As leituras de Roberto de Mesquita
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2009 |
Tipo de documento: | Dissertação |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | http://hdl.handle.net/10400.6/1759 |
Resumo: | Roberto de Mesquita. Poeta. Nascido e criado na ilha das Flores, um minúsculo pedaço de terra, 141,7 km2, que marca a fronteira mais ocidental do território português. Aí conviveu com uma natureza quase edénica, em alguns aspectos, ainda, inexplorada, mas caprichosa e exposta à fúria dos elementos, particularmente nos meses mais rigorosos, correspondentes às estações do Outono, do Inverno e de parte da Primavera. Os momentos de bonança eram relativamente breves, correspondiam, por regra, a uma parte da Primavera e ao Verão. Ostentavam o dom de permitir o retemperar dos ânimos, pois facilitavam a comunicação com o exterior, insular e transcontinental, assistiam à chegada dos familiares, em “dia de São-Vapor”1, emigrados nas Américas ou radicados nas restantes ilhas do arquipélago e no continente português, e dos forasteiros, curiosos e intrigados com os usos e costumes deste povo peculiar: «Oh, meu Deus! Descubro que a gente enterrada há cinquenta anos se encontra outra vez nas Flores, viva e aferrada às mesmas palavras e às mesmas manias do passado, numa meia-sombra em que se cria bolor. Estou talvez no Purgatório – o Inferno é mais ao norte… Certos seres mortos na minha mocidade, e que eu não sabia onde se tinham metido, foram desterrados para as Flores.» Dos condicionalismos da vivência em meio insular, procuraremos dar razão, na Parte I deste trabalho, procedendo a uma caracterização, de forma necessariamente breve, da geografia física e das circunstâncias atmosféricas que condicionam o arquipélago açoriano (Sub-capítulo 1.1). Do mesmo modo, conscientes do efeito modelador do meio ambiente sobre as sociedades humanas, torna-se incontornável a referência aos traços idiossincráticos mais relevantes do habitante ilhéu, que o diferenciam, de algum modo, dos seus compatriotas residentes em outros espaços do solo pátrio (Sub-capítulo 1.2), contamos com o apoio de alguns estudos de natureza sociológica, realizados por relevantes personalidades, nos contextos regional e nacional. A relação dialéctica alimentada pelo papel do homem em interacção com o meio onde vive, a constatação das suas singularidades, o estabelecimento de formas específicas de expressão social, cultural e religiosa, consolidando-se ao longo de cinco séculos de história insular, marcam, indelevelmente, a psique e o modo de estar no mundo dos açorianos. Estas marcas constantes e significativas surgem plasmadas no conceito de “açorianidade”, proposto por Vitorino Nemésio, e de que apresentamos os seus traços mais significativos no Capítulo 2. Estas realidades humanas e geográficas, sui generis, por sua vez, deram lugar a universos ficcionais que, no plano da literatura, constituem aquilo a que, progressivamente, se vem convencionando chamar de Literatura Açoriana. Trata-se, pois, de um corpus de textos, produzidos por autores açorianos ou que residiram no arquipélago o tempo suficiente para compreender e assimilar os valores, o modo de sentir e de encarar a vida, tal como ela é experienciada no arquipélago, textos esses enquadráveis nos diversos modos e géneros literários, versando sobre temática açoriana: as suas gentes, a sua cultural, o seu linguajar característico, a sua mundividência, etc. Uma vez que a discussão sobre a existência, ou não, da denominada Literatura Açoriana se mantém actual, procuraremos fazer uma resenha histórica dessa problemática (Capítulo 3), pautando-nos pelas posições assumidas entre a crítica mais abalizada. Estabelecidos estes pressupostos, geográficos, sociológicos e ideológicos, propomo-nos recuperar a obra poética de Roberto de Mesquita, no intuito de pôr em evidência os vários diálogos intertextuais que ela mantém com os diversos policódigos estético-literários que caracterizam a poesia portuguesa finissecular (Parte II). Deste modo, o presente trabalho apresenta-se como mais um contributo para a compreensão e afirmação da qualidade estética e literária de Almas Cativas, ao mesmo tempo que procurará chamar à atenção para a necessidade de se recuperar e homenagear uma figura e uma obra singulares no plano da criação literária, tal como ela se apresenta nos Açores, e no contexto da poesia portuguesa de fins de Oitocentos e inícios do século XX4. Vivendo toda a vida nos Açores, principalmente na sua terra natal, a ilha das Flores (estudou um ano em Angra do Heroísmo – 1885; transferiu-se para a Horta, onde se manteve até 1890/1891, quando deu por terminados os estudos; em 1897, radica-se em S. Roque do Pico, trabalhando como escriturário da Fazenda Pública, sendo no ano seguinte transferido para Santa Cruz das Flores; em 1912, toma posse como chefe de Finanças na ilha do Corvo, onde permanece quase um ano; a sua única saída ao continente português acontece em 1904, a fim de se apresentar a concurso para escrivão da Fazenda Pública e, nessa viagem, desloca-se até Viseu, para se encontrar com o irmão, à época professor de Liceu nesta cidade, tendo ainda ensejo de conhecer, pessoalmente, Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio, amigos de Carlos de Mesquita)5, Roberto de Mesquita foi capaz de, através da leitura, contornar as limitações que a insularidade lhe impunha, tomando conhecimento com a obra dos mais importantes autores da poesia finissecular, quer nacional, quer estrangeira. Na terceira e última parte deste trabalho, retoma-se a questão da Literatura Açoriana, procurando explicitar-se elementos caracterizadores da “açorianidade” presentes em Almas Cativas e, por esse facto, susceptíveis da integração da obra poética mesquitiana no âmbito e dentro dos limites daquele universo literário. Pretende-se, pois, deste modo, confirmar a opinião de um dos mais argutos críticos da poética mesquitiana, Vitorino Nemésio, que vê na poesia do autor florentino a manifestação mais acabada do “perfil difuso e abúlico da açorianidade”. |
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Descubro que a gente enterrada há cinquenta anos se encontra outra vez nas Flores, viva e aferrada às mesmas palavras e às mesmas manias do passado, numa meia-sombra em que se cria bolor. Estou talvez no Purgatório – o Inferno é mais ao norte… Certos seres mortos na minha mocidade, e que eu não sabia onde se tinham metido, foram desterrados para as Flores.» Dos condicionalismos da vivência em meio insular, procuraremos dar razão, na Parte I deste trabalho, procedendo a uma caracterização, de forma necessariamente breve, da geografia física e das circunstâncias atmosféricas que condicionam o arquipélago açoriano (Sub-capítulo 1.1). Do mesmo modo, conscientes do efeito modelador do meio ambiente sobre as sociedades humanas, torna-se incontornável a referência aos traços idiossincráticos mais relevantes do habitante ilhéu, que o diferenciam, de algum modo, dos seus compatriotas residentes em outros espaços do solo pátrio (Sub-capítulo 1.2), contamos com o apoio de alguns estudos de natureza sociológica, realizados por relevantes personalidades, nos contextos regional e nacional. A relação dialéctica alimentada pelo papel do homem em interacção com o meio onde vive, a constatação das suas singularidades, o estabelecimento de formas específicas de expressão social, cultural e religiosa, consolidando-se ao longo de cinco séculos de história insular, marcam, indelevelmente, a psique e o modo de estar no mundo dos açorianos. Estas marcas constantes e significativas surgem plasmadas no conceito de “açorianidade”, proposto por Vitorino Nemésio, e de que apresentamos os seus traços mais significativos no Capítulo 2. Estas realidades humanas e geográficas, sui generis, por sua vez, deram lugar a universos ficcionais que, no plano da literatura, constituem aquilo a que, progressivamente, se vem convencionando chamar de Literatura Açoriana. Trata-se, pois, de um corpus de textos, produzidos por autores açorianos ou que residiram no arquipélago o tempo suficiente para compreender e assimilar os valores, o modo de sentir e de encarar a vida, tal como ela é experienciada no arquipélago, textos esses enquadráveis nos diversos modos e géneros literários, versando sobre temática açoriana: as suas gentes, a sua cultural, o seu linguajar característico, a sua mundividência, etc. Uma vez que a discussão sobre a existência, ou não, da denominada Literatura Açoriana se mantém actual, procuraremos fazer uma resenha histórica dessa problemática (Capítulo 3), pautando-nos pelas posições assumidas entre a crítica mais abalizada. Estabelecidos estes pressupostos, geográficos, sociológicos e ideológicos, propomo-nos recuperar a obra poética de Roberto de Mesquita, no intuito de pôr em evidência os vários diálogos intertextuais que ela mantém com os diversos policódigos estético-literários que caracterizam a poesia portuguesa finissecular (Parte II). Deste modo, o presente trabalho apresenta-se como mais um contributo para a compreensão e afirmação da qualidade estética e literária de Almas Cativas, ao mesmo tempo que procurará chamar à atenção para a necessidade de se recuperar e homenagear uma figura e uma obra singulares no plano da criação literária, tal como ela se apresenta nos Açores, e no contexto da poesia portuguesa de fins de Oitocentos e inícios do século XX4. Vivendo toda a vida nos Açores, principalmente na sua terra natal, a ilha das Flores (estudou um ano em Angra do Heroísmo – 1885; transferiu-se para a Horta, onde se manteve até 1890/1891, quando deu por terminados os estudos; em 1897, radica-se em S. Roque do Pico, trabalhando como escriturário da Fazenda Pública, sendo no ano seguinte transferido para Santa Cruz das Flores; em 1912, toma posse como chefe de Finanças na ilha do Corvo, onde permanece quase um ano; a sua única saída ao continente português acontece em 1904, a fim de se apresentar a concurso para escrivão da Fazenda Pública e, nessa viagem, desloca-se até Viseu, para se encontrar com o irmão, à época professor de Liceu nesta cidade, tendo ainda ensejo de conhecer, pessoalmente, Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio, amigos de Carlos de Mesquita)5, Roberto de Mesquita foi capaz de, através da leitura, contornar as limitações que a insularidade lhe impunha, tomando conhecimento com a obra dos mais importantes autores da poesia finissecular, quer nacional, quer estrangeira. Na terceira e última parte deste trabalho, retoma-se a questão da Literatura Açoriana, procurando explicitar-se elementos caracterizadores da “açorianidade” presentes em Almas Cativas e, por esse facto, susceptíveis da integração da obra poética mesquitiana no âmbito e dentro dos limites daquele universo literário. 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Descubro que a gente enterrada há cinquenta anos se encontra outra vez nas Flores, viva e aferrada às mesmas palavras e às mesmas manias do passado, numa meia-sombra em que se cria bolor. Estou talvez no Purgatório – o Inferno é mais ao norte… Certos seres mortos na minha mocidade, e que eu não sabia onde se tinham metido, foram desterrados para as Flores.» Dos condicionalismos da vivência em meio insular, procuraremos dar razão, na Parte I deste trabalho, procedendo a uma caracterização, de forma necessariamente breve, da geografia física e das circunstâncias atmosféricas que condicionam o arquipélago açoriano (Sub-capítulo 1.1). Do mesmo modo, conscientes do efeito modelador do meio ambiente sobre as sociedades humanas, torna-se incontornável a referência aos traços idiossincráticos mais relevantes do habitante ilhéu, que o diferenciam, de algum modo, dos seus compatriotas residentes em outros espaços do solo pátrio (Sub-capítulo 1.2), contamos com o apoio de alguns estudos de natureza sociológica, realizados por relevantes personalidades, nos contextos regional e nacional. A relação dialéctica alimentada pelo papel do homem em interacção com o meio onde vive, a constatação das suas singularidades, o estabelecimento de formas específicas de expressão social, cultural e religiosa, consolidando-se ao longo de cinco séculos de história insular, marcam, indelevelmente, a psique e o modo de estar no mundo dos açorianos. Estas marcas constantes e significativas surgem plasmadas no conceito de “açorianidade”, proposto por Vitorino Nemésio, e de que apresentamos os seus traços mais significativos no Capítulo 2. Estas realidades humanas e geográficas, sui generis, por sua vez, deram lugar a universos ficcionais que, no plano da literatura, constituem aquilo a que, progressivamente, se vem convencionando chamar de Literatura Açoriana. Trata-se, pois, de um corpus de textos, produzidos por autores açorianos ou que residiram no arquipélago o tempo suficiente para compreender e assimilar os valores, o modo de sentir e de encarar a vida, tal como ela é experienciada no arquipélago, textos esses enquadráveis nos diversos modos e géneros literários, versando sobre temática açoriana: as suas gentes, a sua cultural, o seu linguajar característico, a sua mundividência, etc. Uma vez que a discussão sobre a existência, ou não, da denominada Literatura Açoriana se mantém actual, procuraremos fazer uma resenha histórica dessa problemática (Capítulo 3), pautando-nos pelas posições assumidas entre a crítica mais abalizada. Estabelecidos estes pressupostos, geográficos, sociológicos e ideológicos, propomo-nos recuperar a obra poética de Roberto de Mesquita, no intuito de pôr em evidência os vários diálogos intertextuais que ela mantém com os diversos policódigos estético-literários que caracterizam a poesia portuguesa finissecular (Parte II). Deste modo, o presente trabalho apresenta-se como mais um contributo para a compreensão e afirmação da qualidade estética e literária de Almas Cativas, ao mesmo tempo que procurará chamar à atenção para a necessidade de se recuperar e homenagear uma figura e uma obra singulares no plano da criação literária, tal como ela se apresenta nos Açores, e no contexto da poesia portuguesa de fins de Oitocentos e inícios do século XX4. Vivendo toda a vida nos Açores, principalmente na sua terra natal, a ilha das Flores (estudou um ano em Angra do Heroísmo – 1885; transferiu-se para a Horta, onde se manteve até 1890/1891, quando deu por terminados os estudos; em 1897, radica-se em S. Roque do Pico, trabalhando como escriturário da Fazenda Pública, sendo no ano seguinte transferido para Santa Cruz das Flores; em 1912, toma posse como chefe de Finanças na ilha do Corvo, onde permanece quase um ano; a sua única saída ao continente português acontece em 1904, a fim de se apresentar a concurso para escrivão da Fazenda Pública e, nessa viagem, desloca-se até Viseu, para se encontrar com o irmão, à época professor de Liceu nesta cidade, tendo ainda ensejo de conhecer, pessoalmente, Eugénio de Castro e Manuel da Silva Gaio, amigos de Carlos de Mesquita)5, Roberto de Mesquita foi capaz de, através da leitura, contornar as limitações que a insularidade lhe impunha, tomando conhecimento com a obra dos mais importantes autores da poesia finissecular, quer nacional, quer estrangeira. Na terceira e última parte deste trabalho, retoma-se a questão da Literatura Açoriana, procurando explicitar-se elementos caracterizadores da “açorianidade” presentes em Almas Cativas e, por esse facto, susceptíveis da integração da obra poética mesquitiana no âmbito e dentro dos limites daquele universo literário. Pretende-se, pois, deste modo, confirmar a opinião de um dos mais argutos críticos da poética mesquitiana, Vitorino Nemésio, que vê na poesia do autor florentino a manifestação mais acabada do “perfil difuso e abúlico da açorianidade”. |
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