Os fenótipos da doença pulmonar obstrutiva crónica e a sua relevância clínica

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Celli,BR
Data de Publicação: 2007
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://scielo.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-21592007000100011
Resumo: O fenótipo da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) pode ser definido como a manifestação física exteriorizada pelos doentes com DPOC, ou seja, tudo o que faça parte da estrutura, função ou comportamento, que possa ser observado. A caracterização do doente com DPOC tem vindo a ser modificada, deixando de se limitar ao grau da obstrução brônquica para passar a incluir as manifestações de diferentes fenótipos da doença. Estes incluem, entre outros, a hipoxemia persistente, a hiperinsuflação com enfisema de distribuição heterogénea, os doentes com múltiplas exacerbações e os doentes com disfunção dos músculos periféricos. Cada um destes fenótipos obriga a diferentes abordagens terapêuticas e implica diferentes prognósticos. A limitação dos débitos aéreos: o elemento definidor O grau de obstrução definido pelo volume expiratório máximo no primeiro segundo (FEV1) apresentado por Fletcher e Peto tem permitido o estadiamento da gravidade da DPOC, orientando as intervenções terapêuticas de acordo com cada estádio. O estadiamento espirométrico da DPOC pode prever o estado de saúde, o uso dos recursos de saúde, a ocorrência de exacerbações e a mortalidade. Contudo, embora se trate de uma ferramenta diagnóstica e prognóstica útil, o FEV1 é um parâmetro que tem sido usado de forma limitativa, já que os doentes com DPOC que apresentam reversibilidade com o broncodilatador são habitualmente excluídos dos estudos clínicos. A presença de hiperreactividade brônquica confere aos doentes com DPOC uma expressão fenotípica associada a uma função pulmonar mais grave. O FEV1 e a sua variação não representam todo o espectro das manifestações clínicas complexas da DPOC. A presença de enfisema e hiperinsuflação, a importância crescente da malnutrição, a disfunção dos músculos periféricos e a dispneia reflectem diferentes factores predictivos da evolução da doença. Também as co-morbilidades e o sexo são características fenotípicas da doença que não se correlacionam com o FEV1. Enfisema e hiperinsuflação O enfisema, definido como o alargamento permanente das vias aéreas distais ao bronquíolo terminal, associado à destruição das paredes alveolares e sem fibrose significativa, pode traduzir-se num fenótipo clínico evidenciado no estudo funcional respiratório pela hiperinsuflação pulmonar. A hiperinsuflação pulmonar estática (elevação do volume pulmonar no final da expiração, com redução da capacidade inspiratória) e a hiperinsuflação pulmonar dinâmica com o exercício (redução progressiva da capacidade inspiratória) têm sido associadas à limitação da capacidade funcional dos doentes com DPOC. Segundo Casanova e colaboradores, a relação entre a capacidade inspiratória e a capacidade pulmonar total (IC/TLC) prediz a mortalidade global e a mortalidade devida a causas respiratórias melhor do que o FEV1. A redução da difusão (transferência alvéolo-capilar do monóxido de carbono) e, em particular, a tomografia axial computorizada têm permitido avaliar a extensão, a gravidade e a distribuição da destruição pulmonar. A presença de hiperinsuflação e o grau e distribuição do enfisema definem um fenótipo de doente que pode beneficiar de medidas de redução de volume pulmonar, independentemente do grau de obstrução. Envolvimento sistémico e inflamação O desenvolvimento de manifestações extra-pulmonares não apresenta uma correlação directa com o grau de obstrução. Uma destas manifestações, a hipoxemia grave, confere um mau prognóstico e a sua correcção, quando os valores de PaO2 são inferiores a 55 mmHg, tem sido associada a uma maior sobrevida. Este facto vem demonstrar que o prognóstico da doença pode ser alterado mesmo quando não se consegue modificar a taxa de declínio do FEV1. A malnutrição, avaliada pelo índice de massa corporal (IMC) quando este índice é inferior a 21 kg/ /m², é um factor preditivo de mortalidade independente da obstrução brônquica. Apontam-se como causas da desnutrição a inflamação (níveis elevados de factor de necrose tumoral ou TNF-α), o stress oxidativo e o aumento do trabalho ventilatório. A correcção da desnutrição pode ter um impacto prognóstico positivo. A intolerância ao exercício físico evidenciada na prova de esforço cardiopulmonar ou nos testes de terreno (prova de marcha e prova de shuttle) pode ser consequência, entre outras, da alteração da mecânica ventilatória e/ou da disfunção dos músculos periféricos. Esta pode resultar ainda das alterações inflamatórias presentes nesta doença. A redução da capacidade para o exercício é um factor preditivo da sobrevida e a sua correcção com o treino de exercício tem um impacto muito positivo no prognóstico e na qualidade de vida destes doentes. Em 10 a 20% dos doentes com DPOC é detectada anemia que parece ter origem na inflamação crónica, à semelhança de outras doenças crónicas de causa inflamatória. A inflamação parece assim ser crítica no aparecimento de múltiplas manifestações sistémicas. Pode ser evidenciada pela presença a nível do plasma ou dos órgãos- alvo (pulmão, músculo, etc.) de células inflamatórias ou dos seus mediadores. São encontrados na DPOC níveis séricos elevados de proteína C reactiva, interleucina (IL-6), leucotrieno B4, TNF-a e outros marcadores biológicos. O estudo dos mecanismos subjacentes à inflamação e a utilização terapêutica de moléculas que, de forma selectiva, antagonizem estes processos poderão constituir abordagens eficazes na reversão da doença. Sexo Têm sido detectadas diferenças nas manifestações clínicas da DPOC entre doentes do sexo masculino e feminino. Para o mesmo grau de obstrução, as mulheres referem mais dispneia, apresentam parâmetros de menor qualidade de vida avaliada pelos questionários, apresentam vias aéreas mais reactivas e maior número de exacerbações e respondem de forma menos significativa ao treino de exercício a longo prazo dos que os homens. Estes factos indicam que deve ser dada mais atenção à forma como a exposição a partículas inaladas (fumo do tabaco ou outros poluentes) afecta as mulheres. Frequência das exacerbações Para além do impacto na qualidade de vida e na sobrevida dos doentes, as exacerbações representam um elevado peso económico em consumo de recursos de saúde. Após uma exacerbação, os doentes referem uma redução significativa do seu estado de saúde e quando são internados em insuficiência respiratória, a mortalidade no primeiro ano pode elevar-se a 50%. Os doentes que apresentam elevado número de exacerbações têm pior qualidade de vida e um prognóstico mais reservado. Deve, por isso, ser feito um esforço para identificar o fenótipo de "exacerbadores frequentes" e tratar os factores que estão na origem das múltiplas exacerbações. Avaliação multidimensional Já que o FEV1 não caracteriza de forma completa todas as manifestações respiratórias e sistémicas da DPOC, torna-se importante categorizar esta doença através de uma avaliação multidimensional. Utilizando parâmetros que de forma independente demonstrem importância prognóstica, a sua avaliação integrada irá fornecer um score de gravidade com maior relevância clínica e prognóstica. O índice de BODE é uma avaliação multidimensional proposta por Celli e colaboradores e inclui a avaliação nutricional (índice de massa corporal), o grau de obstrução brônquica (FEV1), a dispneia (escala do Medical Research Council) e a capacidade para o exercício de endurance (Prova de marcha dos 6 minutos). A incorporação de vários elementos fenotípicos num sistema de score integrado tem vantagens práticas: permite agrupar os doentes de acordo com o seu prognóstico e, neste caso em particular, cada um dos seus quatro componentes pode ser potencialmente melhorado com a terapêutica dirigida. Implicações clínicas A avaliação multidimensional dos doentes com DPOC não tem apenas interesse científico. Ela permite integrar diferentes fenótipos com importância clínica e prognóstica e, o que é mais relevante, determinar diferentes respostas às abordagens terapêuticas. A oxigenoterapia para os doentes hipoxémicos, a ventilação mecânica não invasiva nos doentes com insuficiência respiratória hipercápnica e acidose e a redução de volume pulmonar em doentes com doença dos lobos superiores e redução da capacidade para o exercício, são medidas terapêuticas que demonstraram redução da mortalidade. Também a reabilitação pulmonar tem melhorado o prognóstico em doentes sintomáticos com redução da capacidade para o exercício e a intervenção nutricional tem demonstrado ter impacto na mortalidade. O futuro afasta-nos cada vez mais da definição da DPOC apenas assente no grau de obstrução das vias aéreas e abre perspectivas a uma compreensão das diferentes expressões clínicas mais abrangente e que pode contar com as vertentes da genómica, da proteómica e da metabonómica ou, mesmo, de outros factores relevantes para a evolução da doença e muitas vezes esquecidos, como os aspectos psicológicos.
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A presença de enfisema e hiperinsuflação, a importância crescente da malnutrição, a disfunção dos músculos periféricos e a dispneia reflectem diferentes factores predictivos da evolução da doença. Também as co-morbilidades e o sexo são características fenotípicas da doença que não se correlacionam com o FEV1. Enfisema e hiperinsuflação O enfisema, definido como o alargamento permanente das vias aéreas distais ao bronquíolo terminal, associado à destruição das paredes alveolares e sem fibrose significativa, pode traduzir-se num fenótipo clínico evidenciado no estudo funcional respiratório pela hiperinsuflação pulmonar. A hiperinsuflação pulmonar estática (elevação do volume pulmonar no final da expiração, com redução da capacidade inspiratória) e a hiperinsuflação pulmonar dinâmica com o exercício (redução progressiva da capacidade inspiratória) têm sido associadas à limitação da capacidade funcional dos doentes com DPOC. Segundo Casanova e colaboradores, a relação entre a capacidade inspiratória e a capacidade pulmonar total (IC/TLC) prediz a mortalidade global e a mortalidade devida a causas respiratórias melhor do que o FEV1. A redução da difusão (transferência alvéolo-capilar do monóxido de carbono) e, em particular, a tomografia axial computorizada têm permitido avaliar a extensão, a gravidade e a distribuição da destruição pulmonar. A presença de hiperinsuflação e o grau e distribuição do enfisema definem um fenótipo de doente que pode beneficiar de medidas de redução de volume pulmonar, independentemente do grau de obstrução. Envolvimento sistémico e inflamação O desenvolvimento de manifestações extra-pulmonares não apresenta uma correlação directa com o grau de obstrução. Uma destas manifestações, a hipoxemia grave, confere um mau prognóstico e a sua correcção, quando os valores de PaO2 são inferiores a 55 mmHg, tem sido associada a uma maior sobrevida. Este facto vem demonstrar que o prognóstico da doença pode ser alterado mesmo quando não se consegue modificar a taxa de declínio do FEV1. A malnutrição, avaliada pelo índice de massa corporal (IMC) quando este índice é inferior a 21 kg/ /m², é um factor preditivo de mortalidade independente da obstrução brônquica. Apontam-se como causas da desnutrição a inflamação (níveis elevados de factor de necrose tumoral ou TNF-α), o stress oxidativo e o aumento do trabalho ventilatório. A correcção da desnutrição pode ter um impacto prognóstico positivo. A intolerância ao exercício físico evidenciada na prova de esforço cardiopulmonar ou nos testes de terreno (prova de marcha e prova de shuttle) pode ser consequência, entre outras, da alteração da mecânica ventilatória e/ou da disfunção dos músculos periféricos. Esta pode resultar ainda das alterações inflamatórias presentes nesta doença. A redução da capacidade para o exercício é um factor preditivo da sobrevida e a sua correcção com o treino de exercício tem um impacto muito positivo no prognóstico e na qualidade de vida destes doentes. Em 10 a 20% dos doentes com DPOC é detectada anemia que parece ter origem na inflamação crónica, à semelhança de outras doenças crónicas de causa inflamatória. A inflamação parece assim ser crítica no aparecimento de múltiplas manifestações sistémicas. Pode ser evidenciada pela presença a nível do plasma ou dos órgãos- alvo (pulmão, músculo, etc.) de células inflamatórias ou dos seus mediadores. São encontrados na DPOC níveis séricos elevados de proteína C reactiva, interleucina (IL-6), leucotrieno B4, TNF-a e outros marcadores biológicos. O estudo dos mecanismos subjacentes à inflamação e a utilização terapêutica de moléculas que, de forma selectiva, antagonizem estes processos poderão constituir abordagens eficazes na reversão da doença. Sexo Têm sido detectadas diferenças nas manifestações clínicas da DPOC entre doentes do sexo masculino e feminino. Para o mesmo grau de obstrução, as mulheres referem mais dispneia, apresentam parâmetros de menor qualidade de vida avaliada pelos questionários, apresentam vias aéreas mais reactivas e maior número de exacerbações e respondem de forma menos significativa ao treino de exercício a longo prazo dos que os homens. Estes factos indicam que deve ser dada mais atenção à forma como a exposição a partículas inaladas (fumo do tabaco ou outros poluentes) afecta as mulheres. Frequência das exacerbações Para além do impacto na qualidade de vida e na sobrevida dos doentes, as exacerbações representam um elevado peso económico em consumo de recursos de saúde. Após uma exacerbação, os doentes referem uma redução significativa do seu estado de saúde e quando são internados em insuficiência respiratória, a mortalidade no primeiro ano pode elevar-se a 50%. 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O índice de BODE é uma avaliação multidimensional proposta por Celli e colaboradores e inclui a avaliação nutricional (índice de massa corporal), o grau de obstrução brônquica (FEV1), a dispneia (escala do Medical Research Council) e a capacidade para o exercício de endurance (Prova de marcha dos 6 minutos). A incorporação de vários elementos fenotípicos num sistema de score integrado tem vantagens práticas: permite agrupar os doentes de acordo com o seu prognóstico e, neste caso em particular, cada um dos seus quatro componentes pode ser potencialmente melhorado com a terapêutica dirigida. Implicações clínicas A avaliação multidimensional dos doentes com DPOC não tem apenas interesse científico. Ela permite integrar diferentes fenótipos com importância clínica e prognóstica e, o que é mais relevante, determinar diferentes respostas às abordagens terapêuticas. 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A presença de enfisema e hiperinsuflação, a importância crescente da malnutrição, a disfunção dos músculos periféricos e a dispneia reflectem diferentes factores predictivos da evolução da doença. Também as co-morbilidades e o sexo são características fenotípicas da doença que não se correlacionam com o FEV1. Enfisema e hiperinsuflação O enfisema, definido como o alargamento permanente das vias aéreas distais ao bronquíolo terminal, associado à destruição das paredes alveolares e sem fibrose significativa, pode traduzir-se num fenótipo clínico evidenciado no estudo funcional respiratório pela hiperinsuflação pulmonar. A hiperinsuflação pulmonar estática (elevação do volume pulmonar no final da expiração, com redução da capacidade inspiratória) e a hiperinsuflação pulmonar dinâmica com o exercício (redução progressiva da capacidade inspiratória) têm sido associadas à limitação da capacidade funcional dos doentes com DPOC. 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A redução da capacidade para o exercício é um factor preditivo da sobrevida e a sua correcção com o treino de exercício tem um impacto muito positivo no prognóstico e na qualidade de vida destes doentes. Em 10 a 20% dos doentes com DPOC é detectada anemia que parece ter origem na inflamação crónica, à semelhança de outras doenças crónicas de causa inflamatória. A inflamação parece assim ser crítica no aparecimento de múltiplas manifestações sistémicas. Pode ser evidenciada pela presença a nível do plasma ou dos órgãos- alvo (pulmão, músculo, etc.) de células inflamatórias ou dos seus mediadores. São encontrados na DPOC níveis séricos elevados de proteína C reactiva, interleucina (IL-6), leucotrieno B4, TNF-a e outros marcadores biológicos. O estudo dos mecanismos subjacentes à inflamação e a utilização terapêutica de moléculas que, de forma selectiva, antagonizem estes processos poderão constituir abordagens eficazes na reversão da doença. Sexo Têm sido detectadas diferenças nas manifestações clínicas da DPOC entre doentes do sexo masculino e feminino. Para o mesmo grau de obstrução, as mulheres referem mais dispneia, apresentam parâmetros de menor qualidade de vida avaliada pelos questionários, apresentam vias aéreas mais reactivas e maior número de exacerbações e respondem de forma menos significativa ao treino de exercício a longo prazo dos que os homens. Estes factos indicam que deve ser dada mais atenção à forma como a exposição a partículas inaladas (fumo do tabaco ou outros poluentes) afecta as mulheres. Frequência das exacerbações Para além do impacto na qualidade de vida e na sobrevida dos doentes, as exacerbações representam um elevado peso económico em consumo de recursos de saúde. Após uma exacerbação, os doentes referem uma redução significativa do seu estado de saúde e quando são internados em insuficiência respiratória, a mortalidade no primeiro ano pode elevar-se a 50%. 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