Sobre a invenção da mulata
Autor(a) principal: | |
---|---|
Data de Publicação: | 2010 |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Cadernos Pagu (Online) |
Texto Completo: | https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860 |
Resumo: | Resumo Boa parte dos autores que trabalham com o sistema de classificações raciais no Brasil subscreve a descrição que Patrícia Birman faz dele: “privilegia-se um certo continuum de relações ao invés de estabelecer campos com fronteiras em domínios excludentes”. Tal sistema, “que permite a seus integrantes possuir posições variadas, referidas a mais de uma dimensão”, tornaria de difícil aplicação a noção de identidade. Exatamente o oposto parece ocorrer com o sistema de classificações de gênero no qual o par masculino/feminina tenta estabelecer com clareza aquelas fronteiras, isto é, desmentir, simbólica ou socialmente, a possibilidade de um continuum entre os dois pólos. Na literatura sobre a questão das relações raciais, a figura do mulato é sempre invocada como prova daquela escala; já a da mulata que pareceria oferecer a resolução cultural dessa incompatibilidade entre o sistema de classificações racial e o de gênero, pouco se fala. Mas como se constituiu historicamente essa figura tão contraditória, que parece ora renegar, ora confirmar um e outro sistema? Figura tão idêntica a si mesmo nos discursos médicos, literários ou carnavalescos que a singularizaram com tanta nitidez que parece não haver nenhuma descontinuidade entre a mulata das lavagens do Bonfim dos tempos de Nina Rodrigues e a “mulata globeleza” dos dias de hoje. Abstract Most of the authors working on the racial classification system in Brazil would subscribe Patricia Birman’s description of it: “rather than establishing fields with excluding thresholds, privilege is given to a continuum of relationships”. Such a system “allows its members to occuppy different positions, each related to different dimensions of it”, therefore making difficult the use of the notion of identity. The opposite seems to hold for the gender classification system, in which the masculine/feminine opposition tries to establish a clear delimitation of those thresholds, that is, to establish that there is no social or simbolic possibility of a continuum here. The mulatto trope is always invoked in the literature as a demonstration that such a continuum does not exist, but almost nothing is said about the mulata – which seemingly could help to resolve this cultural incongruity between national racial and gender classification systems. How was such a contradictory trope (the mulata) – that seems to validate and to invalidate, by turns, both systems of classification – historically invented. She emerges so neatly in medical discourses as in the nineteenth century descriptions of her or in the use/abuse television networks make today of her as a trademark. |
id |
UNICAMP-14_7f23e90a00a64b0ccbf2530d75fd2bc8 |
---|---|
oai_identifier_str |
oai:ojs.periodicos.sbu.unicamp.br:article/1860 |
network_acronym_str |
UNICAMP-14 |
network_name_str |
Cadernos Pagu (Online) |
repository_id_str |
|
spelling |
Sobre a invenção da mulataRaça. Mulata. LiteraturaResumo Boa parte dos autores que trabalham com o sistema de classificações raciais no Brasil subscreve a descrição que Patrícia Birman faz dele: “privilegia-se um certo continuum de relações ao invés de estabelecer campos com fronteiras em domínios excludentes”. Tal sistema, “que permite a seus integrantes possuir posições variadas, referidas a mais de uma dimensão”, tornaria de difícil aplicação a noção de identidade. Exatamente o oposto parece ocorrer com o sistema de classificações de gênero no qual o par masculino/feminina tenta estabelecer com clareza aquelas fronteiras, isto é, desmentir, simbólica ou socialmente, a possibilidade de um continuum entre os dois pólos. Na literatura sobre a questão das relações raciais, a figura do mulato é sempre invocada como prova daquela escala; já a da mulata que pareceria oferecer a resolução cultural dessa incompatibilidade entre o sistema de classificações racial e o de gênero, pouco se fala. Mas como se constituiu historicamente essa figura tão contraditória, que parece ora renegar, ora confirmar um e outro sistema? Figura tão idêntica a si mesmo nos discursos médicos, literários ou carnavalescos que a singularizaram com tanta nitidez que parece não haver nenhuma descontinuidade entre a mulata das lavagens do Bonfim dos tempos de Nina Rodrigues e a “mulata globeleza” dos dias de hoje. Abstract Most of the authors working on the racial classification system in Brazil would subscribe Patricia Birman’s description of it: “rather than establishing fields with excluding thresholds, privilege is given to a continuum of relationships”. Such a system “allows its members to occuppy different positions, each related to different dimensions of it”, therefore making difficult the use of the notion of identity. The opposite seems to hold for the gender classification system, in which the masculine/feminine opposition tries to establish a clear delimitation of those thresholds, that is, to establish that there is no social or simbolic possibility of a continuum here. The mulatto trope is always invoked in the literature as a demonstration that such a continuum does not exist, but almost nothing is said about the mulata – which seemingly could help to resolve this cultural incongruity between national racial and gender classification systems. How was such a contradictory trope (the mulata) – that seems to validate and to invalidate, by turns, both systems of classification – historically invented. She emerges so neatly in medical discourses as in the nineteenth century descriptions of her or in the use/abuse television networks make today of her as a trademark.Universidade Estadual de Campinas2010-01-01info:eu-repo/semantics/articleinfo:eu-repo/semantics/publishedVersionapplication/pdfhttps://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860Cadernos Pagu; n. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-50Cadernos Pagu; No. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-50Cadernos Pagu; Núm. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-501809-4449reponame:Cadernos Pagu (Online)instname:Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)instacron:UNICAMPporhttps://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860/1981Copyright (c) 2015 Cadernos Paguinfo:eu-repo/semantics/openAccessCorrêa, Mariza2015-07-20T14:29:40Zoai:ojs.periodicos.sbu.unicamp.br:article/1860Revistahttps://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/indexPUBhttps://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/oaicadpagu@unicamp.br||cadpagu@unicamp.br0104-83331809-4449opendoar:2022-11-08T14:24:21.641934Cadernos Pagu (Online) - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)false |
dc.title.none.fl_str_mv |
Sobre a invenção da mulata |
title |
Sobre a invenção da mulata |
spellingShingle |
Sobre a invenção da mulata Corrêa, Mariza Raça. Mulata. Literatura |
title_short |
Sobre a invenção da mulata |
title_full |
Sobre a invenção da mulata |
title_fullStr |
Sobre a invenção da mulata |
title_full_unstemmed |
Sobre a invenção da mulata |
title_sort |
Sobre a invenção da mulata |
author |
Corrêa, Mariza |
author_facet |
Corrêa, Mariza |
author_role |
author |
dc.contributor.author.fl_str_mv |
Corrêa, Mariza |
dc.subject.por.fl_str_mv |
Raça. Mulata. Literatura |
topic |
Raça. Mulata. Literatura |
description |
Resumo Boa parte dos autores que trabalham com o sistema de classificações raciais no Brasil subscreve a descrição que Patrícia Birman faz dele: “privilegia-se um certo continuum de relações ao invés de estabelecer campos com fronteiras em domínios excludentes”. Tal sistema, “que permite a seus integrantes possuir posições variadas, referidas a mais de uma dimensão”, tornaria de difícil aplicação a noção de identidade. Exatamente o oposto parece ocorrer com o sistema de classificações de gênero no qual o par masculino/feminina tenta estabelecer com clareza aquelas fronteiras, isto é, desmentir, simbólica ou socialmente, a possibilidade de um continuum entre os dois pólos. Na literatura sobre a questão das relações raciais, a figura do mulato é sempre invocada como prova daquela escala; já a da mulata que pareceria oferecer a resolução cultural dessa incompatibilidade entre o sistema de classificações racial e o de gênero, pouco se fala. Mas como se constituiu historicamente essa figura tão contraditória, que parece ora renegar, ora confirmar um e outro sistema? Figura tão idêntica a si mesmo nos discursos médicos, literários ou carnavalescos que a singularizaram com tanta nitidez que parece não haver nenhuma descontinuidade entre a mulata das lavagens do Bonfim dos tempos de Nina Rodrigues e a “mulata globeleza” dos dias de hoje. Abstract Most of the authors working on the racial classification system in Brazil would subscribe Patricia Birman’s description of it: “rather than establishing fields with excluding thresholds, privilege is given to a continuum of relationships”. Such a system “allows its members to occuppy different positions, each related to different dimensions of it”, therefore making difficult the use of the notion of identity. The opposite seems to hold for the gender classification system, in which the masculine/feminine opposition tries to establish a clear delimitation of those thresholds, that is, to establish that there is no social or simbolic possibility of a continuum here. The mulatto trope is always invoked in the literature as a demonstration that such a continuum does not exist, but almost nothing is said about the mulata – which seemingly could help to resolve this cultural incongruity between national racial and gender classification systems. How was such a contradictory trope (the mulata) – that seems to validate and to invalidate, by turns, both systems of classification – historically invented. She emerges so neatly in medical discourses as in the nineteenth century descriptions of her or in the use/abuse television networks make today of her as a trademark. |
publishDate |
2010 |
dc.date.none.fl_str_mv |
2010-01-01 |
dc.type.driver.fl_str_mv |
info:eu-repo/semantics/article info:eu-repo/semantics/publishedVersion |
format |
article |
status_str |
publishedVersion |
dc.identifier.uri.fl_str_mv |
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860 |
url |
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860 |
dc.language.iso.fl_str_mv |
por |
language |
por |
dc.relation.none.fl_str_mv |
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1860/1981 |
dc.rights.driver.fl_str_mv |
Copyright (c) 2015 Cadernos Pagu info:eu-repo/semantics/openAccess |
rights_invalid_str_mv |
Copyright (c) 2015 Cadernos Pagu |
eu_rights_str_mv |
openAccess |
dc.format.none.fl_str_mv |
application/pdf |
dc.publisher.none.fl_str_mv |
Universidade Estadual de Campinas |
publisher.none.fl_str_mv |
Universidade Estadual de Campinas |
dc.source.none.fl_str_mv |
Cadernos Pagu; n. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-50 Cadernos Pagu; No. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-50 Cadernos Pagu; Núm. 6/7 (1996): Raça e gênero; 35-50 1809-4449 reponame:Cadernos Pagu (Online) instname:Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) instacron:UNICAMP |
instname_str |
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) |
instacron_str |
UNICAMP |
institution |
UNICAMP |
reponame_str |
Cadernos Pagu (Online) |
collection |
Cadernos Pagu (Online) |
repository.name.fl_str_mv |
Cadernos Pagu (Online) - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) |
repository.mail.fl_str_mv |
cadpagu@unicamp.br||cadpagu@unicamp.br |
_version_ |
1800216607626100736 |