A cegueira em cena: representações de pessoas com deficiência visual em telenovelas da Globo (2005-2012)

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Braga, Luiz Paulo da Silva
Data de Publicação: 2024
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional do FGV (FGV Repositório Digital)
Texto Completo: https://hdl.handle.net/10438/35245
Resumo: A telenovela brasileira é um produto cultural gerador e reprodutor de sentidos. Nessa perspectiva, esta pesquisa explorou as representações de pessoas com deficiência visual, e da própria cegueira, presentes em telenovelas da Globo, ao longo de cinco décadas (1969-2019). O problema central era uma suposta perpetuação de estereótipos empreendida pelo gênero ficcional a respeito da perda e da ausência da visão – em um país com 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, no qual a inclusão ainda não é uma realidade. Dessa forma, o estudo analisou e problematizou essas representações, identificando tendências, rupturas e continuidades, além de articulá-las a categorias caras à literatura sobre telenovelas e cegueira, como o melodrama e os modelos da deficiência. Inicialmente identificou-se 27 obras com personagens com deficiência visual no período. A metodologia de coleta e tratamento dos dados foi a etnografia de tela, de Carmen Rial – adaptada a partir de interlocuções com autores como Maria Lourdes Motter e Mônica Kornis. Primeiramente foram analisadas cenas e/ou material secundário das telenovelas. Na sequência, dialogicamente, foram então reconstruídas as representações e construídos três modelos analíticos para categorizar a cegueira, que revelou seguir certa padronização: a cegueira dramática e a cegueira anedótica, estereotípicas; e a cegueira complexa, predominantemente positivada. Por fim, quatro telenovelas, produzidas entre 2005 e 2012, foram selecionadas para análise etnográfica detalhada: uma anedótica, Desejo proibido (2008), e três complexas, América (2005), Caras e bocas (2009/10) e Malhação Conectados (2011/12). O recorte levou em consideração três fatores: 1) uma pretensa efervescência da inclusão no período, que, no Brasil, culminou na promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (2015); 2) Até 2019 foram localizadas apenas seis representações complexas da cegueira, sendo a última delas Conectados. Por outro lado, América empreendeu um projeto de pedagogia da cegueira, com uma campanha socioeducativa sobre inclusão de pessoas cegas sem precedentes, servindo, por isso, de marco inicial; e 3) Desejo proibido foi selecionada de modo a mapear como os discursos estereotípicos permaneceram circulando, mesmo em meio a uma pretensa festa da diversidade das telenovelas. Nesse sentido, a pesquisa revelou que os modelos da cegueira também dialogam entre si internamente nas telenovelas, inclusive nas representações complexas, que operam com nuances dramáticas e anedóticas e, por isso, capacitistas. Defendeu-se que a construção das representações tem ocorrido a partir de práticas visuocêntricas, calcadas na noção de supremacia sensorial visual e de cegueira como uma experiência homogênea, incompleta e trágica, mesmo quando positivada. Em adição, sistematizou-se a relação da representação complexa com o merchandising social, um projeto da Globo de comunicabilidade ficcional instável, em constante tensão com a realidade. Como resultado, alertou-se para a necessidade de estudos futuros que mapeiem certas descontinuidades históricas identificadas, como a decodificação das representações pelos espectadores e o combate ao cripface. Indicou-se também a necessidade da telenovela, ainda que o estereótipo lhe seja intrínseco, buscar romper com o visuocentrismo como base criativa e como pressuposto narrativo. Desse modo, o gênero poderá gerar novas possibilidades de práticas e representações anticapacitistas – sobre, para e com pessoas com deficiência visual.
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Dessa forma, o estudo analisou e problematizou essas representações, identificando tendências, rupturas e continuidades, além de articulá-las a categorias caras à literatura sobre telenovelas e cegueira, como o melodrama e os modelos da deficiência. Inicialmente identificou-se 27 obras com personagens com deficiência visual no período. A metodologia de coleta e tratamento dos dados foi a etnografia de tela, de Carmen Rial – adaptada a partir de interlocuções com autores como Maria Lourdes Motter e Mônica Kornis. Primeiramente foram analisadas cenas e/ou material secundário das telenovelas. Na sequência, dialogicamente, foram então reconstruídas as representações e construídos três modelos analíticos para categorizar a cegueira, que revelou seguir certa padronização: a cegueira dramática e a cegueira anedótica, estereotípicas; e a cegueira complexa, predominantemente positivada. Por fim, quatro telenovelas, produzidas entre 2005 e 2012, foram selecionadas para análise etnográfica detalhada: uma anedótica, Desejo proibido (2008), e três complexas, América (2005), Caras e bocas (2009/10) e Malhação Conectados (2011/12). O recorte levou em consideração três fatores: 1) uma pretensa efervescência da inclusão no período, que, no Brasil, culminou na promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (2015); 2) Até 2019 foram localizadas apenas seis representações complexas da cegueira, sendo a última delas Conectados. Por outro lado, América empreendeu um projeto de pedagogia da cegueira, com uma campanha socioeducativa sobre inclusão de pessoas cegas sem precedentes, servindo, por isso, de marco inicial; e 3) Desejo proibido foi selecionada de modo a mapear como os discursos estereotípicos permaneceram circulando, mesmo em meio a uma pretensa festa da diversidade das telenovelas. Nesse sentido, a pesquisa revelou que os modelos da cegueira também dialogam entre si internamente nas telenovelas, inclusive nas representações complexas, que operam com nuances dramáticas e anedóticas e, por isso, capacitistas. Defendeu-se que a construção das representações tem ocorrido a partir de práticas visuocêntricas, calcadas na noção de supremacia sensorial visual e de cegueira como uma experiência homogênea, incompleta e trágica, mesmo quando positivada. Em adição, sistematizou-se a relação da representação complexa com o merchandising social, um projeto da Globo de comunicabilidade ficcional instável, em constante tensão com a realidade. Como resultado, alertou-se para a necessidade de estudos futuros que mapeiem certas descontinuidades históricas identificadas, como a decodificação das representações pelos espectadores e o combate ao cripface. Indicou-se também a necessidade da telenovela, ainda que o estereótipo lhe seja intrínseco, buscar romper com o visuocentrismo como base criativa e como pressuposto narrativo. Desse modo, o gênero poderá gerar novas possibilidades de práticas e representações anticapacitistas – sobre, para e com pessoas com deficiência visual.The Brazilian telenovela is a cultural product that produces and reproduces meanings. In this sense, this research explored the representations of individuals with visual impairment, and blindness itself, within Globo’s telenovelas, over five decades (1969-2019). The central problem was an alleged perpetuation of stereotypes undertaken by the fictional genre regarding the loss and absence of vision – in a country with 6.5 million visually impaired individuals still striving for inclusion. The study aimed to analyze and question these representations, identifying trends, disruptions, and continuities, while linking them to important categories for the academic literature on telenovelas and blindness, such as melodrama and disability models. Initially, 27 stories with visually impaired characters were identified in the period. The data collection and processing methodology was etnografia de tela (screen ethnography), by Carmen Rial – adapted through dialogues with authors like Maria Lourdes Motter and Mônica Kornis. Preliminary analysis involved scenes from the telenovelas and secondary material about them. Thus, dialogically, research reconstructed the representations and constructed three analytical models to categorize blindness, which revealed a certain standardization: dramatic blindness and anecdotal blindness, as stereotypical; and complex blindness, as positive. Subsequently, the study selected four telenovelas, produced between 2005 and 2012, for detailed ethnographic analysis: an anecdotal one, Desejo proibido (2008) and three complex ones, América (2005), Caras e bocas (2009/10) and Malhação Conectados (2011/12). The selection considered three factors: 1) an alleged effervescence in the theme of inclusion in the period, which, in Brazil, culminated in the promulgation of the Brazilian Inclusion Law (2015); 2) Until 2019, the study found only six complex representations of blindness, the last of which was Conectados. On the other hand, América initiated a groundbreaking blindness pedagogy project, featuring an unprecedented socio-educational television campaign on the inclusion of blind individuals, serving as a starting point; and 3) Desejo proibido was selected to map how these stereotypical discourses continued to circulate, even in the midst of an alleged celebration of the diversity in Globo’s telenovelas. The study revealed that these models also dialogue with each other internally in the productions, including complex ones, which operate with dramatic and anecdotal nuances and, therefore, ableist. The construction of representations has occurred from a visuocentric perspective, based on the notion of visual sensory supremacy and blindness as a homogeneous, incomplete, and tragic experience, even when positive. In addition, the study also systematized the connection between complex blindness representation and television social merchandising, a Brazilian unstable fictional communicability project, in constant tension with reality. As a result, this study alerted to the need for future studies that map certain identified historical discontinuities, such as the decoding of blindness representations by viewers and the cripface practice. The results also emphasized that Brazilian telenovelas, despite their intrinsic stereotypes, should strive to break free from visuocentrism as a foundational creative and narrative basis. Thus, telenovelas can generate new possibilities to anti-ableist practices and representations, about, for and with people with visual impairments.porTelenovelaCegueiraDeficiência visualRepresentaçõesVisuocentrismoBlindnessVisual impairmentRepresentationsVisuocentrismPessoas com deficiênciaTelenovelasCegueiraRepresentações sociaisA cegueira em cena: representações de pessoas com deficiência visual em telenovelas da Globo (2005-2012)info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Institucional do FGV (FGV Repositório Digital)instname:Fundação Getulio Vargas (FGV)instacron:FGVLICENSElicense.txtlicense.txttext/plain; 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Maia, João Marcelo Ehlert
Pires, Maria da Conceição Francisca
Siciliano, Tatiana Oliveira
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description A telenovela brasileira é um produto cultural gerador e reprodutor de sentidos. Nessa perspectiva, esta pesquisa explorou as representações de pessoas com deficiência visual, e da própria cegueira, presentes em telenovelas da Globo, ao longo de cinco décadas (1969-2019). O problema central era uma suposta perpetuação de estereótipos empreendida pelo gênero ficcional a respeito da perda e da ausência da visão – em um país com 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, no qual a inclusão ainda não é uma realidade. Dessa forma, o estudo analisou e problematizou essas representações, identificando tendências, rupturas e continuidades, além de articulá-las a categorias caras à literatura sobre telenovelas e cegueira, como o melodrama e os modelos da deficiência. Inicialmente identificou-se 27 obras com personagens com deficiência visual no período. A metodologia de coleta e tratamento dos dados foi a etnografia de tela, de Carmen Rial – adaptada a partir de interlocuções com autores como Maria Lourdes Motter e Mônica Kornis. Primeiramente foram analisadas cenas e/ou material secundário das telenovelas. Na sequência, dialogicamente, foram então reconstruídas as representações e construídos três modelos analíticos para categorizar a cegueira, que revelou seguir certa padronização: a cegueira dramática e a cegueira anedótica, estereotípicas; e a cegueira complexa, predominantemente positivada. Por fim, quatro telenovelas, produzidas entre 2005 e 2012, foram selecionadas para análise etnográfica detalhada: uma anedótica, Desejo proibido (2008), e três complexas, América (2005), Caras e bocas (2009/10) e Malhação Conectados (2011/12). O recorte levou em consideração três fatores: 1) uma pretensa efervescência da inclusão no período, que, no Brasil, culminou na promulgação da Lei Brasileira de Inclusão (2015); 2) Até 2019 foram localizadas apenas seis representações complexas da cegueira, sendo a última delas Conectados. Por outro lado, América empreendeu um projeto de pedagogia da cegueira, com uma campanha socioeducativa sobre inclusão de pessoas cegas sem precedentes, servindo, por isso, de marco inicial; e 3) Desejo proibido foi selecionada de modo a mapear como os discursos estereotípicos permaneceram circulando, mesmo em meio a uma pretensa festa da diversidade das telenovelas. Nesse sentido, a pesquisa revelou que os modelos da cegueira também dialogam entre si internamente nas telenovelas, inclusive nas representações complexas, que operam com nuances dramáticas e anedóticas e, por isso, capacitistas. Defendeu-se que a construção das representações tem ocorrido a partir de práticas visuocêntricas, calcadas na noção de supremacia sensorial visual e de cegueira como uma experiência homogênea, incompleta e trágica, mesmo quando positivada. Em adição, sistematizou-se a relação da representação complexa com o merchandising social, um projeto da Globo de comunicabilidade ficcional instável, em constante tensão com a realidade. Como resultado, alertou-se para a necessidade de estudos futuros que mapeiem certas descontinuidades históricas identificadas, como a decodificação das representações pelos espectadores e o combate ao cripface. Indicou-se também a necessidade da telenovela, ainda que o estereótipo lhe seja intrínseco, buscar romper com o visuocentrismo como base criativa e como pressuposto narrativo. Desse modo, o gênero poderá gerar novas possibilidades de práticas e representações anticapacitistas – sobre, para e com pessoas com deficiência visual.
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