A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Torres, Aracele Lima
Data de Publicação: 2018
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-25032019-115902/
Resumo: Esse trabalho aborda a construção histórica de uma ideologia contemporânea que defende a visão de que a internet deveria ser aberta e livre. Essa ideologia, chamada por muitos autores de ideologia \"ciberlibertária\", possui um caráter híbrido e é defendida por grupos à direita e à esquerda do espectro político. A visão que a sustenta é produto de uma síntese de ideias da cibernética dos anos 1940, com um romantismo individualista característico da contracultura dos anos 1960, e o discurso neoliberal em ascensão nos Estados Unidos dos anos 1980. Essa síntese foi realizada principalmente pelo catálogo contracultural Whole Earth Catalog, publicado nos anos 1960 nos EUA, e propagada pela rede de pessoas que se articulou em torno desse catálogo e de suas publicações derivadas. Ela emergiu nos anos 1990 na região do Vale do Silício como uma ideologia, alimentando a bolha da internet e o discurso de que a rede era uma mídia excepcional, de caráter democrático e transparente, um espaço de exercício da liberdade e maior exemplo dos benefícios do livre mercado. Ao definir esse discurso como ideológico nós defendemos aqui que ele funciona como um campo de disputa pelo poder e legitimação, entre grupos sociais significativos, dentro da sociedade. Neste sentido, essa ideologia não estaria beneficiando de forma exclusiva nenhum dos grupos em disputa, mas obedeceria à dinâmica de luta pelo poder político, que ora coloca um grupo em vantagem, ora coloca outro. A tese de que essa ideologia está a serviço da direita neoliberal, defendida por alguns autores, é, portanto, rebatida aqui por nós. A nossa tese é a de que, apesar de ter contribuído para a reestruturação do capitalismo a partir dos anos 1980, e ainda continuar contribuindo para a propagação de suas práticas em alguns contextos, essa ideologia também favorece o florescimento de algumas práticas que o desafiam. De modo que não devemos crer que a esquerda é totalmente desarmada por esse discurso e tem necessariamente em toda e qualquer situação a sua resistência política anulada ao se alinhar a ele. Para sustentar o nosso argumento, apresentamos o debate da neutralidade da rede, que se desenvolveu em vários países a partir dos anos 2000, como uma demonstração clara disso. Esse debate, que está ancorado na defesa de uma internet neutra e aberta, pode ser uma vitrine através da qual podemos perceber essa ideologia funcionando como um campo de disputas entre grupos da esquerda e da direita. Através da comparação entre o debate sobre a neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos, foi possível perceber que as implicações desse discurso podem se manifestar em direções inclusive opostas, resultando, por exemplo, na defesa da democracia ou na defesa do mercado.
id USP_f3ace1eac7eeabf437a2c39511c8c532
oai_identifier_str oai:teses.usp.br:tde-25032019-115902
network_acronym_str USP
network_name_str Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
repository_id_str 2721
spelling A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados UnidosThe free and open internet as an ideology: the net neutrality debate in Brazil and the United StatesDemocraciaDemocracyIdeologiaIdeologyInternetInternetNeoliberalismNeoliberalismoNetwork neutralityNeutralidade da redeEsse trabalho aborda a construção histórica de uma ideologia contemporânea que defende a visão de que a internet deveria ser aberta e livre. Essa ideologia, chamada por muitos autores de ideologia \"ciberlibertária\", possui um caráter híbrido e é defendida por grupos à direita e à esquerda do espectro político. A visão que a sustenta é produto de uma síntese de ideias da cibernética dos anos 1940, com um romantismo individualista característico da contracultura dos anos 1960, e o discurso neoliberal em ascensão nos Estados Unidos dos anos 1980. Essa síntese foi realizada principalmente pelo catálogo contracultural Whole Earth Catalog, publicado nos anos 1960 nos EUA, e propagada pela rede de pessoas que se articulou em torno desse catálogo e de suas publicações derivadas. Ela emergiu nos anos 1990 na região do Vale do Silício como uma ideologia, alimentando a bolha da internet e o discurso de que a rede era uma mídia excepcional, de caráter democrático e transparente, um espaço de exercício da liberdade e maior exemplo dos benefícios do livre mercado. Ao definir esse discurso como ideológico nós defendemos aqui que ele funciona como um campo de disputa pelo poder e legitimação, entre grupos sociais significativos, dentro da sociedade. Neste sentido, essa ideologia não estaria beneficiando de forma exclusiva nenhum dos grupos em disputa, mas obedeceria à dinâmica de luta pelo poder político, que ora coloca um grupo em vantagem, ora coloca outro. A tese de que essa ideologia está a serviço da direita neoliberal, defendida por alguns autores, é, portanto, rebatida aqui por nós. A nossa tese é a de que, apesar de ter contribuído para a reestruturação do capitalismo a partir dos anos 1980, e ainda continuar contribuindo para a propagação de suas práticas em alguns contextos, essa ideologia também favorece o florescimento de algumas práticas que o desafiam. De modo que não devemos crer que a esquerda é totalmente desarmada por esse discurso e tem necessariamente em toda e qualquer situação a sua resistência política anulada ao se alinhar a ele. Para sustentar o nosso argumento, apresentamos o debate da neutralidade da rede, que se desenvolveu em vários países a partir dos anos 2000, como uma demonstração clara disso. Esse debate, que está ancorado na defesa de uma internet neutra e aberta, pode ser uma vitrine através da qual podemos perceber essa ideologia funcionando como um campo de disputas entre grupos da esquerda e da direita. Através da comparação entre o debate sobre a neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos, foi possível perceber que as implicações desse discurso podem se manifestar em direções inclusive opostas, resultando, por exemplo, na defesa da democracia ou na defesa do mercado.This work addresses the historical construction of a contemporary ideology that defends the view that the internet should be open and free. This ideology, called by many authors of \"cyberlibertarian\" ideology, has a hybrid character and is defended by groups on the right and left side of the political spectrum. The vision that sustains it is the product of a synthesis made of cybernetic ideas of the 1940s, with an individualistic romanticism of the counterculture of the 1960s and the neoliberal discourse on the rise in the United States of the 1980s. This synthesis was carried out mainly by the countercultural catalog Whole Earth Catalog published in the 1960s in the USA and propagated by the network of people who articulated around this catalog and its derived publications. It emerged in the 1990s in the Silicon Valley region as an ideology, fueling the internet bubble and the discourse that the network was an exceptional, democratic and transparent media, a space for the exercise of freedom, and a greater example of the benefits of free market. In defining this discourse as ideological we argue here that it functions as a field of dispute for power and legitimation among significant social groups within society. In this sense, this ideology would not be exclusively benefiting any of the groups in dispute, but would obey the dynamics of fighting for political power, which sometimes puts one group in advantage, and sometimes puts another. The thesis that this ideology serves the neoliberal right-wing, defended by some authors, is thus countered here by us. Our thesis is that, although it has contributed to the restructuring of capitalism since the 1980s, and continues to contribute to the propagation of its practices in some contexts, this ideology also favors the flourishing of some practices that challenge it. So we must not believe that the left-wing groups are totally disarmed by this discourse and have necessarily in any and all situation their political resistance nullified by aligning themselves with it. To support our argument, we present the net neutrality debate, which has developed in several countries since the 2000s, as a clear demonstration of this. This debate, which is anchored in the defense of a neutral and open internet, can be a showcase through which we can perceive this ideology functioning as a field of disputes between left and right-wing groups. Through the comparison between the debate about net neutrality in Brazil and in the United States, it was possible to perceive that the implications of this discourse can manifest in even opposing directions, resulting, for example, in the defense of democracy or in the defense of the market.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPQueiroz, Francisco Assis deTorres, Aracele Lima2018-12-06info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-25032019-115902/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2019-04-09T23:21:59Zoai:teses.usp.br:tde-25032019-115902Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212019-04-09T23:21:59Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
dc.title.none.fl_str_mv A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
The free and open internet as an ideology: the net neutrality debate in Brazil and the United States
title A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
spellingShingle A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
Torres, Aracele Lima
Democracia
Democracy
Ideologia
Ideology
Internet
Internet
Neoliberalism
Neoliberalismo
Network neutrality
Neutralidade da rede
title_short A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
title_full A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
title_fullStr A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
title_full_unstemmed A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
title_sort A internet livre e aberta como ideologia: o debate da neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos
author Torres, Aracele Lima
author_facet Torres, Aracele Lima
author_role author
dc.contributor.none.fl_str_mv Queiroz, Francisco Assis de
dc.contributor.author.fl_str_mv Torres, Aracele Lima
dc.subject.por.fl_str_mv Democracia
Democracy
Ideologia
Ideology
Internet
Internet
Neoliberalism
Neoliberalismo
Network neutrality
Neutralidade da rede
topic Democracia
Democracy
Ideologia
Ideology
Internet
Internet
Neoliberalism
Neoliberalismo
Network neutrality
Neutralidade da rede
description Esse trabalho aborda a construção histórica de uma ideologia contemporânea que defende a visão de que a internet deveria ser aberta e livre. Essa ideologia, chamada por muitos autores de ideologia \"ciberlibertária\", possui um caráter híbrido e é defendida por grupos à direita e à esquerda do espectro político. A visão que a sustenta é produto de uma síntese de ideias da cibernética dos anos 1940, com um romantismo individualista característico da contracultura dos anos 1960, e o discurso neoliberal em ascensão nos Estados Unidos dos anos 1980. Essa síntese foi realizada principalmente pelo catálogo contracultural Whole Earth Catalog, publicado nos anos 1960 nos EUA, e propagada pela rede de pessoas que se articulou em torno desse catálogo e de suas publicações derivadas. Ela emergiu nos anos 1990 na região do Vale do Silício como uma ideologia, alimentando a bolha da internet e o discurso de que a rede era uma mídia excepcional, de caráter democrático e transparente, um espaço de exercício da liberdade e maior exemplo dos benefícios do livre mercado. Ao definir esse discurso como ideológico nós defendemos aqui que ele funciona como um campo de disputa pelo poder e legitimação, entre grupos sociais significativos, dentro da sociedade. Neste sentido, essa ideologia não estaria beneficiando de forma exclusiva nenhum dos grupos em disputa, mas obedeceria à dinâmica de luta pelo poder político, que ora coloca um grupo em vantagem, ora coloca outro. A tese de que essa ideologia está a serviço da direita neoliberal, defendida por alguns autores, é, portanto, rebatida aqui por nós. A nossa tese é a de que, apesar de ter contribuído para a reestruturação do capitalismo a partir dos anos 1980, e ainda continuar contribuindo para a propagação de suas práticas em alguns contextos, essa ideologia também favorece o florescimento de algumas práticas que o desafiam. De modo que não devemos crer que a esquerda é totalmente desarmada por esse discurso e tem necessariamente em toda e qualquer situação a sua resistência política anulada ao se alinhar a ele. Para sustentar o nosso argumento, apresentamos o debate da neutralidade da rede, que se desenvolveu em vários países a partir dos anos 2000, como uma demonstração clara disso. Esse debate, que está ancorado na defesa de uma internet neutra e aberta, pode ser uma vitrine através da qual podemos perceber essa ideologia funcionando como um campo de disputas entre grupos da esquerda e da direita. Através da comparação entre o debate sobre a neutralidade da rede no Brasil e nos Estados Unidos, foi possível perceber que as implicações desse discurso podem se manifestar em direções inclusive opostas, resultando, por exemplo, na defesa da democracia ou na defesa do mercado.
publishDate 2018
dc.date.none.fl_str_mv 2018-12-06
dc.type.status.fl_str_mv info:eu-repo/semantics/publishedVersion
dc.type.driver.fl_str_mv info:eu-repo/semantics/doctoralThesis
format doctoralThesis
status_str publishedVersion
dc.identifier.uri.fl_str_mv http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-25032019-115902/
url http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-25032019-115902/
dc.language.iso.fl_str_mv por
language por
dc.relation.none.fl_str_mv
dc.rights.driver.fl_str_mv Liberar o conteúdo para acesso público.
info:eu-repo/semantics/openAccess
rights_invalid_str_mv Liberar o conteúdo para acesso público.
eu_rights_str_mv openAccess
dc.format.none.fl_str_mv application/pdf
dc.coverage.none.fl_str_mv
dc.publisher.none.fl_str_mv Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
publisher.none.fl_str_mv Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USP
dc.source.none.fl_str_mv
reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
instname:Universidade de São Paulo (USP)
instacron:USP
instname_str Universidade de São Paulo (USP)
instacron_str USP
institution USP
reponame_str Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
collection Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
repository.name.fl_str_mv Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)
repository.mail.fl_str_mv virginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.br
_version_ 1809091059802701824