O bronze final e a Idade do Ferro na região de Lisboa : um ensaio

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Cardoso, João Luís
Data de Publicação: 1995
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10400.2/3721
Resumo: Apresenta-se um ensaio da evolução do povoamento verificada na região de Lisboa, do Bronze Final ao fim da Idade do Ferro A evidente estratificação da sociedade do Bronze Final, com a correspondente existência de elites, detentoras de apreciável sobre produto económico, que concentravam o poder político-militar e das quais dependia a administração permanente e estável de territórios bem determinados, foram factores que muito beneficiaram o sucesso da penetração e difusão de produtos de origem fenícia, através de estabelecimentos - como a quinta do Almaraz (Almada) e a plataforma da Sé (Lisboa) - instalados em ambos os lados do grande estuário, controlando a navegação e o comércio nele efectuados, comportando-se complementarmente, como verdadeiros "lugares centrais" à escala regional, sedes do comércio de troca e pólos difusores dos produtos exógenos ali transaccionados. A estes, nos quais pontificam as cerâmicas fenícias - cujos elementos até agora suficientemente estudados não ultrapassam, quando datáveis, os meados do século VII AC - sucedem-se, ao longo do século VI AC, materiais ainda fortemente influenciados pelos protótipos orientais, porém quase exclusivamente produções locais ou regionais. Esta situação é consubstanciada nos materiais recolhidos não apenas nos primitivos estabelecimentos junto ao estuário, mas também nos obtidos cm pequenos "casais agrícolas", descendentes directos daqueles que, no Bronze Final, se dispersavam pela região, vocacionados para uma exploração agropastoril permanente e intensiva dos férteis solos basálticos que se desenvolvem em torno de Lisboa. Tal continuidade no tipo de povoamento sugere a manutenção do modelo de organização social herdado do Bronze Final, que a introdução de novas tecnologias, novos gostos e outras concepções religiosas não terá alterado significativamente. No século V AC emergem outras produções exógenas. de origem púnica; porém, a maioria dos materiais revela, como anteriormente, fabricas locais ou regionais, melhor adaptados aos gostos e necessidades dos respectivos utilizadores; acompanham-nos raros fragmentos de cerâmicas áticas (presentes cm Almaraz e em Lisboa), aqui chegadas graças ao comércio púnico sediado em Gades. A partir do século II AC, tais produções, onde avultam as ânforas neopúnicas de origem norte-africana, coexistem com outras, de origem itálica, consubstanciando uma III Idade do Ferro, tal como as anteriores de evidente raiz mediterrânea. Estes materiais ocorrem em contextos de carácter agrícola e familiar, idênticos aos que, desde o Bronze Final, pontuavam, de forma dispersa, o "agro olisiponense". Alguns destes lugares, cuja presença humana nalguns casos remonta ao Bronze Final, ou ao início da Idade do Ferro, continuaram a ser intensamente ocupados até à Alta Idade Média, consubstanciando um dos traços mais marcantes da presença humana proto-histórica da região. A permanência de uma formação económica e social estável, bem como a continuidade dos estímulos culturais meridionais, estreitamente ligados ao comércio mediterrâneo, primeiro de origem fenícia, depois púnica e, finalmente, itálica, configuram um notável, prolongado e bem sucedido processo de aculturação, viabilizado e suportado pelos recursos naturais e condições oferecidas pela situação geográfica da região, que os habitantes souberam explorar activamente e com êxito.
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A estes, nos quais pontificam as cerâmicas fenícias - cujos elementos até agora suficientemente estudados não ultrapassam, quando datáveis, os meados do século VII AC - sucedem-se, ao longo do século VI AC, materiais ainda fortemente influenciados pelos protótipos orientais, porém quase exclusivamente produções locais ou regionais. Esta situação é consubstanciada nos materiais recolhidos não apenas nos primitivos estabelecimentos junto ao estuário, mas também nos obtidos cm pequenos "casais agrícolas", descendentes directos daqueles que, no Bronze Final, se dispersavam pela região, vocacionados para uma exploração agropastoril permanente e intensiva dos férteis solos basálticos que se desenvolvem em torno de Lisboa. Tal continuidade no tipo de povoamento sugere a manutenção do modelo de organização social herdado do Bronze Final, que a introdução de novas tecnologias, novos gostos e outras concepções religiosas não terá alterado significativamente. No século V AC emergem outras produções exógenas. de origem púnica; porém, a maioria dos materiais revela, como anteriormente, fabricas locais ou regionais, melhor adaptados aos gostos e necessidades dos respectivos utilizadores; acompanham-nos raros fragmentos de cerâmicas áticas (presentes cm Almaraz e em Lisboa), aqui chegadas graças ao comércio púnico sediado em Gades. A partir do século II AC, tais produções, onde avultam as ânforas neopúnicas de origem norte-africana, coexistem com outras, de origem itálica, consubstanciando uma III Idade do Ferro, tal como as anteriores de evidente raiz mediterrânea. Estes materiais ocorrem em contextos de carácter agrícola e familiar, idênticos aos que, desde o Bronze Final, pontuavam, de forma dispersa, o "agro olisiponense". Alguns destes lugares, cuja presença humana nalguns casos remonta ao Bronze Final, ou ao início da Idade do Ferro, continuaram a ser intensamente ocupados até à Alta Idade Média, consubstanciando um dos traços mais marcantes da presença humana proto-histórica da região. A permanência de uma formação económica e social estável, bem como a continuidade dos estímulos culturais meridionais, estreitamente ligados ao comércio mediterrâneo, primeiro de origem fenícia, depois púnica e, finalmente, itálica, configuram um notável, prolongado e bem sucedido processo de aculturação, viabilizado e suportado pelos recursos naturais e condições oferecidas pela situação geográfica da região, que os habitantes souberam explorar activamente e com êxito.An essay is attempted on the evolution from Late Bronze Age to Final Iron Age on the region of Lisbon. The obvious social hierarchisation and the existence of elites which concentrated the economic and military power and from whom a permanent and stable occupation of several territories was dependent, were the main factors that benefited the success for lhe entrance and act as factors of diffusion of Phoenician products. Phoenician establishments like Almaraz (Almada) and, possibly the platform of the Cathedral (Lisbon), installed on both sides of the estuary, controlled its navigation and commerce, behaved as "central sites", or heads of trade markets, and diffusion of exogenous products (ceramics, iron tools, glasses, etc.). The earliest of these importations - namely the Phoenician ceramics and the beads of vitreous mass - are not earlier than the second half of the VII century BC, like elsewhere (Alcácer do Sal, Abul, Santa Olaia, Rocha Branca). The Phoenician importations of the VII century BC were followed along the next century by materiais still strongly influenced by oriental prototypes, but almost exclusively produced local or regionally. The fertile basaltic soils still continued to be intensively and extensively explored by a well succceded farming economy. This evidence of continuity suggests that the social organization inherited from Late Bronze Age was not significantly altered by the introduction of new technologies or products, or even new religious conceptions. In the V century BC, accompanying the decay of the Phoenician commercial activity, other exogenous products appeared, from Punic origin. Most of the ceramics, however, still indicate a local or regional specific characteristics, better adapted to the needs and traditions of its users; rare fragments of atic ceramics (in Almaraz and Lisbon) due to the punic trade from Gades are also presente. This suggests that the primitive establishments founded by the Phoenicians still continued to be centres of trade of manufactured articles from the Mediterranean sea by local or regional productions (wine. cereals, salted meat and fish, salt, gold and, eventually, metals, like tin, from the Beiras region, carried out along the Tagus river by boat). Since the beginning of the II century BC such productions, now represented by neopunic amphorae of african origin coexist with italic productions, corresponding to a new phase of the cultural and trade relations between this region and the Medilerranean area. Such materials occurs in sites whose characteristics are similar of those occupied, in the same region, since the Late Bronze Age. The permanence of a socially and economically stable system, closely related to a Mediterranean trade, firstly carried out by the Phoenicians, afterwords from Punic and finally from Italic origin, reveals a remarkable long, continuous and well suceeded process of aculturalisation, supported by the regional resources, as well as by the excellent geographical conditions offered by the Tagus estuary, which the inhabitants fully, activelly and successfully explored along the first millenium BC.Repositório AbertoCardoso, João Luís2015-02-24T10:15:57Z19951995-01-01T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/articleapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/10400.2/3721porCardoso, João Luís - O bronze final e a Idade do Ferro na região de Lisboa : um ensaio. "Conimbriga" [Em linha]. ISSN 0084-9189 (Print) 0870-1709 (Online). 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