Um século de cólera: itinerário do medo
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 1994 |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Physis (Online) |
Texto Completo: | http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73311994000100005 |
Resumo: | A sociologia histórica tem no método comparativo uma de suas ferramentas de trabalho imprescindíveis. Ao focalizar um século de epidemias de cólera em alguns países, o autor procurou demonstrar como um mesmo fenômeno histórico-social, estudado comparativamente, revela contrastes marcantes em seu impacto sobre a cultura, a sociedade e a política, em distintos lugares e através do tempo. Por exemplo, os diferentes processos de formação do Estado nacional marcaram profundamente a natureza dos aparelhos administrativos em países diversos, levando cada nação a desenvolver organizações sanitárias diferenciadas e modos diferenciados de combate às epidemias de cólera. Por outro lado, a análise histórico-comparativa permite entrever, no interior de cenários dissimilares, alguns padrões regulares de relacionamento entre doença e sociedade. Assim é que, apesar das diferenças que afetaram, em diversas comunidades nacionais, os valores éticos, as crenças e os comportamentos das classes sociais, da profissão médica, dos grupos religiosos e dos governos diante da cólera, houve alguns padrões simbólicos praticamente invariáveis: a análise comparativa permitiu detectar, por exemplo, que, fosse no Rio de Janeiro ou em Nova Iorque de meados do século passado, a cólera era considerada por todos um castigo divino, que atingia primeiramente as pessoas de comportamento social "reprovável". Neste artigo, o relato da tragédia humana vivida por Nova Iorque diante da cólera atende a um duplo objetivo: revelar como uma sociologia do cotidiano pode demonstrar a complexa interação doença, indivíduo e sociedade em uma metrópole do século XIX; e como, na análise de outra experiência histórica - a norte-americana -, pode-se descobrir fortes contrastes e semelhanças com o Brasil, fazendo do estudo de outra realidade um desafio para o conhecimento dos modos de enfrentamento da doença epidêmica pela população brasileira. Considerando-se seus efeitos macro-históricos, o aumento dos níveis de mortalidade foi bem menos brutal que seu impacto social e psicológico - o terror gerado pela cólera no cotidiano das famílias. Do ponto de vista epidemiológico, viu-se neste artigo que as epidemias foram geradas na Ásia por uma grande ruptura no equilíbrio entre micropa-rasita e hospedeiro humano - ruptura resultante, por sua vez, dos movimentos populacionais intensificados pelo imperialismo europeu. Partindo da índia, as ondas epidêmicas propagaram-se velozmente pela Europa e Américas, afetando sobretudo as populações mais pobres e residentes em áreas insalubres. Este é o quadro geral discutido no presente artigo, em que a sociologia histórica toma de empréstimo à epidemiologia histórica de William McNeill algumas de suas análises mais esclarecedoras. |
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