Um olhar pela fechadura: possibilidades do equívoco de memória
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2022 |
Tipo de documento: | Tese |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Universitário da Ânima (RUNA) |
Texto Completo: | https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/25760 |
Resumo: | A partir das noções de perspectivismo ameríndio e de equivocidade controlada, ambas forjadas pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, procurei desenvolver nesta tese o conceito de equívoco de memória. Minha proposta é a de que a escrita literária nos textos autobiográficos é constituída por um processo de intensa alteridade, de diferença e não de semelhança, sendo o autor um tradutor do passado, cujo trabalho se torna legível somente por meio do equívoco. Há, portanto, o que ocorreu, fato já inacessível, há o que é enunciado sobre o que ocorreu, e o resultado disso é uma terceira coisa, que surge da diferença entre passado e presente. Nesse sentido, o equívoco não é um erro ou falha da memória que propõe a lembrança, mas a possibilidade de estabelecer uma relação por meio do texto traduzido. Foi com base nessa premissa que procurei propor nesta pesquisa a discussão das relações entre literatura e memória e a análise de duas obras literárias do gênero autobiográfico. No primeiro ciclo da tese, a obra estudada foi Infância (1977), de Graciliano Ramos, texto no qual pude perceber uma narrativa propensa à ambiguidade e que vacilava ao tentar rememorar episódios do passado mais longínquo do narrador, contando, por vezes, com o auxílio de uma memória coletiva para completar as lacunas deixadas pelo esquecimento. Tal leitura ofereceu elementos para mostrar como o equívoco de memória se mostrava na superfície dos enunciados, e minha conclusão foi a de que a presença dessa linguagem ambígua e do reconhecimento de uma memória incompleta era não um erro, mas o resultado do estabelecimento, graças ao equívoco, de uma relação entre o passado e o presente. No segundo ciclo, meu olhar se voltou para Becos da Memória (2017), de Conceição Evaristo, obra que adicionou ao equívoco de memória o aspecto da ancestralidade e da pluralidade de vozes narrativas, ambos presentes na ideia de escrevivência a partir da qual a autora construiu a sua escrita no livro. Nessa obra o equívoco de memória se mostrava não na superfície narrativa, mas na própria enunciação que propunha uma (con)fusão entre autor e narrador e também entre as vozes que contavam as histórias. Com isso, percebi que não somente a tradução do passado importava, mas também o seu tradutor, o que me fez concluir que a pergunta, sempre incômoda, a respeito das coincidências entre a pessoa que escreve e o narrador pode encontrar uma possibilidade de resposta no equívoco de memória, cuja intenção é a de dobrar os sentidos, valorizar a diferença e fomentar a (con) fusão. A presença do equívoco de memória, identificada de formas diferentes nas duas narrativas, fez confirmar a hipótese de que o conceito que procurei desenvolver ao longo desta tese não deve ser tido como uma chave de leitura, pois o que interessa não é abrir a porta, mas olhar pela fechadura, que ao impedir a visão totalizante e totalizadora proporciona um espaço de abertura para o que não se pode enxergar. Em conjunto, pude construir os pressupostos teóricos que sustentam o equívoco de memória como uma postura a partir da qual a narrativa autobiográfica passa a ser vista como um espaço no qual se estabelece uma relação entre passado e presente não para celebrar a semelhança, mas para adensar a diferença. Além disso, de modo mais ampliado, minha pesquisa propõe que a compreensão da diferença, da ambiguidade e do equívoco como aspectos a serem valorizados implica enxergar, em termos de literatura, uma opção ao fetiche pela resposta certa, pela busca de uma assertividade que congela os sentidos, oferecendo um ponto de vista que enxerga serem as narrativas feitas de carne e osso, de esquecimento e memória, de morte e vida, isso tudo ao mesmo tempo, dobra sobre dobra, em uma (con) fusão geradora de sentidos e relações plurais que evidenciam a escrita como duas vezes vida, duas vezes negação da morte, vingança e transfiguração. |
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