Do Espírito da Utopia: Lugares Utópicos e Eutópicos: Tempos Proféticos Nas Culturas Literárias Portuguesa e Inglesa
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 1997 |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | http://hdl.handle.net/10348/439 |
Resumo: | Se, na esteira do que escreveu Borges no referido conto, projectar uma utopia implica um regresso ao latim, a uma língua que no contexto da história da civilização ocidental assume uma função central e simbólica, tanto pelas suas qualidades constituintes de transmissão de saber, como pelas suas virtualidades comunicativas de aproximação inter‐étnica e cultural, mesmo até de religação numenal, então estudar a utopia é acompanhar essa viagem de regresso ao âmago das interrogações e formulações essenciais produzidas pelo homem ocidental ao longo dos séculos, é ser atraído por uma poderosa força gravitacional de sentidos vários que irradiam a partir de um centro de difícil determinação conceptual. A natureza híbrida do género literário da utopia não releva apenas da impossibilidade da teoria da literatura classificá‐lo sob uma unívoca categoria poética, mas também, e sobretudo, do incessante trânsito que esse género promove entre a imaginação e a razão, ou melhor, entre a livre projecção de imagens confabuladoras e a sua necessária e inteligível ordenação reveladora de sentido. Se a literatura, tomada como exigente actividade de questionação e representação do mundo, nos pode conduzir até ao limiar destas aporias, ao "nó górdio do mundo", obviamente que não pode nem deve pretender solucioná‐las, porque se essa fosse a sua função, deixava de ser literatura para passar a ser doutrinação ideológica (religiosa, ética, política). No entanto, regressar ao aqui e agora, regressar a casa, parece ser o fim último de todo o impulso utópico que, com nostalgia ou esperança, vagueia por diferentes continentes ideais, segundo diferentes meios de expressão – (do "wisfhful thinking" às construções programáticas‐racionalistas ou ficcionaispoético‐ imaginativas, passando pelas sublimações literárias da grande mãe natureza) –, num registo implícito ou explícito de denúncia e de crítica à fealdade, à violência, à injustiça, ao absurdo, à estupidez, à intolerância, à perversão, à mesquinhez, à ignorância e a todo o rol de imperfeições onto‐axiológicas que fazem deste mundo o único que se conhece humanamente assim, mas talvez não, e ao contrário de Leibniz, o único que se conhece como o melhor dos mundos possíveis. A primeira e óbvia conclusão a que chegamos é que este espírito da utopia é indissociável do espírito humano e da sua essencial natureza volitiva. A segunda conclusão é que a configuração e materialização desse espírito, adentro dos limites da cultura ocidental, está organicamente associada aos fundamentos doutrinais – religiosos, antropológicos, filosóficos, literários – dessa cultura, o que é dizer que está gravado na sua matriz clássica humanista, e, sobretudo, na sua matriz judaica‐cristã. A terceira conclusão que desejamos salientar é que da autonomia, sobreposição, cruzamento e intersecção destes paradigmas do utopismo – o utópico‐cosmopolita (estável, de feição clássica), o utópico‐milenarista (dinâmico, de feição profética) e o eutópico‐pastoral (este último na sua versão mítico‐religiosa, ou na sua versão místico‐secular) – matizados, quer pela fonte clássica helénica‐latina, quer pela judaico‐cristã, ou pelas duas em conjunto, derivam discretas variedades discursivo‐literárias, representativas de uma condição existencial ideal, e que se distribuem fundamentalmente entre duas motivações ou registos temáticos maiores: um primeiro de incidência política‐sociológica (as condições de vida colectiva são aqui tidas como determinantes na orientação da conduta pessoal), e um segundo de pendor axiológico‐espiritual (as condições de vida social são supervenientes em relação ao caminho de perfectibilidade do ser individual). A quarta conclusão prende‐se com a reavaliação duma tese a de que não existe na literatura portuguesa nenhum exemplo narrativo, digno de menção, com qualidade estética ou com pertinência histórico‐cultural, que possa ser identificado com o género literário narrativo utópico puro, isto é, que se situe claramente sob o cone de luz do próprio modelo literário incoado por More, ou se não, tal como este modelo foi formalmente caracterizado pelos estudiosos da utopia literária. Quinta e última conclusão. A reificação do espírito da utopia, desde a sua modalidade mais humanamente espontânea – do "sonho acordado", na expressão de Ernst Bloch –, à sua modalidade mais literária ou racionalmente pensada, é indissociável da dimensão ontologicamente vital do tempo: do tempo passado (com a nostalgia do paraíso), do tempo futuro (com a esperança no milénio ou na certeza fideísta ou científica de um fim apoteótico da história), do tempo presente (com a proposta de um modelo de vida alternativo a um infausto contexto histórico). |
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