Punição e estrutura social brasileira

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Alemany, Fernando Russano
Data de Publicação: 2019
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-02072020-153548/
Resumo: Em 1939, foi publicada Punição e estrutura social, de Georg Rusche e Otto Kirschheimer, obra fundamental da criminologia, que assinala a apropriação dos estudos da punição pelo marxismo. Em 2019, oitenta anos depois, o legado de Punição e estrutura social continua pouco explorado no Brasil. O objetivo deste trabalho é suprimir essa carência, contribuindo para a fundação de uma interpretação materialista da realidade punitiva brasileira. O texto está dividido em dois capítulos, além da introdução. Nesta, analiso a tese central de Punição e estrutura social, segundo a qual as dinâmicas do mercado de trabalho (escassez/excesso de mão de obra, aumento/queda dos salários) determinam as formas (o caráter e a intensidade) da punição no capitalismo. Embora imprescindível como ponto de partida, essa tese não dá conta de explicar a dinâmica atual da punição. O destaque unilateral que Rusche e Kirschheimer dão aos movimentos da esfera da circulação, negligenciando a dinâmica da produção da vida material, oculta o seu caráter eminentemente histórico, não permitindo ver como as transformações no modo de produção se expressam em transformações nas formas de regulação da vida social. Para superar essa limitação, busco ressaltar a natureza política da punição, a sua funcionalidade como instrumento de pressão sobre os salários (desvinculação entre valor e preço da força de trabalho), causa sui generis de contra-arraste à tendência de queda da taxa de lucro. No primeiro capítulo, busco desvendar a especificidade (sentido) da punição nas sociedades de capitalismo dependente. Recorrendo às categorias de O capital de Marx, à literatura sobre o imperialismo (Luxemburg, Hilferding, Bukharin, Lenin) e à vertente marxista da teoria da dependência (Marini, Bambirra, Santos), concluo que, nas economias dependentes, a necessidade de superexplorar a força de trabalho para compensar as transferências de valor para as economias imperialistas exige um esforço político por parte de suas burguesias para preservar o regime de acumulação por espoliação (Harvey) do fundo de consumo dos trabalhadores. Esse objetivo é alcançado através da instrumentalização das agências do sistema penal (polícia, justiça, prisão), contra as quais a classe trabalhadora, desorganizada, não é capaz de opor resistência, cedendo à pressão capitalista. Via de regra, portanto, a punição recrudesce sempre que se eleva a superexploração da força de trabalho, independentemente do \"estado da economia\" (Jankovic) ou do caráter da política social do Estado (Wacquant). No segundo capítulo, sumarizo a evolução (história) dos sistemas penais brasileiros. A partir da categoria de padrão de reprodução do capital (Osorio), divido a história do Brasil em quatro períodos: economia colonial (1500-1850), economia primário-exportadora (1850-1930), economia industrial (1930-1980) e \"nova\" economia exportadora (1980-atualmente), indicando, em cada um deles, as formas predominantes da punição. Durante o período colonial, a centralidade do latifúndio monocultor escravista (Prado Júnior) e a relação proprietário-coisa estabelecida entre senhores e escravos (Gorender) exigiram que os senhores de terras se incumbissem, privadamente, da tarefa de reprimir a força de trabalho. Após a independência, até o fim da Primeira República, a demora na abolição da escravidão permitiu que o exercício privado da punição fosse preservado nas regiões que perseveraram na exploração do trabalho escravo. Nas zonas rurais decadentes, o coronelismo (Leal) e a dominação pessoal (Franco), imperante na relação entre os senhores e os agregados de suas terras, levaram ao surgimento de milícias privadas sobrepostas ao poder do Estado. Concomitantemente, a necessidade de constituir uma classe de trabalhadores livres impulsionou a repressão estatal contra a economia rural de subsistência (Lei de Terras, recrutamento forçado), bem como a integração subordina do negro no sistema mais amplo de relações de produção (Fernandes),via de regra, na fração estagnada do exército industrial de reserva. A partir de 1930, com a industrialização, até o final da ditadura militar, fatores como o crescimento urbano e o desenvolvimento industrial associado ao capital estrangeiro (subimperialismo) conduziram a um aumento expressivo dessa fração da superpopulação relativa. Esses trabalhadores, para sobreviverem, produzem bens e serviços que são vendidos no mercado informal abaixo de seu valor real (Oliveira, Kowarick), o que permite atenuar os efeitos da superexploração sobre os trabalhadores do exército industrial da ativa. São os superexplorados dentre os superexplorados, alvos preferencias do sistema penal, selecionados por critério racial e territorial: são os negros e moradores das periferias. Para cumprir essa nova função, o sistema penal é reformado: surgem as polícias militares (Fernandes, Battibugli, Guerra), intensificase o recurso às prisões correcionais (Fausto, Teixeira). Finalmente, desde a década de 1980 até os dias de hoje, vamos assistindo à conformação do capitalismo brasileiro a um novo padrão de reprodução do capital. A volta de certas características da economia exportadora e a especialização produtiva têm conduzido a economia brasileira à desindustrialização, ao aumento do investimento puramente fictício de capital (Carcanholo), ao crescimento do exército industrial de reserva e, de maneira geral, ao aumento da superexploração da força de trabalho. Mesmo o último ciclo de crescimento da economia dependente não foi capaz de deter essa tendência, que se confirma, novamente, com o recrudescimento do sistema penal, agora sob a forma do aumento da violência policial e do encarceramento em massa. Desta feita, a oposição entre trabalhadores e bandidos (Feltran) atua no sentido de jogar a classe trabalhadora contra si própria, numa espiral de violência que não pode ser superada senão com a superação da dependência, que a porta como uma necessidade histórica.
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Embora imprescindível como ponto de partida, essa tese não dá conta de explicar a dinâmica atual da punição. O destaque unilateral que Rusche e Kirschheimer dão aos movimentos da esfera da circulação, negligenciando a dinâmica da produção da vida material, oculta o seu caráter eminentemente histórico, não permitindo ver como as transformações no modo de produção se expressam em transformações nas formas de regulação da vida social. Para superar essa limitação, busco ressaltar a natureza política da punição, a sua funcionalidade como instrumento de pressão sobre os salários (desvinculação entre valor e preço da força de trabalho), causa sui generis de contra-arraste à tendência de queda da taxa de lucro. No primeiro capítulo, busco desvendar a especificidade (sentido) da punição nas sociedades de capitalismo dependente. Recorrendo às categorias de O capital de Marx, à literatura sobre o imperialismo (Luxemburg, Hilferding, Bukharin, Lenin) e à vertente marxista da teoria da dependência (Marini, Bambirra, Santos), concluo que, nas economias dependentes, a necessidade de superexplorar a força de trabalho para compensar as transferências de valor para as economias imperialistas exige um esforço político por parte de suas burguesias para preservar o regime de acumulação por espoliação (Harvey) do fundo de consumo dos trabalhadores. Esse objetivo é alcançado através da instrumentalização das agências do sistema penal (polícia, justiça, prisão), contra as quais a classe trabalhadora, desorganizada, não é capaz de opor resistência, cedendo à pressão capitalista. Via de regra, portanto, a punição recrudesce sempre que se eleva a superexploração da força de trabalho, independentemente do \"estado da economia\" (Jankovic) ou do caráter da política social do Estado (Wacquant). No segundo capítulo, sumarizo a evolução (história) dos sistemas penais brasileiros. A partir da categoria de padrão de reprodução do capital (Osorio), divido a história do Brasil em quatro períodos: economia colonial (1500-1850), economia primário-exportadora (1850-1930), economia industrial (1930-1980) e \"nova\" economia exportadora (1980-atualmente), indicando, em cada um deles, as formas predominantes da punição. Durante o período colonial, a centralidade do latifúndio monocultor escravista (Prado Júnior) e a relação proprietário-coisa estabelecida entre senhores e escravos (Gorender) exigiram que os senhores de terras se incumbissem, privadamente, da tarefa de reprimir a força de trabalho. Após a independência, até o fim da Primeira República, a demora na abolição da escravidão permitiu que o exercício privado da punição fosse preservado nas regiões que perseveraram na exploração do trabalho escravo. 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Esses trabalhadores, para sobreviverem, produzem bens e serviços que são vendidos no mercado informal abaixo de seu valor real (Oliveira, Kowarick), o que permite atenuar os efeitos da superexploração sobre os trabalhadores do exército industrial da ativa. São os superexplorados dentre os superexplorados, alvos preferencias do sistema penal, selecionados por critério racial e territorial: são os negros e moradores das periferias. Para cumprir essa nova função, o sistema penal é reformado: surgem as polícias militares (Fernandes, Battibugli, Guerra), intensificase o recurso às prisões correcionais (Fausto, Teixeira). Finalmente, desde a década de 1980 até os dias de hoje, vamos assistindo à conformação do capitalismo brasileiro a um novo padrão de reprodução do capital. A volta de certas características da economia exportadora e a especialização produtiva têm conduzido a economia brasileira à desindustrialização, ao aumento do investimento puramente fictício de capital (Carcanholo), ao crescimento do exército industrial de reserva e, de maneira geral, ao aumento da superexploração da força de trabalho. Mesmo o último ciclo de crescimento da economia dependente não foi capaz de deter essa tendência, que se confirma, novamente, com o recrudescimento do sistema penal, agora sob a forma do aumento da violência policial e do encarceramento em massa. Desta feita, a oposição entre trabalhadores e bandidos (Feltran) atua no sentido de jogar a classe trabalhadora contra si própria, numa espiral de violência que não pode ser superada senão com a superação da dependência, que a porta como uma necessidade histórica.In 1939, it was published Punishment and social structure, written by Georg Rusche and Otto Kirschheimer, a fundamental work of criminology, that marks the uptake of the studies of punishment by Marxism. In 2019, eighty years later, the legacy of Punishment and social structure remains little explored in Brazil. The objective of this work is to suppress this lack, contributing to the foundation of a materialistic interpretation of Brazilian punitive reality. The text is divided into two chapters beyond the introduction. In this part, I analyze the central thesis of Punishment and social structure, according to which the dynamics of the labor market (scarcity/surplus of labor, increase/fall in wages) determine the forms (character and intensity) of punishment in capitalism. Although essential as a starting point, this thesis does not explain the current dynamics of punishment. The unilateral standpoint that Rusche and Kirschheimer give to the movements of the sphere of circulation, neglecting the dynamics of the production of material life, conceals its eminently historical character, not allowing to see how the transformations in the mode of production are expressed in transformations in the forms of regulation of the social life. To overcome this limitation, I seek to emphasize the political nature of punishment, its functionality as an instrument of pressure on wages (dissociation between value and price of the labor force), a sui generis cause of counter-trend to the tendency of fall of the rate of profit. In the first chapter, I try to unravel the specificity (meaning) of punishment in societies of dependent capitalism. Using the categories of Marx\'s Capital, the literature on imperialism (Luxemburg, Hilferding, Bukharin, Lenin) and the Marxist branch of dependency theory (Marini, Bambirra, Santos), I conclude that, in dependent economies, the need to overexploit the labor force to compensate the transfer of value to the imperialist economies requires a political effort from part of its bourgeoisie in order to preserve the regime of accumulation by spoliation (Harvey) of the worker\'s consumption fund. This objective is achieved through the instrumentalization of agencies that constitute the penal system (police, justice, prison), against which the disorganized working class is not able to resist, yielding to capitalist pressure. As a rule, therefore, punishment increases whenever the overexploitation of the labor force rises, regardless of the \"state of the economy\" (Jankovic) or the character of the social policy of the state (Wacquant). In the second chapter, I summarize the evolution (history) of Brazilian penal systems. Starting from the category of pattern of reproduction of capital (Osorio), I divide Brazilian history in four periods: colonial economy (1500-1850), primary-export economy (1850-1930), industrial economy (1930-1980), and \"new\" export economy (1980-present), indicating in each of them the predominant forms of punishment. During the colonial period, the centrality of the slave-owning monoculture (Prado Júnior) and the owner-thing relationship established between masters and slaves (Gorender) demanded that the landlords privately take on the task of repressing the labor force. After independence, until the end of the First Republic, the postponement in the abolition of slavery allowed the preservation of private exercise of punishment in regions that persevered in the exploitation of slave labor. In decadent rural areas, coronelismo (Leal) and personal domination (Franco), prevailing in the relationship between the lords and the occupiers of their lands, led to the emergence of private militias superimposed on the power of the state. At the same time, the need to constitute a class of free workers has driven state repression against the subsistence rural economy (Land Law, forced recruitment), as well as the subordinate integration of black people into the wider system of relations of production (Fernandes), as a rule, in the stagnant fraction of the reserve industrial army. From 1930, with industrialization, until the end of the military dictatorship, factors such as urban growthand industrial development associated with foreign capital (subimperialism) led to an expressive increase in this fraction of relative overpopulation. These workers, in order to survive, produce goods and services that are sold in the informal market below their real value (Oliveira, Kowarick), which alleviates the effects of overexploitation on workers of the active industrial army. They are the overexplited amog the overexploited, the main targets of the penal system, selected by racial and territorial criteria: black people and the residents of the peripheries. In order to fulfill this new function, the penal system is reformed: the military police arise (Fernandes, Battibugli, Guerra), the use of correctional prisons is intensified (Fausto, Teixeira). Finally, since the 1980s to this day, we continue to spectate Finally, from the 1980s until the present day, we are witnessing the conformation of Brazilian capitalism to a new pattern of reproduction of capital. The return of certain characteristics of the export economy and the specialization of production have led the Brazilian economy to deindustrialization, the increase of the purely fictitious capital investment (Carcanholo), the growth of the reserve industrial army and, in a general way, the increase of the overexploitation of labor force. Even the last cycle of growth of the dependent economy has not been able to stop this trend, which is again confirmed by the recrudescence of the penal system, now in the form of increased police violence and mass incarceration. This time, the opposition between workers and thieves (Feltran) acts in the sense of throwing the working class against itself, in a spiral of violence that can only be overcome with the overcoming of dependence, which brings it as a historical necessity.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPSalvador Netto, Alamiro VelludoAlemany, Fernando Russano2019-07-25info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-02072020-153548/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2024-08-06T14:49:02Zoai:teses.usp.br:tde-02072020-153548Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212024-08-06T14:49:02Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
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O destaque unilateral que Rusche e Kirschheimer dão aos movimentos da esfera da circulação, negligenciando a dinâmica da produção da vida material, oculta o seu caráter eminentemente histórico, não permitindo ver como as transformações no modo de produção se expressam em transformações nas formas de regulação da vida social. Para superar essa limitação, busco ressaltar a natureza política da punição, a sua funcionalidade como instrumento de pressão sobre os salários (desvinculação entre valor e preço da força de trabalho), causa sui generis de contra-arraste à tendência de queda da taxa de lucro. No primeiro capítulo, busco desvendar a especificidade (sentido) da punição nas sociedades de capitalismo dependente. Recorrendo às categorias de O capital de Marx, à literatura sobre o imperialismo (Luxemburg, Hilferding, Bukharin, Lenin) e à vertente marxista da teoria da dependência (Marini, Bambirra, Santos), concluo que, nas economias dependentes, a necessidade de superexplorar a força de trabalho para compensar as transferências de valor para as economias imperialistas exige um esforço político por parte de suas burguesias para preservar o regime de acumulação por espoliação (Harvey) do fundo de consumo dos trabalhadores. Esse objetivo é alcançado através da instrumentalização das agências do sistema penal (polícia, justiça, prisão), contra as quais a classe trabalhadora, desorganizada, não é capaz de opor resistência, cedendo à pressão capitalista. Via de regra, portanto, a punição recrudesce sempre que se eleva a superexploração da força de trabalho, independentemente do \"estado da economia\" (Jankovic) ou do caráter da política social do Estado (Wacquant). No segundo capítulo, sumarizo a evolução (história) dos sistemas penais brasileiros. A partir da categoria de padrão de reprodução do capital (Osorio), divido a história do Brasil em quatro períodos: economia colonial (1500-1850), economia primário-exportadora (1850-1930), economia industrial (1930-1980) e \"nova\" economia exportadora (1980-atualmente), indicando, em cada um deles, as formas predominantes da punição. Durante o período colonial, a centralidade do latifúndio monocultor escravista (Prado Júnior) e a relação proprietário-coisa estabelecida entre senhores e escravos (Gorender) exigiram que os senhores de terras se incumbissem, privadamente, da tarefa de reprimir a força de trabalho. Após a independência, até o fim da Primeira República, a demora na abolição da escravidão permitiu que o exercício privado da punição fosse preservado nas regiões que perseveraram na exploração do trabalho escravo. Nas zonas rurais decadentes, o coronelismo (Leal) e a dominação pessoal (Franco), imperante na relação entre os senhores e os agregados de suas terras, levaram ao surgimento de milícias privadas sobrepostas ao poder do Estado. Concomitantemente, a necessidade de constituir uma classe de trabalhadores livres impulsionou a repressão estatal contra a economia rural de subsistência (Lei de Terras, recrutamento forçado), bem como a integração subordina do negro no sistema mais amplo de relações de produção (Fernandes),via de regra, na fração estagnada do exército industrial de reserva. A partir de 1930, com a industrialização, até o final da ditadura militar, fatores como o crescimento urbano e o desenvolvimento industrial associado ao capital estrangeiro (subimperialismo) conduziram a um aumento expressivo dessa fração da superpopulação relativa. Esses trabalhadores, para sobreviverem, produzem bens e serviços que são vendidos no mercado informal abaixo de seu valor real (Oliveira, Kowarick), o que permite atenuar os efeitos da superexploração sobre os trabalhadores do exército industrial da ativa. São os superexplorados dentre os superexplorados, alvos preferencias do sistema penal, selecionados por critério racial e territorial: são os negros e moradores das periferias. Para cumprir essa nova função, o sistema penal é reformado: surgem as polícias militares (Fernandes, Battibugli, Guerra), intensificase o recurso às prisões correcionais (Fausto, Teixeira). Finalmente, desde a década de 1980 até os dias de hoje, vamos assistindo à conformação do capitalismo brasileiro a um novo padrão de reprodução do capital. 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