Considerações breves sobre a nova legislação que prepara os bibliotecários, arquivistas e documentalistas em Portugal

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: BAD, Cadernos
Data de Publicação: 2004
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: https://doi.org/10.48798/cadernosbad.1138
Resumo: Pelo Decreto-Lei- nº 49 009, publicado na I série do Diário do Gover no de 16 de Maio de 1969 a preparação dos bibliotecários, arquivistas e documentalistas passou a fazer-se através de um estágio, acabando, ao que parece, o Curso de Bibliotecário-Arquivista criado pelo Decreto-Lei nº 26026, de 7 de Novembro de 1935 e que funcionava desde este ano na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. E dizemos: ao que parece por o Decreto-Lei nº 49009 não especificar concretamente a extinção dos efeitos do Decreto-Lei nº 26026 nem apresentar as indispensáveis disposições transitórias.Ora, em síntese, vamos analisar aquele novo diploma do qual dependerá a vida ou a morte das nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação e das instituições que eles servem.Para isso façamos desde já uma divisão um tanto primária que focará os aspectos positivos e os aspectos negativos do novo diploma.Comecemos, então, pelos positivos.Pela primeira vez na história das nossas instituições pedagógicas se legisla sobre uma actividade há tanto realmente existente - a do documentalista, e que até agora andava à margem de qualquer regulamentação e era exercida por quem se arrogasse tal designação. Como segundo aspecto a considerar, há o facto do estágio passar agora a ser remunerado, conforme o Art. 6.° prevê. Defendem-se todos do chamado intrusuismo que era um mal que levava à confusão.Há também um aspecto deveras positivo neste diploma que é o do estágio ser todo ele dirigido por bibliotecários, arquivistas e documentalistas devidamente habilitados. Acabou-se, de vez, com aquele tipo híbrido do curioso, que sabia umas coisas disto e lá ia obtendo a sua verba assistencial… Agora, não. São técnicos que preparam técnicos. Ainda bem!Por outro lado, acabaram-se com matérias já deslocadas de uma preparação moderna - as nossas bibliotecas e arquivos já não possuem colecções medalhísticas ou de moedas que justifiquem o cursar-se uma cadeira de Numismática. Aparecem agora novas cadeiras, dadas em regime de seminário, tais como Administração, Mecanização, Sociologia da informação, Informática. Quer, portanto, dizer: anseia-se por uma actualização, o que é excelente, pois respira-se um novo ambiente, que muito útil poderá ser.Ao substituir-se o curso por um estágio, procurou-se também substituir uma coisa um tanto ou quanto teórica por outra mais prática, imediata e útil, o que pedagogicamente é sempre de aplaudir.Pelo Art. 8.° deu-se preferência absoluta aos técnicos que hão-de preparar os futuros técnicos, o que é medida excelente.Também o Art. 9.° deu preferência absoluta aos possuidores do título para exercer a profissão, o que levará a não se criarem situações dúbias, de que uns tantos se iam aproveitando. Agora isso deveráter acabado - e de vez, o que já não era sem tempo ...Vamos então entrar na segunda parte, a parte negativa do novo diploma - e é sempre doloroso não se poder aplaudir tudo, com ambas as mãos... Assim, quando se esperava que houvesse uma nítida especialização a partir de um período de formação básica, não se optou por tal caminho. E que vemos? Que um documentalista, um bibliotecário e um arquivista são metidos no mesmo saco, desde que ingressam no estágio até o concluírem. Ora isto é errado, pois nunca se adquire uma especialização suficiente. Ainda estamos na fase sincrética, quando a realidade já requer especialistas...Não houve ainda desta vez a coragem de se entrar numa solução frontal: a licenciatura em Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, com as respectivas diferenciações, conforme o ramo desejado da especialização" Aliás, a ideia actual de estágio parece-nos ser flutuante, imprecisa e até de difícil execução e organização, pois a autonomia desejada para uma real concretização reparte-se por muitas instituições - arquivos, bibliotecas, centros de documentação, etc. - que nem sempre darão a colaboração necessária, pois alegarão isto e aquilo, sem grandes fundamentos sobretudo, com muitos despeitos...Acontece ainda que se esperava que um estágio de tal envergadura fosse apenas destinado ao escol intelectual que devem ser, por definição, os licenciados ou título equivalente. Mas tal não se fez, pois admitem-se pura e simplesmente os «diplomados com um curso superior», e estamos já a ver caídos na profissão todos os corridos e falhados que obtiveram por malas artes ou porque insistiram, insistiram nos exames, até obterem o almejado diploma. • É claro que a Administração quis dar mais uma possibilidade à chusma de bacharéis e quejandos COI1l um objectivo: como há muitos no mercado do trabalho com tais títulos, não haverá que lhes dar grandes salários, o que já não aconteceria se eles tivessem a qualificação de licenciados. O expediente parece ser hábil, mas realmente não é, pois assim acorrem à profissão os piores, os que não conseguiram licenciar-se ... O prejuízo, anos Volvidos, cairá, inteirinho, sobre o próprio serviço. No entanto, como isso só acontecerá daqui a muito tempo, já não veremos o descalabro. E como quem não vê, não peca - tudo se passará no melhor dos mundos...O estágio deixou de ser pertença da Universidade e passou para outras mãos, aliás bem assoberbadas com problemas e mais problemas. Embora a Universidade esteja hoje a sofrer de intensos ataques e de críticas - o lugar comum é válido: a Universidade está em crise - a verdade é que ela, no circunspecto das instituições superiores, ainda vai dispondo de um certo número de recursos e de idoneidade que vai faltando aos outros. Realmente não se desejava que a preparação dos nossos técnicos de biblio-tecas, arquivos e centros de documentação deixasse de pertencer à Universidade. Queria-se, sim, que esta melhorasse e remodelasse por completo as estruturas do seu velhinho curso de Bibliotecário-Arquivista, quase com 90 anos de existência. Tirou-se o curso da Universidade - e isso foi outro retrocesso que o futuro indicará como uma falha.Para lá dos aspectos positivos e negativos que fomos atrás aflorando, uma dúvida muito forte, muito aguda, nos angustia: como se vai pôr de pé uma máquina tão complexa como é aquela que se preconiza no Decreto-Lei 49009? No seu artigo 11º fala-se num Regulamento do Estágio. Mas isso só não basta - e nós já sabemos as generalidades, as afirmaçõe5 vagas de vagos princípios, de que esses regulamentos costumam enfermar. É preciso mais. Há que dar meios de realização prática ao diploma agora publicado. Sem estes meios, nada feito e nem teria valido o doloroso trabalho do Decreto-Lei 49009. Mais teria valido uma boa tomba na velhíssima barca do Curso e aguardar nova oportunidade. Se não houver uma larga ponderação e uma dotação de meios capazes em organização, em corpo docente, em dotação orçamental, em colaboração e articulação de instituições, então digamos adeus a uma bela ideia que foi a de preparar melhores técnicos para as nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação. Digamos, sim, digamos adeus à excelente intenção! E vamos mais longe, no campo das hipóteses: imagine-se que o estágio 'não é renumerado!.. Santo Deus! Quem quererá ter quinze meses de trabalho consecutivo, com cinco ou seis horas de trabalho diário para nada vir a receber?.. E depois, após estes quinze meses de inferno e sem se ver dinheiro algum, ainda se vai ganhar... a miséria de dois mil novecentos e poucos escudos!... Quem quererá ir para tal?.. Ninguém.Portanto, como remate final, antevemos nuvens bem negras para uma nobre e indispensável profissão. Nuvens deveras carregadas, com dobre de sinos à mistura …
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E dizemos: ao que parece por o Decreto-Lei nº 49009 não especificar concretamente a extinção dos efeitos do Decreto-Lei nº 26026 nem apresentar as indispensáveis disposições transitórias.Ora, em síntese, vamos analisar aquele novo diploma do qual dependerá a vida ou a morte das nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação e das instituições que eles servem.Para isso façamos desde já uma divisão um tanto primária que focará os aspectos positivos e os aspectos negativos do novo diploma.Comecemos, então, pelos positivos.Pela primeira vez na história das nossas instituições pedagógicas se legisla sobre uma actividade há tanto realmente existente - a do documentalista, e que até agora andava à margem de qualquer regulamentação e era exercida por quem se arrogasse tal designação. Como segundo aspecto a considerar, há o facto do estágio passar agora a ser remunerado, conforme o Art. 6.° prevê. Defendem-se todos do chamado intrusuismo que era um mal que levava à confusão.Há também um aspecto deveras positivo neste diploma que é o do estágio ser todo ele dirigido por bibliotecários, arquivistas e documentalistas devidamente habilitados. Acabou-se, de vez, com aquele tipo híbrido do curioso, que sabia umas coisas disto e lá ia obtendo a sua verba assistencial… Agora, não. São técnicos que preparam técnicos. Ainda bem!Por outro lado, acabaram-se com matérias já deslocadas de uma preparação moderna - as nossas bibliotecas e arquivos já não possuem colecções medalhísticas ou de moedas que justifiquem o cursar-se uma cadeira de Numismática. Aparecem agora novas cadeiras, dadas em regime de seminário, tais como Administração, Mecanização, Sociologia da informação, Informática. Quer, portanto, dizer: anseia-se por uma actualização, o que é excelente, pois respira-se um novo ambiente, que muito útil poderá ser.Ao substituir-se o curso por um estágio, procurou-se também substituir uma coisa um tanto ou quanto teórica por outra mais prática, imediata e útil, o que pedagogicamente é sempre de aplaudir.Pelo Art. 8.° deu-se preferência absoluta aos técnicos que hão-de preparar os futuros técnicos, o que é medida excelente.Também o Art. 9.° deu preferência absoluta aos possuidores do título para exercer a profissão, o que levará a não se criarem situações dúbias, de que uns tantos se iam aproveitando. Agora isso deveráter acabado - e de vez, o que já não era sem tempo ...Vamos então entrar na segunda parte, a parte negativa do novo diploma - e é sempre doloroso não se poder aplaudir tudo, com ambas as mãos... Assim, quando se esperava que houvesse uma nítida especialização a partir de um período de formação básica, não se optou por tal caminho. E que vemos? Que um documentalista, um bibliotecário e um arquivista são metidos no mesmo saco, desde que ingressam no estágio até o concluírem. Ora isto é errado, pois nunca se adquire uma especialização suficiente. Ainda estamos na fase sincrética, quando a realidade já requer especialistas...Não houve ainda desta vez a coragem de se entrar numa solução frontal: a licenciatura em Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, com as respectivas diferenciações, conforme o ramo desejado da especialização" Aliás, a ideia actual de estágio parece-nos ser flutuante, imprecisa e até de difícil execução e organização, pois a autonomia desejada para uma real concretização reparte-se por muitas instituições - arquivos, bibliotecas, centros de documentação, etc. - que nem sempre darão a colaboração necessária, pois alegarão isto e aquilo, sem grandes fundamentos sobretudo, com muitos despeitos...Acontece ainda que se esperava que um estágio de tal envergadura fosse apenas destinado ao escol intelectual que devem ser, por definição, os licenciados ou título equivalente. Mas tal não se fez, pois admitem-se pura e simplesmente os «diplomados com um curso superior», e estamos já a ver caídos na profissão todos os corridos e falhados que obtiveram por malas artes ou porque insistiram, insistiram nos exames, até obterem o almejado diploma. • É claro que a Administração quis dar mais uma possibilidade à chusma de bacharéis e quejandos COI1l um objectivo: como há muitos no mercado do trabalho com tais títulos, não haverá que lhes dar grandes salários, o que já não aconteceria se eles tivessem a qualificação de licenciados. O expediente parece ser hábil, mas realmente não é, pois assim acorrem à profissão os piores, os que não conseguiram licenciar-se ... O prejuízo, anos Volvidos, cairá, inteirinho, sobre o próprio serviço. No entanto, como isso só acontecerá daqui a muito tempo, já não veremos o descalabro. E como quem não vê, não peca - tudo se passará no melhor dos mundos...O estágio deixou de ser pertença da Universidade e passou para outras mãos, aliás bem assoberbadas com problemas e mais problemas. Embora a Universidade esteja hoje a sofrer de intensos ataques e de críticas - o lugar comum é válido: a Universidade está em crise - a verdade é que ela, no circunspecto das instituições superiores, ainda vai dispondo de um certo número de recursos e de idoneidade que vai faltando aos outros. Realmente não se desejava que a preparação dos nossos técnicos de biblio-tecas, arquivos e centros de documentação deixasse de pertencer à Universidade. Queria-se, sim, que esta melhorasse e remodelasse por completo as estruturas do seu velhinho curso de Bibliotecário-Arquivista, quase com 90 anos de existência. Tirou-se o curso da Universidade - e isso foi outro retrocesso que o futuro indicará como uma falha.Para lá dos aspectos positivos e negativos que fomos atrás aflorando, uma dúvida muito forte, muito aguda, nos angustia: como se vai pôr de pé uma máquina tão complexa como é aquela que se preconiza no Decreto-Lei 49009? No seu artigo 11º fala-se num Regulamento do Estágio. Mas isso só não basta - e nós já sabemos as generalidades, as afirmaçõe5 vagas de vagos princípios, de que esses regulamentos costumam enfermar. É preciso mais. Há que dar meios de realização prática ao diploma agora publicado. Sem estes meios, nada feito e nem teria valido o doloroso trabalho do Decreto-Lei 49009. Mais teria valido uma boa tomba na velhíssima barca do Curso e aguardar nova oportunidade. Se não houver uma larga ponderação e uma dotação de meios capazes em organização, em corpo docente, em dotação orçamental, em colaboração e articulação de instituições, então digamos adeus a uma bela ideia que foi a de preparar melhores técnicos para as nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação. Digamos, sim, digamos adeus à excelente intenção! E vamos mais longe, no campo das hipóteses: imagine-se que o estágio 'não é renumerado!.. Santo Deus! Quem quererá ter quinze meses de trabalho consecutivo, com cinco ou seis horas de trabalho diário para nada vir a receber?.. E depois, após estes quinze meses de inferno e sem se ver dinheiro algum, ainda se vai ganhar... a miséria de dois mil novecentos e poucos escudos!... Quem quererá ir para tal?.. Ninguém.Portanto, como remate final, antevemos nuvens bem negras para uma nobre e indispensável profissão. 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E dizemos: ao que parece por o Decreto-Lei nº 49009 não especificar concretamente a extinção dos efeitos do Decreto-Lei nº 26026 nem apresentar as indispensáveis disposições transitórias.Ora, em síntese, vamos analisar aquele novo diploma do qual dependerá a vida ou a morte das nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação e das instituições que eles servem.Para isso façamos desde já uma divisão um tanto primária que focará os aspectos positivos e os aspectos negativos do novo diploma.Comecemos, então, pelos positivos.Pela primeira vez na história das nossas instituições pedagógicas se legisla sobre uma actividade há tanto realmente existente - a do documentalista, e que até agora andava à margem de qualquer regulamentação e era exercida por quem se arrogasse tal designação. Como segundo aspecto a considerar, há o facto do estágio passar agora a ser remunerado, conforme o Art. 6.° prevê. Defendem-se todos do chamado intrusuismo que era um mal que levava à confusão.Há também um aspecto deveras positivo neste diploma que é o do estágio ser todo ele dirigido por bibliotecários, arquivistas e documentalistas devidamente habilitados. Acabou-se, de vez, com aquele tipo híbrido do curioso, que sabia umas coisas disto e lá ia obtendo a sua verba assistencial… Agora, não. São técnicos que preparam técnicos. Ainda bem!Por outro lado, acabaram-se com matérias já deslocadas de uma preparação moderna - as nossas bibliotecas e arquivos já não possuem colecções medalhísticas ou de moedas que justifiquem o cursar-se uma cadeira de Numismática. Aparecem agora novas cadeiras, dadas em regime de seminário, tais como Administração, Mecanização, Sociologia da informação, Informática. Quer, portanto, dizer: anseia-se por uma actualização, o que é excelente, pois respira-se um novo ambiente, que muito útil poderá ser.Ao substituir-se o curso por um estágio, procurou-se também substituir uma coisa um tanto ou quanto teórica por outra mais prática, imediata e útil, o que pedagogicamente é sempre de aplaudir.Pelo Art. 8.° deu-se preferência absoluta aos técnicos que hão-de preparar os futuros técnicos, o que é medida excelente.Também o Art. 9.° deu preferência absoluta aos possuidores do título para exercer a profissão, o que levará a não se criarem situações dúbias, de que uns tantos se iam aproveitando. Agora isso deveráter acabado - e de vez, o que já não era sem tempo ...Vamos então entrar na segunda parte, a parte negativa do novo diploma - e é sempre doloroso não se poder aplaudir tudo, com ambas as mãos... Assim, quando se esperava que houvesse uma nítida especialização a partir de um período de formação básica, não se optou por tal caminho. E que vemos? Que um documentalista, um bibliotecário e um arquivista são metidos no mesmo saco, desde que ingressam no estágio até o concluírem. Ora isto é errado, pois nunca se adquire uma especialização suficiente. Ainda estamos na fase sincrética, quando a realidade já requer especialistas...Não houve ainda desta vez a coragem de se entrar numa solução frontal: a licenciatura em Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, com as respectivas diferenciações, conforme o ramo desejado da especialização" Aliás, a ideia actual de estágio parece-nos ser flutuante, imprecisa e até de difícil execução e organização, pois a autonomia desejada para uma real concretização reparte-se por muitas instituições - arquivos, bibliotecas, centros de documentação, etc. - que nem sempre darão a colaboração necessária, pois alegarão isto e aquilo, sem grandes fundamentos sobretudo, com muitos despeitos...Acontece ainda que se esperava que um estágio de tal envergadura fosse apenas destinado ao escol intelectual que devem ser, por definição, os licenciados ou título equivalente. Mas tal não se fez, pois admitem-se pura e simplesmente os «diplomados com um curso superior», e estamos já a ver caídos na profissão todos os corridos e falhados que obtiveram por malas artes ou porque insistiram, insistiram nos exames, até obterem o almejado diploma. • É claro que a Administração quis dar mais uma possibilidade à chusma de bacharéis e quejandos COI1l um objectivo: como há muitos no mercado do trabalho com tais títulos, não haverá que lhes dar grandes salários, o que já não aconteceria se eles tivessem a qualificação de licenciados. O expediente parece ser hábil, mas realmente não é, pois assim acorrem à profissão os piores, os que não conseguiram licenciar-se ... O prejuízo, anos Volvidos, cairá, inteirinho, sobre o próprio serviço. No entanto, como isso só acontecerá daqui a muito tempo, já não veremos o descalabro. E como quem não vê, não peca - tudo se passará no melhor dos mundos...O estágio deixou de ser pertença da Universidade e passou para outras mãos, aliás bem assoberbadas com problemas e mais problemas. Embora a Universidade esteja hoje a sofrer de intensos ataques e de críticas - o lugar comum é válido: a Universidade está em crise - a verdade é que ela, no circunspecto das instituições superiores, ainda vai dispondo de um certo número de recursos e de idoneidade que vai faltando aos outros. Realmente não se desejava que a preparação dos nossos técnicos de biblio-tecas, arquivos e centros de documentação deixasse de pertencer à Universidade. Queria-se, sim, que esta melhorasse e remodelasse por completo as estruturas do seu velhinho curso de Bibliotecário-Arquivista, quase com 90 anos de existência. Tirou-se o curso da Universidade - e isso foi outro retrocesso que o futuro indicará como uma falha.Para lá dos aspectos positivos e negativos que fomos atrás aflorando, uma dúvida muito forte, muito aguda, nos angustia: como se vai pôr de pé uma máquina tão complexa como é aquela que se preconiza no Decreto-Lei 49009? No seu artigo 11º fala-se num Regulamento do Estágio. Mas isso só não basta - e nós já sabemos as generalidades, as afirmaçõe5 vagas de vagos princípios, de que esses regulamentos costumam enfermar. É preciso mais. Há que dar meios de realização prática ao diploma agora publicado. Sem estes meios, nada feito e nem teria valido o doloroso trabalho do Decreto-Lei 49009. Mais teria valido uma boa tomba na velhíssima barca do Curso e aguardar nova oportunidade. Se não houver uma larga ponderação e uma dotação de meios capazes em organização, em corpo docente, em dotação orçamental, em colaboração e articulação de instituições, então digamos adeus a uma bela ideia que foi a de preparar melhores técnicos para as nossas bibliotecas, arquivos e centros de documentação. Digamos, sim, digamos adeus à excelente intenção! E vamos mais longe, no campo das hipóteses: imagine-se que o estágio 'não é renumerado!.. Santo Deus! Quem quererá ter quinze meses de trabalho consecutivo, com cinco ou seis horas de trabalho diário para nada vir a receber?.. E depois, após estes quinze meses de inferno e sem se ver dinheiro algum, ainda se vai ganhar... a miséria de dois mil novecentos e poucos escudos!... Quem quererá ir para tal?.. Ninguém.Portanto, como remate final, antevemos nuvens bem negras para uma nobre e indispensável profissão. Nuvens deveras carregadas, com dobre de sinos à mistura …
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