Os não-lugares e as suas instruções

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Caldeira, Ruben D. G. M.
Data de Publicação: 2013
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: https://doi.org/10.34624/sopcom.v0i0.15427
Resumo: O estudo que aqui se apresenta tem como principal objetivo problematizar o conceito de nãolugar na aceção de Augé (1992), atentando, sobretudo, nas práticas comunicacionais e semióticas que este tipo de espaços motiva em função da sua pretensa natureza não-relacional. Caracterizados por Augé (1992: 100) como espaços por natureza não-identitários, não-relacionais e não-históricos, os não-lugares promovem práticas comunicacionais muito distintas quando comparados com outros espaços também de natureza pública. Neste sentido, mais do que uma caracterização dos não-lugares em si, procura-se, com este trabalho, uma caracterização dos processos comunicacionais presentes nos não-lugares, a partir das seguintes perguntas de investigação: que tipo de linguagem impera nos nãolugares? Que função tem a linguagem neste tipo de espaços? Que processos semióticos estão implícitos nas mensagens emitidas nos não-lugares? Em suma, como se processa a comunicação nos não-lugares? As respostas a estas questões dão o mote a este trabalho e ajudam a estruturá-lo na sua especificidade. A relevância de um trabalho desta natureza passa, não só pela constatação da centralidade destes espaços na vida do sujeito contemporâneo mas, sobretudo, pela problemática que estes espaços encerram: se, por um lado, os não-lugares são reconhecidos como os espaços típicos da globalização, pois generalizam, quase à escala planetária, as possibilidades de consumo, comunicação e circulação de pessoas e bens, por outro lado, estes são, por definição, não-relacionais, o que, por extensão, levaria a considerá-los não-comunicacionais. Porém, o que suporia os não-lugares como espaços por natureza não-comunicacionais, em resultado da não-relação, revela, antes, formas de comunicação muito próprias que, por via da naturalização da ausência das relações interpessoais, medeiam o contacto dos utentes com os espaços em questão. Que estratégias comunicacionais são, então, adotadas pelas entidades que gerem estes espaços como tentativa de suprir as falhas resultantes da não-relação? Eis a derradeira questão. O estudo mostra que a natureza global dos não-lugares e a diversidade de sujeitos que os frequenta levam à generalização de mensagens cujo intuito passa, essencialmente, pela uniformização dos comportamentos de todos os que por ali transitam. Apesar da nãorelação, verifica-se uma certa uniformidade nos modos de proceder que torna as ações dentro destes espaços expectáveis. Tal facto deve-se à emissão de um conjunto de mensagens que, na prática, não são mais do que verdadeiras “instruções de uso” dos espaços a que se associam (Augé, 1992: 121). Considerando as condições apontadas por Augé para a constituição do não-lugar, constata-se que a natureza transitória destes espaços propicia um tipo de comunicação assente em formas de fácil veiculação de sentido, vingando, sobretudo, a linguagem icónica. É, então, com o intuito de traçar o quadro comunicacional dos não-lugares, que se analisam algumas mensagens, recolhidas nos não-lugares considerados mais significativos para este trabalho: a saber, a generalidade dos meios de transporte e espaços afetos da Carris e do Metropolitano de Lisboa, do Aeroporto Internacional de Lisboa e dos Comboios de Portugal, bem como os espaços de consumo e de lazer de que são exemplo, respetivamente, os hipermercados Continente e os centros comerciais Colombo e Vasco da Gama. Consideram-se, ainda, outras estruturas de aspeto transitório como os elevadores e alguns trechos de autoestradas. O levantamento de tais mensagens e, por conseguinte, a análise dos seus principais modos de enunciação (visual, sonoro e táctil), dá conta do predomínio da sinalética, e da multimodalidade em geral, como linguagem principal dos não-lugares. Esta análise resulta na categorização dos três principais tipos de mensagem que circulam nos lugares de transição: mensagens informativas, mensagens prescritivas e mensagens proibitivas. Independentemente da tipologia, o que se observa é que a grande maioria das mensagens difundidas nestes espaços tende a atuar no sentido de reforçar a padronização das condutas individuais, mostrando que, só muito raramente, o itinerário final é livre de influências externas. Pelo contrário, este tem, quase sempre, muito mais de recomendado do que de livre escolha.
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Em suma, como se processa a comunicação nos não-lugares? As respostas a estas questões dão o mote a este trabalho e ajudam a estruturá-lo na sua especificidade. A relevância de um trabalho desta natureza passa, não só pela constatação da centralidade destes espaços na vida do sujeito contemporâneo mas, sobretudo, pela problemática que estes espaços encerram: se, por um lado, os não-lugares são reconhecidos como os espaços típicos da globalização, pois generalizam, quase à escala planetária, as possibilidades de consumo, comunicação e circulação de pessoas e bens, por outro lado, estes são, por definição, não-relacionais, o que, por extensão, levaria a considerá-los não-comunicacionais. Porém, o que suporia os não-lugares como espaços por natureza não-comunicacionais, em resultado da não-relação, revela, antes, formas de comunicação muito próprias que, por via da naturalização da ausência das relações interpessoais, medeiam o contacto dos utentes com os espaços em questão. 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Considerando as condições apontadas por Augé para a constituição do não-lugar, constata-se que a natureza transitória destes espaços propicia um tipo de comunicação assente em formas de fácil veiculação de sentido, vingando, sobretudo, a linguagem icónica. É, então, com o intuito de traçar o quadro comunicacional dos não-lugares, que se analisam algumas mensagens, recolhidas nos não-lugares considerados mais significativos para este trabalho: a saber, a generalidade dos meios de transporte e espaços afetos da Carris e do Metropolitano de Lisboa, do Aeroporto Internacional de Lisboa e dos Comboios de Portugal, bem como os espaços de consumo e de lazer de que são exemplo, respetivamente, os hipermercados Continente e os centros comerciais Colombo e Vasco da Gama. Consideram-se, ainda, outras estruturas de aspeto transitório como os elevadores e alguns trechos de autoestradas. 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