Sentenciando tráfico: pânico moral e estado de negação formatando o papel dos juízes no grande encarceramento

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Semer, Marcelo
Data de Publicação: 2019
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-21082020-032044/
Resumo: O presente trabalho se propõe a discutir o papel do juiz na formação do grande encarceramento no Brasil, a partir de uma análise de decisões de tráfico de drogas, em pesquisa de campo realizada com 800 sentenças de 8 Estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Pará, Bahia e Maranhão). Nos capítulos introdutórios, discutese, em primeiro lugar, os modelos que estudaram a virada punitiva nas décadas finais do século XX, especialmente no hemisfério norte, como ponto de partida para o grande encarceramento. Nesse diapasão, são estudados os modelos de Loic Wacquant (perspectiva sócio-econômica), David Garland (perspectiva culturalista); Jonathan Simon (a perspectiva institucional), Michelle Alexandre (a perspectiva racial); Jock Young (perspectiva crítica, do realismo de esquerda), além de uma abordagem de Stuart Hall e parceiros do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade de Birmingham, que, sob uma perspectiva marxista e na análise da crise do capitalismo dos anos 1970, explicam o nascedouro do Estado policial moderno, ao qual o encarceramento em massa é tributário. Cotejando as distinções da realidade brasileira, enfocamos a compatibilidade dos modelos para compreender o nosso grande encarceramento que, a bem da verdade, mescla o populismo penal próprio dos novos tempos e o legado autoritário fruto das permanências históricas, sobretudo a longevidade da escravidão. Conclui-se pela necessidade de combinar o estudo das estruturas com o estudo das agências, estas com ênfase no fator juiz. As sentenças são analisadas sob duas chaves de leitura, que funcionam como aporte teórico, em conceitos trabalhados pelo sociólogo Stanley Cohen: o pânico moral e os estados de negação. Só os reflexos do pânico moral permitem a consideração dos juízes sobre uma tamanha gravidade do delito, que na realidade envolve réus primários, pobres, com pouca co-autoria, quase nenhuma associação, presos em flagrante na posse de quantias módicas de droga e dinheiro e quase nunca armados. Só o estado de negação permite superar o legado autoritário, fechar os olhos à plêiade de violências e corrupção policiais e confiar plenamente em uma prova frágil que se lastreia nas palavras de não mais que dois agentes. A pesquisa apura, sob o viés quantitativo, o exagero na aplicação das penas e prisões provisórias, e, ademais, uma regionalização indireta, com juízes de alguns Estados aplicando preferencialmente a jurisprudência de seus tribunais, mesmo que contrárias e mais rigorosas do que as os tribunais superiores. Há mais convergência do que divergência nas sentenças: um abuso do senso comum, um desprestígio da presunção de inocência e um tratamento tão diverso entre a verdade que se atribui a depoimentos e papéis policiais e a total ausência de credibilidade de réus e suas testemunhas. Aqui também agem as ramificações do pânico moral, em especial a construção social do traficante como inimigo público, a partir da adesão às crenças generalizadas e, sobretudo, a do estado de negação, a partir da desindividualização do policial e da desumanização da vítima.
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Nesse diapasão, são estudados os modelos de Loic Wacquant (perspectiva sócio-econômica), David Garland (perspectiva culturalista); Jonathan Simon (a perspectiva institucional), Michelle Alexandre (a perspectiva racial); Jock Young (perspectiva crítica, do realismo de esquerda), além de uma abordagem de Stuart Hall e parceiros do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade de Birmingham, que, sob uma perspectiva marxista e na análise da crise do capitalismo dos anos 1970, explicam o nascedouro do Estado policial moderno, ao qual o encarceramento em massa é tributário. Cotejando as distinções da realidade brasileira, enfocamos a compatibilidade dos modelos para compreender o nosso grande encarceramento que, a bem da verdade, mescla o populismo penal próprio dos novos tempos e o legado autoritário fruto das permanências históricas, sobretudo a longevidade da escravidão. Conclui-se pela necessidade de combinar o estudo das estruturas com o estudo das agências, estas com ênfase no fator juiz. As sentenças são analisadas sob duas chaves de leitura, que funcionam como aporte teórico, em conceitos trabalhados pelo sociólogo Stanley Cohen: o pânico moral e os estados de negação. Só os reflexos do pânico moral permitem a consideração dos juízes sobre uma tamanha gravidade do delito, que na realidade envolve réus primários, pobres, com pouca co-autoria, quase nenhuma associação, presos em flagrante na posse de quantias módicas de droga e dinheiro e quase nunca armados. Só o estado de negação permite superar o legado autoritário, fechar os olhos à plêiade de violências e corrupção policiais e confiar plenamente em uma prova frágil que se lastreia nas palavras de não mais que dois agentes. A pesquisa apura, sob o viés quantitativo, o exagero na aplicação das penas e prisões provisórias, e, ademais, uma regionalização indireta, com juízes de alguns Estados aplicando preferencialmente a jurisprudência de seus tribunais, mesmo que contrárias e mais rigorosas do que as os tribunais superiores. Há mais convergência do que divergência nas sentenças: um abuso do senso comum, um desprestígio da presunção de inocência e um tratamento tão diverso entre a verdade que se atribui a depoimentos e papéis policiais e a total ausência de credibilidade de réus e suas testemunhas. Aqui também agem as ramificações do pânico moral, em especial a construção social do traficante como inimigo público, a partir da adesão às crenças generalizadas e, sobretudo, a do estado de negação, a partir da desindividualização do policial e da desumanização da vítima.This paper proposes to discuss the role of the judges in the development of the great imprisonment on Brazil, based on an analysis of drug trafficking decisions, in empirical research carried out with 800 sentences from 8 states (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul , Paraná, Goiás, Pará, Bahia and Maranhão). In the introductory chapters, it discusses, first, the models that studied the punitive turn in the late twentieth century, especially in the northern hemisphere, with the starting point for the great incarceration. Within this range, the models of Loic Wacquant (socio-economic perspective), David Garland (culturalist perspective); Jonathan Simon (institutional perspective), Michelle Alexandre (racial perspective); Jock Young (critical perspective, by the Left Realism), and an approach by Stuart Hall and partners at the Center for Contemporary Culture Studies at the University of Birmingham, who, from a Marxist perspective and in the analysis of the capitalist crisis of the 1970s, explain the birth of the modern police state, to which mass incarceration is a consequence. Contrasting the distinctions of the Brazilian reality, the thesis focus on the compatibility of models to understand our great incarceration, which mixes the criminal populism of the new times and the authoritarian legacy resulting from historical permanences, especially the longevity of slavery. It is concluded that there is a need to combine the study of structures with the study of agencies, with emphasis on the Judiciary. The sentences are analyzed under two keys of reading, which serve as a theoretical contribution, in concepts worked by the sociologist Stanley Cohen: moral panic and the state of denial. Only the reflexes of moral panic allow judges to consider the seriousness of the crime, which in reality involves poor defendants, almost without partners, arrested in flagrante delicto with small amounts of drugs and money and rarely armed. Only the state of denial allows to overcome the authoritarian legacy, to close the eyes to the plethora of police violence and corruption, and to rely fully on a fragile evidence that stands in the testimony of no more than two agents. The investigation examines, in quantitative terms, the exaggeration in the application of provisional sentences and prisons, and indirect regionalization, with judges of some States preferentially applying the jurisprudence of their courts, even though they are contrary and stricter than the superior courts. There is more convergence than divergence in the sentences: an abuse of common sense, a discredit of presumption of innocence, and a different treatment of the truth that is attributed to testimony and police roles, and the total lack of credibility of defendants and their witnesses. Here too are the ramifications of moral panic, especially the social construction of the trafficker as a folk devil, based on adherence to generalized beliefs and, above all, the state of denial, from the deindividualization of the police and the dehumanization of the victim.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPDieter, Maurício StegemannSemer, Marcelo2019-03-19info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-21082020-032044/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2024-08-06T17:02:02Zoai:teses.usp.br:tde-21082020-032044Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212024-08-06T17:02:02Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
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