e suas práticas, proteger a sociedade dos riscos da loucura. Dos maníacos em fúria de Pinel, passando pela monomania homicida de Esquirol, pelos degenerados de Morel e Magnan, até o homem delinquente de Lombroso, a Psiquiatria passou todo o século XIX afirmando a periculosidade da loucura e cumprindo sua promessa de defesa social, mantendo os loucos entre os muros do internamento. No século XX, Emil Kraepelin inscreveu os desvios em uma nosologia, o que ajudou a sedimentar a Psiquiatria como ciência das anomalias e esta passou a ter não apenas maior respeitabilidade científica, mas também garantiu seu espaço como a ciência que poderia proteger a sociedade do perigo dos comportamentos anormais. No Brasil, o psiquiatra alemão será uma robusta influência para o psiquiatra Juliano Moreira, figura-chave da Psiquiatria brasileira, especialmente nas três primeiras décadas do século XX. Para Juliano Moreira, a anormalidade é patológica, e é a Psiquiatria científica que irá se responsabilizar por ela. Com isso, este ramo disciplinar científico torna-se fundamental no combate das doenças sociais tidas como supostamente responsáveis pela criminalidade. Para promover a defesa social e combater a criminalidade, a assistência psiquiátrica dos anormais, alcoolistas, epiléticos, sifilíticos, será fundamental, o que caracteriza a importância da atuação da Psiquiatria no meio social e na justiça penal. Juliano Moreira lutou ao lado do psiquiatra Heitor Carrilho para a implantação do primeiro manicômio judiciário brasileiro, que foi inaugurado em 30 de maio de 1921, tendo Heitor Carrilho como primeiro diretor. Heitor Carrilho contribuiu para a expansão dos manicômios judiciários brasileiros e para a introdução das medidas de segurança no Código Penal de 1940. A história da Psiquiatria cearense esteve, desde suas origens, vinculada ao papel de defesa social. A inauguração do MJ Stênio Gomes em setembro de 1969, que isolou pessoas com sofrimento mental que cometeram algum delito, em um espaço específico para a chamada loucura perigosa, está situada dentro de outras políticas de isolamento já ocorrentes no estado do Ceará, como os campos de concentração para controlar os retirantes da seca, o Asilo São Vicente de Paulo, que teve como primeiros internos loucos transferidos de cadeias públicas e colônias para doentes com hanseníase. Como a crença na periculosidade da loucura sempre esteve em pauta na história da Psiquiatria, foram investigados diversos arquivos ¿ matérias jornalísticas, dossiês jurídicos, laudos periciais, pareceres médicos e exames de cessação de periculosidade; pareceres sociais; relatórios psicossociais e certidões carcerárias ¿ para situar em questão se era a suposta periculosidade do louco a razão de sua permanência no MJ Stênio Gomes. Para uma análise detalhada, procedeu-se a um recorte de quatro casos: dois de pessoas presas no ano de 1970 e dois que permanecem encarcerados no ano de 2020, de modo a ter acesso aos efeitos das práticas sociais e discursivas nas vidas sequestradas ao largo das cinco décadas de existência do MJ Stênio Gomes. Foram identificadas diversas lutas e enfrentamentos nos documentos analisados, mas o que se destacou foi o fato de que os presos do manicômio judiciário cearense lá permanecem, principalmente porque o Estado do Ceará e a sociedade cearense não se responsabilizam por pessoas sem vínculos familiares e sociais. Exames que atestam a cessação de uma suposta periculosidade não têm efeito na sua saída do manicômio. Lá eles permanecem em razão de não haver espaços de acolhimento no Ceará para recebê-los. A suposta periculosidade da loucura continua servindo como desculpa para mandar pessoas com sofrimento mental para o MJ Stênio Gomes, mas é a indiferença do Estado e da sociedade que perpetua sua permanência lá. Já está mais do que na hora de se iniciar no Ceará um programa que poderia tirar essa unidade federada da situação de ilegalidade por manter pessoas com sofrimento mental em um ambiente asilar. O PAILI/GO é uma política pública de saúde mental, direcionada para pessoas submetidas à medida de segurança, profundamente conectada com os princípios da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Reconhecido em todo o Brasil como uma experiência exitosa, possibilitou ao seu idealizador, o promotor de justiça Haroldo Caetano, receber o Prêmio Innovare no ano de 2009. Palavras-chave: periculosidade, manicômio judiciário, Psiquiatria, justiça penal, PAILI/GO.It is questioned in this academic essay the dangerousness as a reason to the permanence of people with mental suffering in the Judicial Asylum Stênio Gomes. The guiding hypothesis is that the supposed dangerousness of the insane offender has been the major cause of the long-term incarceration in the mental hospital in Ceará and the primary reason for the non-existence, in Ceará, of a mental health care model consistent with Law 10.216 / 2001, which prohibits the admission of people with mental disorders to institutions with asylum characteristics, ensures that hospitalization will only be indicated when extra-hospital resources are insufficient and advocates for treatment, preferably, in open and community services. There are several successful experiences of treatment without incarceration in Brazil, but we chose to highlight the Comprehensive Care Program for the Crazy Infractor (PAILI / GO), for its pioneering spirit in eliminating the judicial asylum as an alternative treatment and for its constitution as a public policy aimed at the respect for the dignity and human rights of people subjected to the security measure. For methodological reference, Michel Foucault genealogy of power was chosen, as it is understood that, in order to carry out the research, a detailed study of power relations in practices and discourses that transit between madness and crime would be necessary. The study began with the characterization of Psychiatry, since its birth, as a biopolitical strategy for social defense and an important part of a social medicine aimed for the government of the population. Since its beginnings, when its theoretical body was still being elaborated, Psychiatry reached a space in the judicial practices, precisely because it codified madness as a disease and danger and having placed itself as the science that could, with its knowledge and practices, protect the risk society of madness. From Pinel raging maniacs, to Esquirol homicidal monomania, to Morel and Magnan degenerates, to Lombroso delinquent man, Psychiatry spent the entire 19th century affirming the danger of madness and fulfilling its promise of social defense, keeping the crazy within the internment walls. In the twentieth century, Emil Kraepelin inscribed deviations in a nosology, which helped to establish Psychiatry as a science of anomalies and this now has not only greater scientific respectability, but also ensured its space as the science that could protect society from abnormal dangerous behaviors. In Brazil, the German psychiatrist will be a strong influence for the psychiatrist Juliano Moreira, a key figure in Brazilian Psychiatry, especially in the first three decades of the 20th century. For Juliano Moreira, the abnormality is pathological, and it the Scientific Psychiatry who will be responsible for it. Thereby, this scientific disciplinary branch becomes fundamental in the fight against social diseases supposedly responsible for crime. In order to promote social defense and fight crime, psychiatric care for abnormals, alcoholics, epileptics, syphilitics, will be fundamental, which characterizes the importance of Psychiatry in the social environment and in criminal justice. Juliano Moreira fought alongside the psychiatrist Heitor Carrilho for the implementation of the first Brazilian judicial asylum, which opened on May 30, 1921, with Heitor Carrilho as the first director. Heitor Carrilho contributed to the expansion of Brazilian judicial asylums and the introduction of security measures in the 1940 Penal Code. The history of psychiatry in Ceará has, since its origins, been linked to the role of social defense. The inauguration of Judicial Asylum Stênio Gomes in September 1969, which isolated people with mental suffering who committed a crime, in a specific space for the so-called dangerous madness, is located within other isolation policies already occurring in the State of Ceará, such as the camps concentration to control drought withdrawers, the São Vicente de Paulo Asylum, whose first crazy inmates were transferred from public chains and colonies to patients with leprosy. As the belief in the dangerousness of madness has always been on the agenda in the history of Psychiatry, several archives were investigated ¿ journalistic articles, legal dossiers, expert reports, medical opinions and exams for the end of dangerousness; social opinions; psychosocial reports and prison certificates ¿ to question whether the madman¿s supposed danger was the reason for his stay at Judicial Asylum Stênio Gomes. For a detailed analysis, a cut of four cases was made: two from people arrested in the year 1970 and two from who remain incarcerated in the year 2020, in order to have access to the effects of social and discursive practices on the lives kidnapped over the five decades of existence of the Judicial Asylum Stênio Gomes. Several struggles and confrontations have been identified in the documents analyzed, but what stood out was the fact that the prisoners of the Ceará mental asylum remain there, mainly because the State of Ceará and the Ceará society are not responsible for people without family and social ties. Tests that attest to the cessation of a supposed dangerousness have no effect on your leaving the asylum. There they remain because there are no reception spaces in Ceará to receive them. The supposed dangerousness of madness continues to serve as an excuse to send people with mental suffering to Judicial Asylum Stênio Gomes, but it is the indifference of the State and society that perpetuates his stay there. It is about time to start a program in Ceará that could take this federal unit out of illegality by keeping people with mental suffering in an asylum environment. PAILI / GO is a public mental health policy, aimed at people subjected to security measures, deeply connected with the principles of Psychiatric Reform and Anti-Asylum Fight. Recognized throughout Brazil as a successful experience, it made it possible for its creator, the prosecutor Haroldo Caetano, to receive the Innovare Award in 2009. Keywords: dangerousness, judicial asylum, Psychiatry, criminal justice, PAILI/GO.A Tese foi enviada com autorização e certificação via CI 15724/23 em 03/03/2023Danziato, Leonardo José BarreiraPinheiro, Clara Virgínia de QueirozSilva, Haroldo Caetano daCosta, Sylvio de Sousa GadelhaLima, Aluísio Ferreira deUniversidade de Fortaleza. Programa de Pós-Graduação em PsicologiaMascarenhas, Lirian Filgueiras2021info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttps://biblioteca.sophia.com.br/terminalri/9575/acervo/detalhe/129300https://uol.unifor.br/auth-sophia/exibicao/27883porreponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UNIFORinstname:Universidade de Fortaleza (UNIFOR)instacron:UNIFORinfo:eu-repo/semantics/openAccess2024-01-26T09:13:42Zoai::129300Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttps://www.unifor.br/bdtdONGhttp://dspace.unifor.br/oai/requestbib@unifor.br||bib@unifor.bropendoar:2024-01-26T09:13:42Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UNIFOR - Universidade de Fortaleza (UNIFOR)false
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Existem no Brasil várias experiências exitosas de tratamento em liberdade, mas escolheu-se destacar o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI/GO), pelo pioneirismo em eliminar o manicômio judiciário como alternativa de tratamento e por sua constituição como uma política pública dirigida para o respeito da dignidade e dos direitos humanos das pessoas submetidas à medida de segurança. Para referencial metodológico, optou-se pela genealogia do poder, de Michel Foucault, por compreender-se que, a fim de realizar a pesquisa, seria necessário um estudo minucioso das relações de poder nas práticas e discursos que transitam entre a loucura e o crime. O estudo teve início com a caracterização da Psiquiatria, desde seu nascimento, como estratégia biopolítica de defesa social e parte importante de uma medicina social dirigida para o governo da população. Desde seus primórdios, quando ainda se estava elaborando seu corpo teórico, a Psiquiatria alcançou um espaço nas práticas judiciárias, justamente por ter codificado a loucura como doença e perigo e haver se colocado como a ciência que poderia, com seu saber e suas práticas, proteger a sociedade dos riscos da loucura. Dos maníacos em fúria de Pinel, passando pela monomania homicida de Esquirol, pelos degenerados de Morel e Magnan, até o homem delinquente de Lombroso, a Psiquiatria passou todo o século XIX afirmando a periculosidade da loucura e cumprindo sua promessa de defesa social, mantendo os loucos entre os muros do internamento. No século XX, Emil Kraepelin inscreveu os desvios em uma nosologia, o que ajudou a sedimentar a Psiquiatria como ciência das anomalias e esta passou a ter não apenas maior respeitabilidade científica, mas também garantiu seu espaço como a ciência que poderia proteger a sociedade do perigo dos comportamentos anormais. No Brasil, o psiquiatra alemão será uma robusta influência para o psiquiatra Juliano Moreira, figura-chave da Psiquiatria brasileira, especialmente nas três primeiras décadas do século XX. Para Juliano Moreira, a anormalidade é patológica, e é a Psiquiatria científica que irá se responsabilizar por ela. Com isso, este ramo disciplinar científico torna-se fundamental no combate das doenças sociais tidas como supostamente responsáveis pela criminalidade. Para promover a defesa social e combater a criminalidade, a assistência psiquiátrica dos anormais, alcoolistas, epiléticos, sifilíticos, será fundamental, o que caracteriza a importância da atuação da Psiquiatria no meio social e na justiça penal. Juliano Moreira lutou ao lado do psiquiatra Heitor Carrilho para a implantação do primeiro manicômio judiciário brasileiro, que foi inaugurado em 30 de maio de 1921, tendo Heitor Carrilho como primeiro diretor. Heitor Carrilho contribuiu para a expansão dos manicômios judiciários brasileiros e para a introdução das medidas de segurança no Código Penal de 1940. A história da Psiquiatria cearense esteve, desde suas origens, vinculada ao papel de defesa social. A inauguração do MJ Stênio Gomes em setembro de 1969, que isolou pessoas com sofrimento mental que cometeram algum delito, em um espaço específico para a chamada loucura perigosa, está situada dentro de outras políticas de isolamento já ocorrentes no estado do Ceará, como os campos de concentração para controlar os retirantes da seca, o Asilo São Vicente de Paulo, que teve como primeiros internos loucos transferidos de cadeias públicas e colônias para doentes com hanseníase. Como a crença na periculosidade da loucura sempre esteve em pauta na história da Psiquiatria, foram investigados diversos arquivos ¿ matérias jornalísticas, dossiês jurídicos, laudos periciais, pareceres médicos e exames de cessação de periculosidade; pareceres sociais; relatórios psicossociais e certidões carcerárias ¿ para situar em questão se era a suposta periculosidade do louco a razão de sua permanência no MJ Stênio Gomes. Para uma análise detalhada, procedeu-se a um recorte de quatro casos: dois de pessoas presas no ano de 1970 e dois que permanecem encarcerados no ano de 2020, de modo a ter acesso aos efeitos das práticas sociais e discursivas nas vidas sequestradas ao largo das cinco décadas de existência do MJ Stênio Gomes. Foram identificadas diversas lutas e enfrentamentos nos documentos analisados, mas o que se destacou foi o fato de que os presos do manicômio judiciário cearense lá permanecem, principalmente porque o Estado do Ceará e a sociedade cearense não se responsabilizam por pessoas sem vínculos familiares e sociais. Exames que atestam a cessação de uma suposta periculosidade não têm efeito na sua saída do manicômio. Lá eles permanecem em razão de não haver espaços de acolhimento no Ceará para recebê-los. A suposta periculosidade da loucura continua servindo como desculpa para mandar pessoas com sofrimento mental para o MJ Stênio Gomes, mas é a indiferença do Estado e da sociedade que perpetua sua permanência lá. Já está mais do que na hora de se iniciar no Ceará um programa que poderia tirar essa unidade federada da situação de ilegalidade por manter pessoas com sofrimento mental em um ambiente asilar. 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