Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Marcussi, Alexandre Almeida
Data de Publicação: 2015
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11112015-134749/
Resumo: Este trabalho consiste em uma análise das práticas religiosas de origem africana conhecidas como calundus, denominação aplicada a cerimônias bastante disseminadas na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, frequentadas por africanos, afrodescendentes e brancos. Os calundus possuíam funções eminentemente divinatórias e terapêuticas, e suas origens culturais remontavam às práticas religiosas das sociedades ambundas e bacongas da África Centro-Ocidental. Partindo da análise de um processo movido pela Inquisição de Lisboa contra Luzia Pinta, praticante de calundus na região de Sabará, Minas Gerais, em meados do século XVIII, esta pesquisa intenta esclarecer os sentidos sociais e simbólicos dessa prática terapêutica afro-luso-americana. O caso de Luzia Pinta é abordado de forma mais verticalizada, mas também é comparado a outras ocorrências de calundus registradas nos territórios da Bahia e de Minas Gerais entre os séculos XVII e XVIII, com o intuito de compor uma análise mais abrangente a respeito dessa prática devocional. A descrição morfológica dos calundus procura ressaltar sua heterogeneidade formal e a fluidez de suas fronteiras em relação a outras práticas religiosas do universo cultural luso-americano. A análise de sua simbologia subjacente evidencia que a categoria cosmológica que fundamentava essa prática devocional era a ancestralidade, na medida em que o rito consistia em uma tentativa de reatar os laços espirituais entre os africanos e seus antepassados, rompidos pelas dinâmicas do comércio de escravos. A tese empreende também uma discussão a respeito dos papéis ocupados por essa prática religiosa na sociedade imperial portuguesa, abordando as relações que os calundus e seus praticantes mantinham com alguns dos principais fenômenos e instituições que estruturavam a sociedade luso-americana, como a religião católica e a escravidão. Pretende-se evidenciar como, entre os séculos XVII e XVIII, os calundus codificaram uma complexa visão de mundo elaborada pelos centro-africanos na América, por meio da qual eles manifestaram sua perspectiva a respeito da escravidão e elaboraram projetos políticos alternativos ancorados em uma consciência histórica utópica. A perspectiva africana sobre o cativeiro, representada pela terapêutica dos calundus, configurou uma importante ameaça simbólica contra a ideologia que legitimava moralmente a existência da escravidão na América portuguesa a partir de um discurso construído usando as categorias da teologia católica. A tese pretende analisar os embates entre calunduzeiros e instituições de repressão religiosa como aspectos de um debate político, intelectual e ideológico, travado no idioma da religião, que dizia respeito à existência e à legitimidade do cativeiro no mundo imperial português.
id USP_322a673b1e3ee36cab5194e41f3f4a19
oai_identifier_str oai:teses.usp.br:tde-11112015-134749
network_acronym_str USP
network_name_str Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
repository_id_str 2721
spelling Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIIICaptivity and cure: religious experiences of Atlantic slavery on Luzia Pintas calundus, 17th-18th centuriesAfrican-American religionsCalunduCalunduEscravidãoIdeologia escravistaIdeology of slaveryInquisiçãoInquisitionReligiões afro-brasileirasSlaveryEste trabalho consiste em uma análise das práticas religiosas de origem africana conhecidas como calundus, denominação aplicada a cerimônias bastante disseminadas na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, frequentadas por africanos, afrodescendentes e brancos. Os calundus possuíam funções eminentemente divinatórias e terapêuticas, e suas origens culturais remontavam às práticas religiosas das sociedades ambundas e bacongas da África Centro-Ocidental. Partindo da análise de um processo movido pela Inquisição de Lisboa contra Luzia Pinta, praticante de calundus na região de Sabará, Minas Gerais, em meados do século XVIII, esta pesquisa intenta esclarecer os sentidos sociais e simbólicos dessa prática terapêutica afro-luso-americana. O caso de Luzia Pinta é abordado de forma mais verticalizada, mas também é comparado a outras ocorrências de calundus registradas nos territórios da Bahia e de Minas Gerais entre os séculos XVII e XVIII, com o intuito de compor uma análise mais abrangente a respeito dessa prática devocional. A descrição morfológica dos calundus procura ressaltar sua heterogeneidade formal e a fluidez de suas fronteiras em relação a outras práticas religiosas do universo cultural luso-americano. A análise de sua simbologia subjacente evidencia que a categoria cosmológica que fundamentava essa prática devocional era a ancestralidade, na medida em que o rito consistia em uma tentativa de reatar os laços espirituais entre os africanos e seus antepassados, rompidos pelas dinâmicas do comércio de escravos. A tese empreende também uma discussão a respeito dos papéis ocupados por essa prática religiosa na sociedade imperial portuguesa, abordando as relações que os calundus e seus praticantes mantinham com alguns dos principais fenômenos e instituições que estruturavam a sociedade luso-americana, como a religião católica e a escravidão. Pretende-se evidenciar como, entre os séculos XVII e XVIII, os calundus codificaram uma complexa visão de mundo elaborada pelos centro-africanos na América, por meio da qual eles manifestaram sua perspectiva a respeito da escravidão e elaboraram projetos políticos alternativos ancorados em uma consciência histórica utópica. A perspectiva africana sobre o cativeiro, representada pela terapêutica dos calundus, configurou uma importante ameaça simbólica contra a ideologia que legitimava moralmente a existência da escravidão na América portuguesa a partir de um discurso construído usando as categorias da teologia católica. A tese pretende analisar os embates entre calunduzeiros e instituições de repressão religiosa como aspectos de um debate político, intelectual e ideológico, travado no idioma da religião, que dizia respeito à existência e à legitimidade do cativeiro no mundo imperial português.This study focuses African-American religious practices known as calundus, which existed in many parts of Brazil during the 17th and 18th centuries and were attended by Africans, American-born black people and the white population alike. The aims of the calundus were mainly divinatory and therapeutical, and their origins lie in Mbundu and Bakongo religious pratices from West Central Africa. This research is based on the analyses of the inquisitorial process of Luzia Pinta, a practitioner of calundus in the region of Sabará (Minas Gerais) during the 18th century, and it intends to clarify the social and symbolic meanings associated to this form of African-Brazilian therepeutical practice. Luzia Pintas case is analysed thoroughly, but it is also compared to further occurrences of calundus registered by ecclesiastical authorities in Bahia and Minas Gerais during the 17th and 18th centuries. Such a comparison aims to broaden the scope and applicability of the conclusions of this study beyond the particular case of Luzia Pinta. The morphological description of the calundus aims to show the diversity of its manifestations e the fluid boundaries between them and other religious practices in the Brazilian culture of the time. The analysis of its symbolical dimensions reveals ancestrality as the fundamental cosmological notion underlying this devotional practice, as the ritual attempted to reforge spiritual links between Africans and their ancestors, broken by the dynamics of the slave trade. The thesis also discusses the roles played by this religious practice in Brazilian colonial society, investigating how the calundus and their devotees related themselves to some of the most relevant aspects and institutions of Brazilian colonial society, such as the catholic religion and slavery. Between the 17th and 18th centuries in Brazil, calundus have become a ritual language through which West Central Africans in America manifested a complex worldview, elaborated their perspectives and thoughts regarding slavery, and were able to put together alternative political projects anchored on an utopian historical conscience. The African perspective on captivity, represented by the calundus, was an important symbolical threat to the ideology which used theological concepts and ideas to give slavery its moral legitimacy in Brazil. This study aims to analyse the conflicts between practitioners of calundus and institutions of religious repression as aspects of a broader political, intellectual and ideological debate over the existance and legitimacy of slavery in the Portuguese Atlantic territories, a debate which manifested itself in a religious language.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPSouza, Marina de Mello eMarcussi, Alexandre Almeida2015-08-07info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11112015-134749/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2016-07-28T16:11:58Zoai:teses.usp.br:tde-11112015-134749Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212016-07-28T16:11:58Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
dc.title.none.fl_str_mv Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
Captivity and cure: religious experiences of Atlantic slavery on Luzia Pintas calundus, 17th-18th centuries
title Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
spellingShingle Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
Marcussi, Alexandre Almeida
African-American religions
Calundu
Calundu
Escravidão
Ideologia escravista
Ideology of slavery
Inquisição
Inquisition
Religiões afro-brasileiras
Slavery
title_short Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
title_full Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
title_fullStr Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
title_full_unstemmed Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
title_sort Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus de Luzia Pinta, séculos XVII-XVIII
author Marcussi, Alexandre Almeida
author_facet Marcussi, Alexandre Almeida
author_role author
dc.contributor.none.fl_str_mv Souza, Marina de Mello e
dc.contributor.author.fl_str_mv Marcussi, Alexandre Almeida
dc.subject.por.fl_str_mv African-American religions
Calundu
Calundu
Escravidão
Ideologia escravista
Ideology of slavery
Inquisição
Inquisition
Religiões afro-brasileiras
Slavery
topic African-American religions
Calundu
Calundu
Escravidão
Ideologia escravista
Ideology of slavery
Inquisição
Inquisition
Religiões afro-brasileiras
Slavery
description Este trabalho consiste em uma análise das práticas religiosas de origem africana conhecidas como calundus, denominação aplicada a cerimônias bastante disseminadas na América portuguesa entre os séculos XVII e XVIII, frequentadas por africanos, afrodescendentes e brancos. Os calundus possuíam funções eminentemente divinatórias e terapêuticas, e suas origens culturais remontavam às práticas religiosas das sociedades ambundas e bacongas da África Centro-Ocidental. Partindo da análise de um processo movido pela Inquisição de Lisboa contra Luzia Pinta, praticante de calundus na região de Sabará, Minas Gerais, em meados do século XVIII, esta pesquisa intenta esclarecer os sentidos sociais e simbólicos dessa prática terapêutica afro-luso-americana. O caso de Luzia Pinta é abordado de forma mais verticalizada, mas também é comparado a outras ocorrências de calundus registradas nos territórios da Bahia e de Minas Gerais entre os séculos XVII e XVIII, com o intuito de compor uma análise mais abrangente a respeito dessa prática devocional. A descrição morfológica dos calundus procura ressaltar sua heterogeneidade formal e a fluidez de suas fronteiras em relação a outras práticas religiosas do universo cultural luso-americano. A análise de sua simbologia subjacente evidencia que a categoria cosmológica que fundamentava essa prática devocional era a ancestralidade, na medida em que o rito consistia em uma tentativa de reatar os laços espirituais entre os africanos e seus antepassados, rompidos pelas dinâmicas do comércio de escravos. A tese empreende também uma discussão a respeito dos papéis ocupados por essa prática religiosa na sociedade imperial portuguesa, abordando as relações que os calundus e seus praticantes mantinham com alguns dos principais fenômenos e instituições que estruturavam a sociedade luso-americana, como a religião católica e a escravidão. Pretende-se evidenciar como, entre os séculos XVII e XVIII, os calundus codificaram uma complexa visão de mundo elaborada pelos centro-africanos na América, por meio da qual eles manifestaram sua perspectiva a respeito da escravidão e elaboraram projetos políticos alternativos ancorados em uma consciência histórica utópica. A perspectiva africana sobre o cativeiro, representada pela terapêutica dos calundus, configurou uma importante ameaça simbólica contra a ideologia que legitimava moralmente a existência da escravidão na América portuguesa a partir de um discurso construído usando as categorias da teologia católica. A tese pretende analisar os embates entre calunduzeiros e instituições de repressão religiosa como aspectos de um debate político, intelectual e ideológico, travado no idioma da religião, que dizia respeito à existência e à legitimidade do cativeiro no mundo imperial português.
publishDate 2015
dc.date.none.fl_str_mv 2015-08-07
dc.type.status.fl_str_mv info:eu-repo/semantics/publishedVersion
dc.type.driver.fl_str_mv info:eu-repo/semantics/doctoralThesis
format doctoralThesis
status_str publishedVersion
dc.identifier.uri.fl_str_mv http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11112015-134749/
url http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-11112015-134749/
dc.language.iso.fl_str_mv por
language por
dc.relation.none.fl_str_mv
dc.rights.driver.fl_str_mv Liberar o conteúdo para acesso público.
info:eu-repo/semantics/openAccess
rights_invalid_str_mv Liberar o conteúdo para acesso público.
eu_rights_str_mv openAccess
dc.format.none.fl_str_mv application/pdf
dc.coverage.none.fl_str_mv
dc.publisher.none.fl_str_mv Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
publisher.none.fl_str_mv Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
dc.source.none.fl_str_mv
reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
instname:Universidade de São Paulo (USP)
instacron:USP
instname_str Universidade de São Paulo (USP)
instacron_str USP
institution USP
reponame_str Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
collection Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
repository.name.fl_str_mv Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)
repository.mail.fl_str_mv virginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.br
_version_ 1809090630969720832