Imagens divergentes, \"conciliação\" histórica: memória, melodrama e documentário nos filmes O que é isso, companheiro: E Hércules 56

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Fernando Seliprandy Fernandes
Data de Publicação: 2012
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://doi.org/10.11606/D.8.2012.tde-30082012-115331
Resumo: O melodrama histórico O que é isso, companheiro? (Bruno Barreto, 1997) e o documentário Hércules 56 (Silvio Da-Rin, 2006) adotam gêneros cinematográficos distintos para representar uma das mais importantes ações da luta armada durante o regime autoritário no Brasil (1964-1985): o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, promovido por MR-8 e ALN em 1969. Produzidos em tempos democráticos, os filmes têm o testemunho como matriz de suas imagens, e a tensão entre os gêneros já sugere, em si, uma disputa em torno da fidedignidade da memória. Adaptação do relato pessoal homônimo de Fernando Gabeira publicado em 1979, O que é isso, companheiro? mobiliza o modo melodramático hollywoodiano em uma encenação do acontecimento que vilaniza a guerrilha, distribui inocências aos sujeitos sociais e redime os torturadores. Nessa imagem desculpadora da memória, o passado é moralmente julgado como um lapso aberrante superado na década de 1990, quando governava a ordem (neo)liberal. Em resposta, Hércules 56 reúne os protagonistas da ação e os presos políticos libertados em troca do diplomata em uma montagem de entrevistas e imagens de arquivo cuja coesão tende a instituir a totalidade narrativa do sequestro e a unidade teleológica da luta armada em geral. Inclinado ao tom da celebração, o documentário realinha os sentidos dos atos passados, enquadrando-os na trilha do longo percurso rumo ao triunfo democrático-institucional do PT nos anos 2000. Presta, assim, justíssima homenagem à militância pretérita, mas acaba neutralizando o dissenso crítico e transformando a luta incisiva em relíquia de um tempo extinto. Embora essencialmente antagônicas em termos estéticos e ideológicos, a memória desculpação e a memória monumentalizante elegem de forma paralela as respectivas conjunturas de produção dos filmes como ápices do devir histórico, sem discordar significativamente acerca das bases concretas da conciliação democrática brasileira. Encerrada aquela história, o embate fica circunscrito ao âmbito das representações cinematográficas da memória, restando intocada a real permanência da impunidade das violações dos direitos humanos no Brasil.
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(Bruno Barreto, 1997) e o documentário Hércules 56 (Silvio Da-Rin, 2006) adotam gêneros cinematográficos distintos para representar uma das mais importantes ações da luta armada durante o regime autoritário no Brasil (1964-1985): o sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, promovido por MR-8 e ALN em 1969. Produzidos em tempos democráticos, os filmes têm o testemunho como matriz de suas imagens, e a tensão entre os gêneros já sugere, em si, uma disputa em torno da fidedignidade da memória. Adaptação do relato pessoal homônimo de Fernando Gabeira publicado em 1979, O que é isso, companheiro? mobiliza o modo melodramático hollywoodiano em uma encenação do acontecimento que vilaniza a guerrilha, distribui inocências aos sujeitos sociais e redime os torturadores. Nessa imagem desculpadora da memória, o passado é moralmente julgado como um lapso aberrante superado na década de 1990, quando governava a ordem (neo)liberal. Em resposta, Hércules 56 reúne os protagonistas da ação e os presos políticos libertados em troca do diplomata em uma montagem de entrevistas e imagens de arquivo cuja coesão tende a instituir a totalidade narrativa do sequestro e a unidade teleológica da luta armada em geral. Inclinado ao tom da celebração, o documentário realinha os sentidos dos atos passados, enquadrando-os na trilha do longo percurso rumo ao triunfo democrático-institucional do PT nos anos 2000. Presta, assim, justíssima homenagem à militância pretérita, mas acaba neutralizando o dissenso crítico e transformando a luta incisiva em relíquia de um tempo extinto. Embora essencialmente antagônicas em termos estéticos e ideológicos, a memória desculpação e a memória monumentalizante elegem de forma paralela as respectivas conjunturas de produção dos filmes como ápices do devir histórico, sem discordar significativamente acerca das bases concretas da conciliação democrática brasileira. Encerrada aquela história, o embate fica circunscrito ao âmbito das representações cinematográficas da memória, restando intocada a real permanência da impunidade das violações dos direitos humanos no Brasil. The historical melodrama Four days in September (Bruno Barreto, 1997) and the documentary Hércules 56 (Silvio Da-Rin, 2006) adopt different film genres to represent one of the most important actions of the guerrilla warfare throughout the authoritarian regime led by the military in Brazil (1964-1985): the kidnapping of the U.S. ambassador Charles Elbrick, carried out by MR-8 and ALN revolutionary organizations in 1969. Produced during democratic times, the underlying imagery and tension between genres of both films suggest, in themselves, a battle over the reliability of memory. Based on the 1979 memoir of Fernando Gabeira, Four days in September uses a melodramatic style to stage the event in a way that vilifies the left-wing guerrillas, confers innocence upon the social actors and redeems the torturers. In this apologist version of the memory, the past is morally judged as an abhorrent lapse that was totally overcome in the 1990s when the neoliberal order was in charge of the country. Reacting against this vision, the editing of Hércules 56 presents the kidnapping protagonists and the political prisoners freed in exchange for Mr. Elbrick in such a coherent way that both the interviews and the archive footage establish the full story of the episode along with the teleological unity of the entire political struggle opposed to the regime. Preferring to celebrate the accomplishment, the documentary realigns the meanings of these past acts, as if they had only set the stage for the electoral triumph of PT at the turn of the century. In doing so, the film pays homage to past militancy but the final outcome neutralizes critical controversy and turns the incisive uprising into a relic of a bygone era. Although aesthetically and ideologically opposed, the exculpatory and the monumentalizing memories run in parallel in each film, assuming their respective political junctures as the culmination of history and with no significant disagreements over the concrete foundations of the Brazilian democratic conciliation. In bringing this history to a close, the conflict stays enclosed inside the scope of the representations of memory on films, leaving behind the legacy of impunity for human rights violations in Brazil. https://doi.org/10.11606/D.8.2012.tde-30082012-115331info:eu-repo/semantics/openAccessporreponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USP2023-12-21T20:26:55Zoai:teses.usp.br:tde-30082012-115331Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212023-12-22T13:32:29.892499Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
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