Segurança: um longo caminho a percorrer
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2014 |
Outros Autores: | |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | https://doi.org/10.25751/rspa.6231 |
Resumo: | A Anestesiologia é frequentemente apontada como uma das especialidades médicas mais seguras. De facto, a cultura de segurança está muito enraizada na nossa prática e muito temos evoluído e contribuído para a segurança dos doentes. No entanto, muito há ainda a fazer neste domínio. É certo, e motivo de orgulho, que em 20 anos a taxa de mortalidade de causa anestésica diminuiu 10 vezes, sendo essa taxa aproximadamente de 1 para 100 000 casos.1 Mas atualmente, este índice não é um bom indicador de segurança. A morbilidade não melhorou assim tanto, e as complicações de causa anestésica continuam a ser frequentes. Apresentam-se incidências de 18 a 22% de complicações minor relacionados com a anestesia, 0,45% a 1,4% de complicações severas e, 0,2 a 0,6% de complicações com dano permanente.2 O trabalho inédito baseado nos dados do sistema de notificação de incidentes da sociedade de anestesiologia e cuidados intensivos alemã, revelou uma incidência de morte ou complicação séria com envolvimento direto da anestesia, de 7,3 por milhão, em cirurgia eletiva de doentes ASA I e II.3 É na morbilidade de causa anestésica que temos de nos focar e baixar estas taxas deverá ser agora a próxima meta. Encaremos a realidade: ocorrem ainda muitos erros e danos evitáveis. O ensino tradicional não tem transmitido de forma eficaz aos futuros médicos e internos da especialidade, as questões de segurança. “Errar é humano”, é um facto, mas na hora de nos julgarem por erros cometidos, este argumento não será válido. O ser humano tem limitações e dificilmente poderemos alterar essa condição, mas podemos alterar as condições onde o homem (médico) trabalha. Podemos equipar (médico e ambiente) com ferramentas e estratégias que evitem o erro e tornem a sua atividade mais segura.4 Os ambientes em que o Anestesiologista se move são, frequentemente, complexos dinâmicos e exigentes, tornando-se um terreno fértil para a ocorrência de erros. Temos noção, que muitas vezes circulamos em terrenos armadilhados, onde não cometermos erros é meramente uma questão de sorte. Nos últimos anos, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para promover a segurança e diminuir a ocorrência do erro. Os sistemas de notificação de incidentes são uma destas ferramentas. A nível dos serviços, das instituições ou a nível nacional são, em qualquer destas modalidades, um meio poderosíssimo para conhecer fatores de risco latentes. A Direção Geral de Saúde criou recentemente a plataforma SNNIEA – Sistema nacional de notificação de incidentes e eventos adversos.5 Esta plataforma é transversal a todos os cuidados de saúde referindo que a notificação é voluntária e anónima, como o deverá ser sempre, na nossa opinião, para garantir a adesão dos profissionais de saúde. Sendo, sem dúvida, um passo muito importante no caminho da segurança do doente, os ganhos para a Anestesiologia estão, obviamente, longínquos. Sistemas de notificação restritos à nossa especialidade seriam muitíssimo benéficos. É fundamental perceber o contexto em que ocorreu um erro, para delinear estratégias para que esse mesmo erro não volte a acontecer, tornando a nossa atuação mais segura. As lições provenientes dos sistemas de notificação dão-nos inúmeras oportunidades de aprendizagem orientando a elaboração de planos de segurança, que, surpreendentemente na maioria das vezes, são medidas simples. A Simulação é outra metodologia que em várias áreas de alto risco (como a aviação) tem sido utilizada, para promover a segurança, com sucesso. Várias investigações, em várias especialidades médicas, têm identificado sistematicamente falhas na comunicação e no trabalho de equipa, como responsáveis por resultados desfavoráveis.5 A performance do médico depende de 3 fatores: conhecimento, competências técnicas e atitude. Esta última vertente também designada por aptidões não técnicas ou comportamentais, engloba, entre muitas outras, a capacidade de liderança, de comunicação eficaz e de trabalhar em equipa.1,2 Classicamente, a formação médica apresenta lacunas no treino de competências não técnicas, que têm sido apontadas como responsáveis por morbilidade e mortalidade acrescidas.4,6 A simulação médica permite a aquisição e o desenvolvimento destas competências num ambiente seguro. Permite também o treino simultâneo de competências técnicas e não técnicas, em situações complexas e raras. Com esta metodologia os erros desaparecem ao clicar de um botão, mas entretanto, as experiências vividas tornam os profissionais mais alerta para a importância dos erros comportamentais na prática clínica. Nos últimos anos tem surgido alguma evidência científica sobre a Simulação na área Obstétrica, demonstrando uma evolução muito positiva das equipas multidisciplinares com melhoria do outcome perinatal, após treino de simulação.7,8 Fatores organizacionais foram também identificados como responsáveis de morbilidade e mortalidade associadas à anestesia. Isto sugere que os esforços no sentido de promoção da segurança do doente não devem ser exclusivamente direcionados para a melhoria de competências individuais, mas também para a otimização do trabalho das equipas interdisciplinares, e melhoria da organização dos sistemas de saúde.9 A elaboração e aplicação de checklists é um método que visa a diminuição do erro em cuidados de saúde. Existem atualmente diversas checklists quer para processos lineares como a preparação do carro de emergência, quer para processos complexos com envolvimento de vários profissionais, em vários locais do hospital, como é o caso do projeto “Cirurgia segura, Salva vidas”. Briefings antes de procedimentos de rotina e debriefings, sobretudo se houve complicações, são essenciais para que os erros cometidos não se repitam, constituindo um meio de aprendizagem contínua e elevando o nível organizacional.9 A standartização do equipamento e do ambiente de trabalho; a implementação de protocolos e algoritmos de atuação e a divulgação e adoção de guidelines de sociedades científicas internacionais, são ferramentas que comprovadamente têm diminuido a incidência de erros. A Declaração de Helsínquia, cujo objetivo foi tornar a Anestesiologia uma especialidade mais segura tem já 4 anos.10 Quantas das suas orientações estão implementadas nos nossos serviços? Quantas recomendações estão efetivamente presentes na nossa prática diária? O que mudou desde então? A promoção de uma cultura de segurança é da responsabilidade de cada um e de todos os anestesiologistas e é também da responsabilidade de todos nós, incutir ativa e continuamente estes princípios aos que iniciam o percurso na anestesiologia. A Segurança deve estar subjacente em cada gesto, deve ser uma atitude permanente, um estado de espírito. |
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Apresentam-se incidências de 18 a 22% de complicações minor relacionados com a anestesia, 0,45% a 1,4% de complicações severas e, 0,2 a 0,6% de complicações com dano permanente.2 O trabalho inédito baseado nos dados do sistema de notificação de incidentes da sociedade de anestesiologia e cuidados intensivos alemã, revelou uma incidência de morte ou complicação séria com envolvimento direto da anestesia, de 7,3 por milhão, em cirurgia eletiva de doentes ASA I e II.3 É na morbilidade de causa anestésica que temos de nos focar e baixar estas taxas deverá ser agora a próxima meta. Encaremos a realidade: ocorrem ainda muitos erros e danos evitáveis. O ensino tradicional não tem transmitido de forma eficaz aos futuros médicos e internos da especialidade, as questões de segurança. “Errar é humano”, é um facto, mas na hora de nos julgarem por erros cometidos, este argumento não será válido. O ser humano tem limitações e dificilmente poderemos alterar essa condição, mas podemos alterar as condições onde o homem (médico) trabalha. Podemos equipar (médico e ambiente) com ferramentas e estratégias que evitem o erro e tornem a sua atividade mais segura.4 Os ambientes em que o Anestesiologista se move são, frequentemente, complexos dinâmicos e exigentes, tornando-se um terreno fértil para a ocorrência de erros. Temos noção, que muitas vezes circulamos em terrenos armadilhados, onde não cometermos erros é meramente uma questão de sorte. Nos últimos anos, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para promover a segurança e diminuir a ocorrência do erro. Os sistemas de notificação de incidentes são uma destas ferramentas. A nível dos serviços, das instituições ou a nível nacional são, em qualquer destas modalidades, um meio poderosíssimo para conhecer fatores de risco latentes. A Direção Geral de Saúde criou recentemente a plataforma SNNIEA – Sistema nacional de notificação de incidentes e eventos adversos.5 Esta plataforma é transversal a todos os cuidados de saúde referindo que a notificação é voluntária e anónima, como o deverá ser sempre, na nossa opinião, para garantir a adesão dos profissionais de saúde. Sendo, sem dúvida, um passo muito importante no caminho da segurança do doente, os ganhos para a Anestesiologia estão, obviamente, longínquos. Sistemas de notificação restritos à nossa especialidade seriam muitíssimo benéficos. É fundamental perceber o contexto em que ocorreu um erro, para delinear estratégias para que esse mesmo erro não volte a acontecer, tornando a nossa atuação mais segura. As lições provenientes dos sistemas de notificação dão-nos inúmeras oportunidades de aprendizagem orientando a elaboração de planos de segurança, que, surpreendentemente na maioria das vezes, são medidas simples. A Simulação é outra metodologia que em várias áreas de alto risco (como a aviação) tem sido utilizada, para promover a segurança, com sucesso. Várias investigações, em várias especialidades médicas, têm identificado sistematicamente falhas na comunicação e no trabalho de equipa, como responsáveis por resultados desfavoráveis.5 A performance do médico depende de 3 fatores: conhecimento, competências técnicas e atitude. Esta última vertente também designada por aptidões não técnicas ou comportamentais, engloba, entre muitas outras, a capacidade de liderança, de comunicação eficaz e de trabalhar em equipa.1,2 Classicamente, a formação médica apresenta lacunas no treino de competências não técnicas, que têm sido apontadas como responsáveis por morbilidade e mortalidade acrescidas.4,6 A simulação médica permite a aquisição e o desenvolvimento destas competências num ambiente seguro. Permite também o treino simultâneo de competências técnicas e não técnicas, em situações complexas e raras. Com esta metodologia os erros desaparecem ao clicar de um botão, mas entretanto, as experiências vividas tornam os profissionais mais alerta para a importância dos erros comportamentais na prática clínica. Nos últimos anos tem surgido alguma evidência científica sobre a Simulação na área Obstétrica, demonstrando uma evolução muito positiva das equipas multidisciplinares com melhoria do outcome perinatal, após treino de simulação.7,8 Fatores organizacionais foram também identificados como responsáveis de morbilidade e mortalidade associadas à anestesia. Isto sugere que os esforços no sentido de promoção da segurança do doente não devem ser exclusivamente direcionados para a melhoria de competências individuais, mas também para a otimização do trabalho das equipas interdisciplinares, e melhoria da organização dos sistemas de saúde.9 A elaboração e aplicação de checklists é um método que visa a diminuição do erro em cuidados de saúde. Existem atualmente diversas checklists quer para processos lineares como a preparação do carro de emergência, quer para processos complexos com envolvimento de vários profissionais, em vários locais do hospital, como é o caso do projeto “Cirurgia segura, Salva vidas”. Briefings antes de procedimentos de rotina e debriefings, sobretudo se houve complicações, são essenciais para que os erros cometidos não se repitam, constituindo um meio de aprendizagem contínua e elevando o nível organizacional.9 A standartização do equipamento e do ambiente de trabalho; a implementação de protocolos e algoritmos de atuação e a divulgação e adoção de guidelines de sociedades científicas internacionais, são ferramentas que comprovadamente têm diminuido a incidência de erros. A Declaração de Helsínquia, cujo objetivo foi tornar a Anestesiologia uma especialidade mais segura tem já 4 anos.10 Quantas das suas orientações estão implementadas nos nossos serviços? Quantas recomendações estão efetivamente presentes na nossa prática diária? O que mudou desde então? A promoção de uma cultura de segurança é da responsabilidade de cada um e de todos os anestesiologistas e é também da responsabilidade de todos nós, incutir ativa e continuamente estes princípios aos que iniciam o percurso na anestesiologia. 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Apresentam-se incidências de 18 a 22% de complicações minor relacionados com a anestesia, 0,45% a 1,4% de complicações severas e, 0,2 a 0,6% de complicações com dano permanente.2 O trabalho inédito baseado nos dados do sistema de notificação de incidentes da sociedade de anestesiologia e cuidados intensivos alemã, revelou uma incidência de morte ou complicação séria com envolvimento direto da anestesia, de 7,3 por milhão, em cirurgia eletiva de doentes ASA I e II.3 É na morbilidade de causa anestésica que temos de nos focar e baixar estas taxas deverá ser agora a próxima meta. Encaremos a realidade: ocorrem ainda muitos erros e danos evitáveis. O ensino tradicional não tem transmitido de forma eficaz aos futuros médicos e internos da especialidade, as questões de segurança. “Errar é humano”, é um facto, mas na hora de nos julgarem por erros cometidos, este argumento não será válido. O ser humano tem limitações e dificilmente poderemos alterar essa condição, mas podemos alterar as condições onde o homem (médico) trabalha. Podemos equipar (médico e ambiente) com ferramentas e estratégias que evitem o erro e tornem a sua atividade mais segura.4 Os ambientes em que o Anestesiologista se move são, frequentemente, complexos dinâmicos e exigentes, tornando-se um terreno fértil para a ocorrência de erros. Temos noção, que muitas vezes circulamos em terrenos armadilhados, onde não cometermos erros é meramente uma questão de sorte. Nos últimos anos, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para promover a segurança e diminuir a ocorrência do erro. Os sistemas de notificação de incidentes são uma destas ferramentas. A nível dos serviços, das instituições ou a nível nacional são, em qualquer destas modalidades, um meio poderosíssimo para conhecer fatores de risco latentes. A Direção Geral de Saúde criou recentemente a plataforma SNNIEA – Sistema nacional de notificação de incidentes e eventos adversos.5 Esta plataforma é transversal a todos os cuidados de saúde referindo que a notificação é voluntária e anónima, como o deverá ser sempre, na nossa opinião, para garantir a adesão dos profissionais de saúde. Sendo, sem dúvida, um passo muito importante no caminho da segurança do doente, os ganhos para a Anestesiologia estão, obviamente, longínquos. Sistemas de notificação restritos à nossa especialidade seriam muitíssimo benéficos. É fundamental perceber o contexto em que ocorreu um erro, para delinear estratégias para que esse mesmo erro não volte a acontecer, tornando a nossa atuação mais segura. As lições provenientes dos sistemas de notificação dão-nos inúmeras oportunidades de aprendizagem orientando a elaboração de planos de segurança, que, surpreendentemente na maioria das vezes, são medidas simples. A Simulação é outra metodologia que em várias áreas de alto risco (como a aviação) tem sido utilizada, para promover a segurança, com sucesso. Várias investigações, em várias especialidades médicas, têm identificado sistematicamente falhas na comunicação e no trabalho de equipa, como responsáveis por resultados desfavoráveis.5 A performance do médico depende de 3 fatores: conhecimento, competências técnicas e atitude. Esta última vertente também designada por aptidões não técnicas ou comportamentais, engloba, entre muitas outras, a capacidade de liderança, de comunicação eficaz e de trabalhar em equipa.1,2 Classicamente, a formação médica apresenta lacunas no treino de competências não técnicas, que têm sido apontadas como responsáveis por morbilidade e mortalidade acrescidas.4,6 A simulação médica permite a aquisição e o desenvolvimento destas competências num ambiente seguro. Permite também o treino simultâneo de competências técnicas e não técnicas, em situações complexas e raras. Com esta metodologia os erros desaparecem ao clicar de um botão, mas entretanto, as experiências vividas tornam os profissionais mais alerta para a importância dos erros comportamentais na prática clínica. Nos últimos anos tem surgido alguma evidência científica sobre a Simulação na área Obstétrica, demonstrando uma evolução muito positiva das equipas multidisciplinares com melhoria do outcome perinatal, após treino de simulação.7,8 Fatores organizacionais foram também identificados como responsáveis de morbilidade e mortalidade associadas à anestesia. Isto sugere que os esforços no sentido de promoção da segurança do doente não devem ser exclusivamente direcionados para a melhoria de competências individuais, mas também para a otimização do trabalho das equipas interdisciplinares, e melhoria da organização dos sistemas de saúde.9 A elaboração e aplicação de checklists é um método que visa a diminuição do erro em cuidados de saúde. Existem atualmente diversas checklists quer para processos lineares como a preparação do carro de emergência, quer para processos complexos com envolvimento de vários profissionais, em vários locais do hospital, como é o caso do projeto “Cirurgia segura, Salva vidas”. Briefings antes de procedimentos de rotina e debriefings, sobretudo se houve complicações, são essenciais para que os erros cometidos não se repitam, constituindo um meio de aprendizagem contínua e elevando o nível organizacional.9 A standartização do equipamento e do ambiente de trabalho; a implementação de protocolos e algoritmos de atuação e a divulgação e adoção de guidelines de sociedades científicas internacionais, são ferramentas que comprovadamente têm diminuido a incidência de erros. A Declaração de Helsínquia, cujo objetivo foi tornar a Anestesiologia uma especialidade mais segura tem já 4 anos.10 Quantas das suas orientações estão implementadas nos nossos serviços? Quantas recomendações estão efetivamente presentes na nossa prática diária? O que mudou desde então? A promoção de uma cultura de segurança é da responsabilidade de cada um e de todos os anestesiologistas e é também da responsabilidade de todos nós, incutir ativa e continuamente estes princípios aos que iniciam o percurso na anestesiologia. A Segurança deve estar subjacente em cada gesto, deve ser uma atitude permanente, um estado de espírito. |
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