Hospitalidade oferecida pelas lágrimas da cega: Jacques Derrida e a habitação do feminino
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2023 |
Tipo de documento: | Dissertação |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP |
Texto Completo: | https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-26062024-185711/ |
Resumo: | Que o feminino participe da noção de hospitalidade nas obras de Jacques Derrida não é mero acaso, apesar de nem sempre ser considerado. Talvez isso se deva à invisibilidade que o caracteriza. Trata-se, como diz o filósofo, de uma hipótese suplementar. Assim, antes de constituir uma contingência cultural, o feminino é alçado à condição de (im)possibilidade. Fazendo-se, portanto, como sustentáculo do que é deixado de fora. Desse modo, busca-se compreender tal posição em consonância com sua aporia. Para tanto, em primeiro lugar, mostra-se como nos seus primeiros trabalhos, Derrida desconstrói a constituição da subjetividade husserliana, denunciando uma abertura na fenomenologia quando esta parecia fechada ao outro. Essa interrupção do sujeito que se afirmava em presença conquistando as propriedades por uma visão do mundo, revela antes, um cego, que tem a capacidade de receber o outro. Por sua vez, este é deslocado para a cegueira da mulher num movimento que não realiza uma simples inversão, pois depende de uma noção de temporalidade na qual passado-presente-futuro se dobram num instante: tempo messiânico. Em seguida, ao analisar essa subjetividade que teve sua visão sacrificada, percebe-se que ela transcende ao passado imemorial, posto que é perseguida por uma alteridade que demanda compartilhamento de suas propriedades. Nesse sentido, perdê-las passa a ser uma necessidade para receber o outro. Por isso, Derrida compara as subjetividades de Levinas e Pascal. Nessa tradição, encontrou-se uma suplementariedade da visão, na qual a cegueira externa é substituída pelos olhos do coração, cuja operacionalidade daria acesso ao rastro do Infinito no Rosto de Outrem. Sendo assim, uma visão permaneceria, porque antecedida pelo choro agostiniano. A suplementariedade do feminino vem, então, suplementar a visão do cego que vê a luz sobrenatural. Ela está nas lágrimas associadas à sensibilidade da mulher, que não deixam os olhos externos nem ver nem deixar de ver. Com isso, o feminino passa à condição de impossibilidade da hospitalidade: é preciso ser cega chorosa para receber Outrem. Segue-se desse deslocamento da razão à sensibilidade, a necessidade de se discutir como a mulher e feminino se articulam no acolhimento. Derrida, ao ler as obras de Levinas, oferece duas leituras que se distinguem pela associação \"das mulheres empíricas de fato\" à hipérbole androcêntrica, e do \"ser feminino\" à hipérbole feminista. A primeira leitura acusa as privações que as mulheres sofrem como alteridade que sustenta uma ética da qual não lhes é permitido participar. Elas são sacrificadas, tal como as bruxas, para que os homens possam (con)fraternizar. Nessa interpretação, o acolhimento é tratado como trabalho, cujas demandas por visibilidade se alocam nas estratégias em voga pelo fim da subordinação das mulheres. Mas existe uma outra leitura possível para aquela que é sensível em oposição ao inteligível (chorosa), que não tem acesso à intuição de essência em contraposição ao vidente (cega), aquela que deve ser sacrificada em oposição ao que transcende (bruxa): o Manifesto Feminista. Este deve assumir a invisibilidade de um feminino enquanto tempo messiânico que retorna, sem reproduzir as mesmas situações de opressão, para trazer, com a novidade, a libertação |
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Hospitalidade oferecida pelas lágrimas da cega: Jacques Derrida e a habitação do femininoHospitality offered by the tears of the blind woman: Jacques Derrida and the dwelling of the feminineEmmanuel LevinasEmmanuel LevinasEthics of the welcomeÉtica do acolhimentoHospitalidadeHospitalityJacques DerridaJacques DerridaMulher-femininoWoman-feminineQue o feminino participe da noção de hospitalidade nas obras de Jacques Derrida não é mero acaso, apesar de nem sempre ser considerado. Talvez isso se deva à invisibilidade que o caracteriza. Trata-se, como diz o filósofo, de uma hipótese suplementar. Assim, antes de constituir uma contingência cultural, o feminino é alçado à condição de (im)possibilidade. Fazendo-se, portanto, como sustentáculo do que é deixado de fora. Desse modo, busca-se compreender tal posição em consonância com sua aporia. Para tanto, em primeiro lugar, mostra-se como nos seus primeiros trabalhos, Derrida desconstrói a constituição da subjetividade husserliana, denunciando uma abertura na fenomenologia quando esta parecia fechada ao outro. Essa interrupção do sujeito que se afirmava em presença conquistando as propriedades por uma visão do mundo, revela antes, um cego, que tem a capacidade de receber o outro. Por sua vez, este é deslocado para a cegueira da mulher num movimento que não realiza uma simples inversão, pois depende de uma noção de temporalidade na qual passado-presente-futuro se dobram num instante: tempo messiânico. Em seguida, ao analisar essa subjetividade que teve sua visão sacrificada, percebe-se que ela transcende ao passado imemorial, posto que é perseguida por uma alteridade que demanda compartilhamento de suas propriedades. Nesse sentido, perdê-las passa a ser uma necessidade para receber o outro. Por isso, Derrida compara as subjetividades de Levinas e Pascal. Nessa tradição, encontrou-se uma suplementariedade da visão, na qual a cegueira externa é substituída pelos olhos do coração, cuja operacionalidade daria acesso ao rastro do Infinito no Rosto de Outrem. Sendo assim, uma visão permaneceria, porque antecedida pelo choro agostiniano. A suplementariedade do feminino vem, então, suplementar a visão do cego que vê a luz sobrenatural. Ela está nas lágrimas associadas à sensibilidade da mulher, que não deixam os olhos externos nem ver nem deixar de ver. Com isso, o feminino passa à condição de impossibilidade da hospitalidade: é preciso ser cega chorosa para receber Outrem. Segue-se desse deslocamento da razão à sensibilidade, a necessidade de se discutir como a mulher e feminino se articulam no acolhimento. Derrida, ao ler as obras de Levinas, oferece duas leituras que se distinguem pela associação \"das mulheres empíricas de fato\" à hipérbole androcêntrica, e do \"ser feminino\" à hipérbole feminista. A primeira leitura acusa as privações que as mulheres sofrem como alteridade que sustenta uma ética da qual não lhes é permitido participar. Elas são sacrificadas, tal como as bruxas, para que os homens possam (con)fraternizar. Nessa interpretação, o acolhimento é tratado como trabalho, cujas demandas por visibilidade se alocam nas estratégias em voga pelo fim da subordinação das mulheres. Mas existe uma outra leitura possível para aquela que é sensível em oposição ao inteligível (chorosa), que não tem acesso à intuição de essência em contraposição ao vidente (cega), aquela que deve ser sacrificada em oposição ao que transcende (bruxa): o Manifesto Feminista. Este deve assumir a invisibilidade de um feminino enquanto tempo messiânico que retorna, sem reproduzir as mesmas situações de opressão, para trazer, com a novidade, a libertaçãoIt is not fortuity that the feminine participates in Jacques Derrida\'s thought of hospitality, although it is not always considered. Perhaps this is due to the invisibility that characterizes it. According to the philosopher, it is a supplementary hypothesis. Thereby, rather than a cultural contingency, the feminine is elevated to the condition of (im)possibility: a support for what is left out. In this way, this work aims to understand this position in consonance with its aporia. Firstly, it is shown in his early work how Derrida\'s deconstruction of the Husserlian subjectivity reports an opening in phenomenology that remains, seemingly, closed to the other. This interruption of the subject who stated himself in presence - gaining properties through a sight of the world - reveals the blind man who has the capacity to receive the other. Therewithal, he is displaced towards the woman\'s blindness, within a movement that does not carry out a simple inversion, as it depends on a temporality in which pastpresent- future are folded in an instant: messianic time. When analyzing the subjectivity whose sight has been sacrificed afterwards, one realizes that it transcends into the immemorial past, since it is persecuted by an alterity that demands sharing its properties. Losing them becomes a necessity to receive the other, therefore, Derrida compares the subjectivities of Levinas and Pascal. Consequently, a supplementary aspect of sight was found in this tradition, in which external blindness is replaced by the eyes of the heart, whose operability would give access to the trace of the Infinite on the Face of the Other. Therefore, the blind man remains a visionary, because it is preceded by the Augustinian cry. The supplementary of the feminine comes, then, to supplement the sight of the blind man who sees the supernatural light. Associated with the woman\'s sensibility, the tears are those allow the external eyes neither seeing nor unseeing. The feminine becomes the impossibility of the hospitality: to receive Other it is necessary to be blind and cry. The detour from reason to sensibility results in a necessary discussion of how women and feminine interact in welcome. Derrida, reading Levinas\'s works, offers two interpretations that are distinguished by the association with the \"fact of empirical women\" to androcentric hyperbole; and with \"the feminine being\" to feminist hyperbole. The first reading accuses the deprivations that women suffer as alterity that supports an ethics in which they are not allowed to participate. They are sacrificed, just like the witches, so that men can (con)fraternize. In this interpretation, welcome is treated as work, whose demands for visibility are allocated to the strategies in vogue for the end of women\'s subordination. But there is another possible of reading: the one that is sensitive in opposition to the intelligible (tearful), the one does not have access to the intuition of essence in contrast to the seer (blind), the one that must be sacrificed in opposition to whom transcends (witch). That\'s the Feminist Manifesto. It must assume the invisibility of a feminine as a messianic time that returns, without reproducing the same situations of oppression, to bring, with the novelty, freedomBiblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPCardoso, SergioPiazzolla, Mariana Di Stella2023-12-11info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-26062024-185711/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2024-06-27T11:39:02Zoai:teses.usp.br:tde-26062024-185711Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212024-06-27T11:39:02Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false |
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