QUE É GUETO? CONSTRUINDO UM CONCEITO SOCIOLÓGICO

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Wacquant, Loïc
Data de Publicação: 2004
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Revista de Sociologia e Política
Texto Completo: https://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/3702
Resumo: Ao invés de produzirem um conceito analiticamente robusto de “gueto”, as Ciências Sociais utilizam o termo de maneira descritiva, não raro lhes conferindo significados do senso comum emprestados das sociedades em que o fenômeno é identificado. A partir da produção historiográfica sobre a diáspora judaica na Europa renascentista, da Sociologia da experiência negra na metrópole fordista dos EUA e da Antropologia da marginalidade étnica na Ásia Oriental, este artigo constrói um conceito relacional de gueto como um instrumento bifacetado [Janus faced] de cercamento e controle etno-racial. Por meio desse procedimento, o gueto revela-se como um dispositivo sócio-organizador composto de quatro elementos (estigma, limite, confinamento espacial e encapsulamento institucional) que emprega o espaço para reconciliar seus dois propósitos contraditórios: exploração econômica e ostracismo social. O gueto não é uma “área natural”, produto da “história da migração” (como Louis Wirth defendia), mas sim uma forma especial de violência coletiva concretizada no espaço urbano. A articulação do conceito de gueto possibilita o desvelamento da relação entre “guetização”, pobreza urbana e segregação, assim como o esclarecimento das diferenças estruturais e funcionais entre guetos e aglomerações étnicas. Esse proceder também possibilita que realcemos o papel do gueto como matriz e incubador simbólico da produção de uma identidade maculada, indicando que seu estudo seja feito por analogia a outras instituições voltadas para o confinamento forçado de grupos despossuídos e desonrados como o campo de refugiados, a reserva e a prisão. WHAT IS A GHETTO? BUILDING A SOCIOLOGICAL CONCEPT Abstract Rather than producing an analytically robust concept of “ghetto”, the social sciences have used the term descriptively, not rarely attributing to it the common sense meaning that it is given in the societies where the phenomenon is identified. Through the historiographic production on the Jewish diaspora in renaissance Europe, the sociology of black experience in the Fordist metropoles of the USA, and the anthropology of ethnic marginality in East Asia, this article constructs a relational concept of the ghetto as a Janus- faced instrument of enclosure and etho-racial control. Through this procedure, the ghetto reveals itself to be a socio-organizational device that is made up of four elements (stigma, boundaries, spatial confinement and institutional encapsulation) that use space to reconcile its two contradictory goals: economic exploitation and social ostracism. The ghetto is not a “natural area” produced by the “history of migration” (as Louis Wirth argued) but a special form of collective violence concretized in urban space. The articulation of the concept of the ghetto makes it possible to reveal the relationships between “ghettoization”, urban poverty and segregation, as well as clarifying the structural and functional differences between ghettos and ethnic agglomerations. This way of proceeding also makes it possible to highlight th role of the ghetto as matrix and symbolic incubator for the production of a tainted identity, indicating that its study can be carried out through analogy to other institutions oriented toward the forced confinement of dispossessed and dishonored groups such as refugee camps and prisons. QU’EST-CE QUE LE GHETTO? LA CONSTRUCTION D’UN CONCEPT SOCIOLOGIQUE Résumé Au lieu de produire un concept analytiquement solide de «ghetto», les Sciences Sociales utilisent le terme de façon descriptive, et souvent elles lui attribuent des significations originaires du sens commum des sociétés où le phénomène est repéré. A partir de la production historiographique sur la diaspora juive en Europe renaissante, de la Sociologie de l’expérience noire dans la métropole fordiste des Etats- Unis et de l’Anthropologie de la marginalité ethnique en Asie Orientale, cet article construit un concept relationnel de ghetto comme un instrument biseauté [Janus faced] d’enfermement et de contrôle ethno-racial. Par l’intermédiaire de ce procédé, le ghetto est vu comme un dispositif socio-organisateur composé de quatre éléments (stigmate, limite, enfermement spatial et mise en capsule institutionnelle) qui se sert de l’espace pour réunir ses deux propos opposés: exploitation économique et ostracisme social. Le ghetto n’est pas un «espace naturel», résultat «de l’histoire de la migration» (comme Louis Wirth prônait), mais une forme spéciale de violence collective accomplie dans un espace urbain. L’articulation du concept de ghetto favorise le dévoilement de la relation entre «la mise en ghetto», la pauvreté urbaine et la ségrégation, ainsi que l’éclaircissement des différences structurales et fonctionnelles entre ghettos et agglomérations ethniques. Ce démarche permet également que nous soulignions le rôle du ghetto comme la matrice et le générateur symbolique de la production d’une identité maculée, pour que son étude soit faite par analogie à d’autres institutions tournées vers l’enfermement de groupes de dépossédés et deshonorés comme le camp de réfugiés, la réserve et la prison.
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Por meio desse procedimento, o gueto revela-se como um dispositivo sócio-organizador composto de quatro elementos (estigma, limite, confinamento espacial e encapsulamento institucional) que emprega o espaço para reconciliar seus dois propósitos contraditórios: exploração econômica e ostracismo social. O gueto não é uma “área natural”, produto da “história da migração” (como Louis Wirth defendia), mas sim uma forma especial de violência coletiva concretizada no espaço urbano. A articulação do conceito de gueto possibilita o desvelamento da relação entre “guetização”, pobreza urbana e segregação, assim como o esclarecimento das diferenças estruturais e funcionais entre guetos e aglomerações étnicas. Esse proceder também possibilita que realcemos o papel do gueto como matriz e incubador simbólico da produção de uma identidade maculada, indicando que seu estudo seja feito por analogia a outras instituições voltadas para o confinamento forçado de grupos despossuídos e desonrados como o campo de refugiados, a reserva e a prisão. WHAT IS A GHETTO? BUILDING A SOCIOLOGICAL CONCEPT Abstract Rather than producing an analytically robust concept of “ghetto”, the social sciences have used the term descriptively, not rarely attributing to it the common sense meaning that it is given in the societies where the phenomenon is identified. Through the historiographic production on the Jewish diaspora in renaissance Europe, the sociology of black experience in the Fordist metropoles of the USA, and the anthropology of ethnic marginality in East Asia, this article constructs a relational concept of the ghetto as a Janus- faced instrument of enclosure and etho-racial control. Through this procedure, the ghetto reveals itself to be a socio-organizational device that is made up of four elements (stigma, boundaries, spatial confinement and institutional encapsulation) that use space to reconcile its two contradictory goals: economic exploitation and social ostracism. The ghetto is not a “natural area” produced by the “history of migration” (as Louis Wirth argued) but a special form of collective violence concretized in urban space. The articulation of the concept of the ghetto makes it possible to reveal the relationships between “ghettoization”, urban poverty and segregation, as well as clarifying the structural and functional differences between ghettos and ethnic agglomerations. This way of proceeding also makes it possible to highlight th role of the ghetto as matrix and symbolic incubator for the production of a tainted identity, indicating that its study can be carried out through analogy to other institutions oriented toward the forced confinement of dispossessed and dishonored groups such as refugee camps and prisons. QU’EST-CE QUE LE GHETTO? LA CONSTRUCTION D’UN CONCEPT SOCIOLOGIQUE Résumé Au lieu de produire un concept analytiquement solide de «ghetto», les Sciences Sociales utilisent le terme de façon descriptive, et souvent elles lui attribuent des significations originaires du sens commum des sociétés où le phénomène est repéré. A partir de la production historiographique sur la diaspora juive en Europe renaissante, de la Sociologie de l’expérience noire dans la métropole fordiste des Etats- Unis et de l’Anthropologie de la marginalité ethnique en Asie Orientale, cet article construit un concept relationnel de ghetto comme un instrument biseauté [Janus faced] d’enfermement et de contrôle ethno-racial. Par l’intermédiaire de ce procédé, le ghetto est vu comme un dispositif socio-organisateur composé de quatre éléments (stigmate, limite, enfermement spatial et mise en capsule institutionnelle) qui se sert de l’espace pour réunir ses deux propos opposés: exploitation économique et ostracisme social. Le ghetto n’est pas un «espace naturel», résultat «de l’histoire de la migration» (comme Louis Wirth prônait), mais une forme spéciale de violence collective accomplie dans un espace urbain. L’articulation du concept de ghetto favorise le dévoilement de la relation entre «la mise en ghetto», la pauvreté urbaine et la ségrégation, ainsi que l’éclaircissement des différences structurales et fonctionnelles entre ghettos et agglomérations ethniques. Ce démarche permet également que nous soulignions le rôle du ghetto comme la matrice et le générateur symbolique de la production d’une identité maculée, pour que son étude soit faite par analogie à d’autres institutions tournées vers l’enfermement de groupes de dépossédés et deshonorés comme le camp de réfugiés, la réserve et la prison. 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O gueto não é uma “área natural”, produto da “história da migração” (como Louis Wirth defendia), mas sim uma forma especial de violência coletiva concretizada no espaço urbano. A articulação do conceito de gueto possibilita o desvelamento da relação entre “guetização”, pobreza urbana e segregação, assim como o esclarecimento das diferenças estruturais e funcionais entre guetos e aglomerações étnicas. Esse proceder também possibilita que realcemos o papel do gueto como matriz e incubador simbólico da produção de uma identidade maculada, indicando que seu estudo seja feito por analogia a outras instituições voltadas para o confinamento forçado de grupos despossuídos e desonrados como o campo de refugiados, a reserva e a prisão. WHAT IS A GHETTO? BUILDING A SOCIOLOGICAL CONCEPT Abstract Rather than producing an analytically robust concept of “ghetto”, the social sciences have used the term descriptively, not rarely attributing to it the common sense meaning that it is given in the societies where the phenomenon is identified. Through the historiographic production on the Jewish diaspora in renaissance Europe, the sociology of black experience in the Fordist metropoles of the USA, and the anthropology of ethnic marginality in East Asia, this article constructs a relational concept of the ghetto as a Janus- faced instrument of enclosure and etho-racial control. Through this procedure, the ghetto reveals itself to be a socio-organizational device that is made up of four elements (stigma, boundaries, spatial confinement and institutional encapsulation) that use space to reconcile its two contradictory goals: economic exploitation and social ostracism. The ghetto is not a “natural area” produced by the “history of migration” (as Louis Wirth argued) but a special form of collective violence concretized in urban space. The articulation of the concept of the ghetto makes it possible to reveal the relationships between “ghettoization”, urban poverty and segregation, as well as clarifying the structural and functional differences between ghettos and ethnic agglomerations. This way of proceeding also makes it possible to highlight th role of the ghetto as matrix and symbolic incubator for the production of a tainted identity, indicating that its study can be carried out through analogy to other institutions oriented toward the forced confinement of dispossessed and dishonored groups such as refugee camps and prisons. QU’EST-CE QUE LE GHETTO? LA CONSTRUCTION D’UN CONCEPT SOCIOLOGIQUE Résumé Au lieu de produire un concept analytiquement solide de «ghetto», les Sciences Sociales utilisent le terme de façon descriptive, et souvent elles lui attribuent des significations originaires du sens commum des sociétés où le phénomène est repéré. A partir de la production historiographique sur la diaspora juive en Europe renaissante, de la Sociologie de l’expérience noire dans la métropole fordiste des Etats- Unis et de l’Anthropologie de la marginalité ethnique en Asie Orientale, cet article construit un concept relationnel de ghetto comme un instrument biseauté [Janus faced] d’enfermement et de contrôle ethno-racial. Par l’intermédiaire de ce procédé, le ghetto est vu comme un dispositif socio-organisateur composé de quatre éléments (stigmate, limite, enfermement spatial et mise en capsule institutionnelle) qui se sert de l’espace pour réunir ses deux propos opposés: exploitation économique et ostracisme social. Le ghetto n’est pas un «espace naturel», résultat «de l’histoire de la migration» (comme Louis Wirth prônait), mais une forme spéciale de violence collective accomplie dans un espace urbain. L’articulation du concept de ghetto favorise le dévoilement de la relation entre «la mise en ghetto», la pauvreté urbaine et la ségrégation, ainsi que l’éclaircissement des différences structurales et fonctionnelles entre ghettos et agglomérations ethniques. Ce démarche permet également que nous soulignions le rôle du ghetto comme la matrice et le générateur symbolique de la production d’une identité maculée, pour que son étude soit faite par analogie à d’autres institutions tournées vers l’enfermement de groupes de dépossédés et deshonorés comme le camp de réfugiés, la réserve et la prison.
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