A questão da viabilidade de Portugal na obra de Fialho de Almeida: Figuras estereotípicas como ícones da decadência

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Franco, José Eduardo
Data de Publicação: 2013
Outros Autores: Santos, Fernanda
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10451/29075
Resumo: O século XIX é considerado pelos próprios intelectuais oitocentistas como o século da ascensão plena da utopia da razão e da ciência. Acreditavam com Fé genuína que a Razão e a Ciência iriam conseguir concretizar finalmente as utopias da história humana anunciadas e sonhadas por religiões, sistemas filosóficos e até doutrinas políticas desde que a humanidade começou a expressar culturalmente a sua consciência de futuro e a capacidade de imaginá-lo. Se o século XIX é o tempo das utopias mais luminosas é também o tempo da construção dos seus negativos, os mitos mais negros, da figuração mais negra do inimigo, a percepção depressiva do presente e a projeção mais apocalíptica em relação ao futuro. A cultura que espraia o pensamento sobressaltado de oitocentos e do seu desaguar em Portugal nas duas décadas de República no século XX é uma cultura marcada pelo paradoxo. A exaltação da Razão e da Ciência associada à defesa de um pensamento e de uma sociedade esclarecida contrasta com o recurso a formas mitificantes de encarar a realidade e de abordar o «inimigo» do projeto de sociedade e de homem que se quer erguer. O Racionalismo invocado choca com o recurso a estratégias de propaganda e de diagnóstico carentes de racionalidade crítica. este é, em nosso entender, um grande drama e dilema do intelectualismo racionalista de oitocentos, herdeiro orgulhoso do antecessor Século das Luzes, criador da utopia do progresso humano pelas mãos absolutas, tão só do próprio homem. A afirmação de uma «razão pura» parece enredar-se no paradoxo da adesão da mesma razão a produções intelectuais que contradizem esse ideário fundamentalista de colocar tudo sob o juízo racional. Em suma, o combate ao negativo que se quer definir para afirmar um novo projeto de Homem e de sociedade, mesmo que este seja da ordem do racional, esse combate só será de todo eficaz pelo recurso a instrumentos que estão para além do racional. O recurso ao mito e à utopia, ligados ao plano do emocional e do imaginário do ser humano acaba por ser incontornável, pela sua maior eficácia, mesmo por parte dos apologistas de uma ordem social edificada com referentes racionalizantes que repudiam, à partida, os recursos geometricamente mensuráveis e validáveis. O que sobressai da convulsão dos grandes debates culturais de oitocentos é, pois, a ideia marcante de decadência, elevada a foros de mito explicativo. declara-se Portugal como estando decadente. Mais, chega-se mesmo a decretar que Portugal atingiu um estado de decadência extrema, na sequência do Ultimatum inglês, já em ambiente de fin de siècle, em 1890. Para a maioria dos intelectuais laicos e anticlericais, os grandes ícones-causas da decadência são naturalmente os seus reversos ideológicos: a monarquia absoluta, a sua ideologia de poder e a igreja, as suas instituições e doutrina. naturalmente, no universo laico, há os antirreligiosos radicais, nomeadamente os positivistas e os materialistas, que consideram a permanência do sentimento e prática religiosas como o grande obstáculo ao progresso pleno do homem. Como se poderá constatar em toda a literatura histórica, propagandística, romanesca do tempo de Fialho, a preocupação do diagnóstico é obsessiva. Realmente, a mentalidade científica racionalista implantou a necessidade permanente de diagnóstico através da uma metodologia etiológica. esta identifica unanimemente o mal – a decadência - mas diversifica os inimigos, isto é, as causas motivadoras, como vimos. Parte sempre de uma percepção muito desvalorizadora do presente em função de um horizonte de futuro de desejo que se tem por meta e fasquia alta de realização por referência a um passado onde procurar a prova que é possível novamente brilhar. Fialho de Almeida aparece, neste contexto mental e cultural, como um diagnosticador muito peculiar da decadência, procurando as causas dos sintomas da decadência através dos indícios extraídos das expressões das patologias sociais e civilizacionais, que analisa cirurgicamente como o médico que é, de profissão.
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