A inocência em retalhos : violações do corpo no prospecto literário de Lima Barreto

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Silva, Valderedo Alves da
Data de Publicação: 2023
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional da UFPB
Texto Completo: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/29992
Resumo: Nos Estudos sobre a Histeria, o “sexual” aparece sob a égide de uma sedução real, de caráter traumático, que, reprimido e, por isso, excessivamente reagente, transforma-se num componente suscetível de irradiar fortes aditivos patogênicos. Nas primeiras empreitadas, Freud ainda não percebia a existência das fantasias e da sexualidade infantil. Ao constatar que as diretrizes da realidade compartilhada inexistem na dinâmica inconsciente e que a explosão histérica era desproporcional ao número de pais supostamente perversos, Freud reelabora a teoria do trauma, assegurando que as cenas de sedução da infância eram, na verdade, cenários fantasmáticos erigidos pela criança para refugiar seu gozo abrupto e brutal. Em que pese o abandono da ocorrência de abuso real, como elemento (des)estruturante da sexualidade, o pai da psicanálise o retoma, nas peregrinações da segunda tópica, dando ênfase aos efeitos devastadores da fragmentação psíquica, decorrente do abuso sexual, vivenciado pela criança, jovem ou adulto. Tal conjectura, doravante, esparge-se nas elucubrações laplancheanas e ferenczianas a respeito da sedução generalizada e das questões traumáticas advindas de experiências reais, respectivamente. Se, como compreendeu Freud (1905), a perversão, em linhas gerais, é uma reconfiguração da sexualidade infantil, regada pela polimorfia perversa, sobrevivente na vida ulterior, o que diferenciará o componente sexual das crianças e o teatro perverso dos adultos é a disposição dos agentes frente às muralhas do corpo e da civilização. No enquadre estruturalmente perverso, a sexualidade, com engrenagens que tocam à realidade, põe em cena um desejo que, nas tramas infantis, era apenas da ordem da fantasia: o elemento pré-sexual é o centro, o norteador, que governa imperiosamente. A montagem perversa, desse modo, decorreria de um impedimento da corrente genial subjugar as demais, devido a uma fixação infantil, que alçaria a corrente pré-genital ao lugar de organizadora da vida sexual. Nessa conjectura, as fantasias pré-genitais são comuns tanto nos perversos quanto nos neuróticos – consubstanciando a etiologia dos conflitos entre o desejo e a censura. A desorganização emerge, na perversão, na medida em que as barreiras do recalcamento se encontram em frangalhos, deterioradas pelas fantasmagorias arcaicas que, inócuas às forças agregadoras, saturam a realidade. Ou seja, o perverso, amiúde, recorre às assombrações tirânicas do passado para, delas, obterem a autorização, o acesso retilíneo ao outro. A partir dessas reflexões, a presente pesquisa se debruça sobre o célebre romance Clara dos Anjos (1948), de Lima Barreto, no intento de investigar, numa interlocução entre a estética literária e a psicanálise, as manifestações perversas do antagonista, que culminam numa série de abusos (psicológicos e sexuais) infligidos, na trama, à inocente Clara. As máscaras sedutoras de Cassi Jones atraem a pueril menina que, envolta a artimanhas manipulatórias, enleia-se numa rede de humilhações e lamúrias. Como aporte teórico-metodológico, o estudo ampara -se em manuscritos da ciência psicanalítica a respeito da estrutura perversa, das seduções/abusos sexuais, quais sejam: Bate-se em uma criança (1924), O problema econômico do Masoquismo (1924) e O fetichismo (1927), de Sigmund Freud; O crime sexual (2015), de Jean Laplanche; e Confusão de línguas entre os adultos e a criança (1932), de Sándor Ferenczi.
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Em que pese o abandono da ocorrência de abuso real, como elemento (des)estruturante da sexualidade, o pai da psicanálise o retoma, nas peregrinações da segunda tópica, dando ênfase aos efeitos devastadores da fragmentação psíquica, decorrente do abuso sexual, vivenciado pela criança, jovem ou adulto. Tal conjectura, doravante, esparge-se nas elucubrações laplancheanas e ferenczianas a respeito da sedução generalizada e das questões traumáticas advindas de experiências reais, respectivamente. Se, como compreendeu Freud (1905), a perversão, em linhas gerais, é uma reconfiguração da sexualidade infantil, regada pela polimorfia perversa, sobrevivente na vida ulterior, o que diferenciará o componente sexual das crianças e o teatro perverso dos adultos é a disposição dos agentes frente às muralhas do corpo e da civilização. No enquadre estruturalmente perverso, a sexualidade, com engrenagens que tocam à realidade, põe em cena um desejo que, nas tramas infantis, era apenas da ordem da fantasia: o elemento pré-sexual é o centro, o norteador, que governa imperiosamente. A montagem perversa, desse modo, decorreria de um impedimento da corrente genial subjugar as demais, devido a uma fixação infantil, que alçaria a corrente pré-genital ao lugar de organizadora da vida sexual. Nessa conjectura, as fantasias pré-genitais são comuns tanto nos perversos quanto nos neuróticos – consubstanciando a etiologia dos conflitos entre o desejo e a censura. A desorganização emerge, na perversão, na medida em que as barreiras do recalcamento se encontram em frangalhos, deterioradas pelas fantasmagorias arcaicas que, inócuas às forças agregadoras, saturam a realidade. Ou seja, o perverso, amiúde, recorre às assombrações tirânicas do passado para, delas, obterem a autorização, o acesso retilíneo ao outro. A partir dessas reflexões, a presente pesquisa se debruça sobre o célebre romance Clara dos Anjos (1948), de Lima Barreto, no intento de investigar, numa interlocução entre a estética literária e a psicanálise, as manifestações perversas do antagonista, que culminam numa série de abusos (psicológicos e sexuais) infligidos, na trama, à inocente Clara. As máscaras sedutoras de Cassi Jones atraem a pueril menina que, envolta a artimanhas manipulatórias, enleia-se numa rede de humilhações e lamúrias. Como aporte teórico-metodológico, o estudo ampara -se em manuscritos da ciência psicanalítica a respeito da estrutura perversa, das seduções/abusos sexuais, quais sejam: Bate-se em uma criança (1924), O problema econômico do Masoquismo (1924) e O fetichismo (1927), de Sigmund Freud; O crime sexual (2015), de Jean Laplanche; e Confusão de línguas entre os adultos e a criança (1932), de Sándor Ferenczi.In Studies on Hysteria, the “sexual” appears under the aegis of a real seduction, of a traumatic nature, which, repressed and, therefore, excessively reactive, becomes a component susceptible to radiating strong pathogenic additives. In the first endeavors, Freud still did not perceive the existence of fantasies and infantile sexuality. By verifying that the guidelines of the shared reality do not exist in the unconscious dynamics and that the hysterical explosion was disproportionate to the number of supposedly perverse parents, Freud re-elaborates the trauma theory, assuring that the childhood seduction scenes were, in fact, phantasmatic scenarios erected by the child to shelter his abrupt and brutal jouissance. Despite the abandonment of the occurrence of real abuse, as a (dis)structuring element of sexuality, the father of psychoanalysis takes it up again, in the peregrinations of the second topic, emphasizing the devastating effects of psychic fragmentation, resulting from sexual abuse, experienced by the child , youth or adult. Such conjecture, henceforth, spreads in Laplanchean and Ferenczian lucubrations regarding generalized seduction and traumatic issues arising from real experiences, respectively. If, as Freud (1905) understood, perversion, in general terms, is a reconfiguration of childhood sexuality, watered by perverse polymorphism, surviving in later life, what will differentiate the sexual component of children and the perverse theater of adults is the disposition of agents facing the walls of the body and civilization. In the structurally perverse frame, sexuality, with gears that touch reality, brings into play a desire that, in children's plots, was only of the order of fantasy: the pre-sexual element is the center, the guide, which imperiously governs. The perverse montage, therefore, would result from an impediment of the genial current to subjugate the others, due to an infantile fixation, which would elevate the pregenital current to the place of organizer of sexual life. In this conjecture, pre-genital fantasies are common in both perverts and neurotics – consubstantiating the etiology of conflicts between desire and censorship. Disorganization emerges, in perversion, as the barriers of repression are in tatters, deteriorated by archaic phantasmagorias that, innocuous to the aggregating forces, saturate reality. In other words, the perverse person often resorts to the tyrannical haunts of the past in order to obtain authorization from them, rectilinear access to the other. Based on these reflections, this research focuses on the famous novel Clara dos Anjos (1948), by Lima Barreto, in an attempt to investigate, in an interlocution between literary aesthetics and psychoanalysis, the perverse manifestations of the antagonist, which culminate in a series of abuse (psychological and sexual) inflicted, in the plot, on innocent Clara. Cassi Jones' seductive masks attract the puerile girl who, wrapped in manipulative tricks, becomes entangled in a web of humiliation and whining. As a theoretical-methodological contribution, the study is supported by manuscripts of psychoanalytic science regarding the perverse structure of sexual seductions/abuses, namely: Beating a Child (1924), The Economic Problem of Masochism (1924) and Fetishism (1927), by Sigmund Freud; The Sexual Crime (2015), by Jean Laplanche; and Confusion of tongues between adults and children (1932), by Sándor Ferenczi.Submitted by Jackson Nunes (jackson@biblioteca.ufpb.br) on 2024-04-15T13:37:02Z No. of bitstreams: 2 license_rdf: 805 bytes, checksum: c4c98de35c20c53220c07884f4def27c (MD5) ValderedoAlvesDaSilva_Tese.pdf: 856337 bytes, checksum: 60e022864135800f556771cfd4d26df4 (MD5)Made available in DSpace on 2024-04-15T13:37:02Z (GMT). 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