“O povo não me entendeu direito”: Thomas Müntzer e a religião popular no início do século 16

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Barcala, Martin Santos
Data de Publicação: 2020
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional da Metodista
Texto Completo: http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/2268
Resumo: A pesquisa se ocupará da reflexão teológica de Thomas Müntzer (1489?-1525), concentrando-se na interface de seus escritos com a cultura e religiosidade popular do século 16. O objetivo será demonstrar o lugar fronteiriço da reflexão de Müntzer no contexto cultural em que ele vivia. Por ter sido comprimida nos parâmetros estabelecidos pelas tradições teológicas luteranas e católicas, de um lado, e pela historiografia marxista, de outro, a biografia e reflexão de Müntzer foi apresentada ora como expressão de um fanatismo insano e diabólico, ora como encarnação de um heroísmo revolucionário precoce. Como se verá no decorrer desta tese, estes extremos desconsideram a complexa relação entre Müntzer e o povo – ou o “homem comum” (der gemeine Mann) – e, ao fazê-lo, negligenciam o caráter fronteiriço característico do pensamento e da prática do reformador, bem como negam ao povo seu dinamismo religioso próprio, concebendo-lhe sempre como tutorado, para o bem ou para o mal, e invariavelmente passivo. Frequentemente, Müntzer se posiciona a favor dos direitos e das reivindicações do “homem comum”. Todavia, ao se referir a eles, emprega adjetivos no mínimo ambíguos, tais como “pobre, rude povo, digno de compaixão e misericórdia”. Em sua última correspondência, já prisioneiro no castelo de Heldrungen, na Turíngia, o reformador assume um tom exasperado: “o povo não me entendeu direito...”. Portanto, é no atravessamento de múltiplas fronteiras que Müntzer precisa ser ouvido e compreendido. Dentre elas, a atual pesquisa escolheu a interação entre Müntzer e a religião popular. Tendo em vista a natureza de seu objeto, a pesquisa recorreu a referenciais teóricos que se dedicam ao estudo da cultura e religião popular na Idade Média e no início da modernidade. Defenderá a hipótese de que Müntzer encarna o papel do tradutor cultural que alterna fidelidades entre a cultura oficial, letrada, erudita e a cultura subalterna, popular, oral. Sua obra condensa não apenas prenúncios de tempos vindouros, mas igualmente ressoa períodos preteritamente longínquos. Durante sua breve e movimentada vida, Müntzer habitou quase cinco dezenas de cidades. Acostumou-se às fronteiras também neste aspecto. Para demonstrar a hipótese levantada, a metodologia adotada será uma análise exegética do corpus textual de Müntzer publicado em três volumes: as fontes históricas primárias para a sua biografia, isto é, os registros contemporâneos de suas atividades contidos nas atas e relatórios dos conselhos municipais e dos correspondentes administrativos oficiais, no caso das cidades imperais; a sua própria correspondência pessoal com diferentes atores sociais e sobre diversos temas; e seus escritos mais propriamente teológicos, dentre os quais merecem atenção cuidadosa sua produção litúrgica em alemão, conteúdo pouquíssimo explorado pela pesquisa a seu respeito.(AU)
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Por ter sido comprimida nos parâmetros estabelecidos pelas tradições teológicas luteranas e católicas, de um lado, e pela historiografia marxista, de outro, a biografia e reflexão de Müntzer foi apresentada ora como expressão de um fanatismo insano e diabólico, ora como encarnação de um heroísmo revolucionário precoce. Como se verá no decorrer desta tese, estes extremos desconsideram a complexa relação entre Müntzer e o povo – ou o “homem comum” (der gemeine Mann) – e, ao fazê-lo, negligenciam o caráter fronteiriço característico do pensamento e da prática do reformador, bem como negam ao povo seu dinamismo religioso próprio, concebendo-lhe sempre como tutorado, para o bem ou para o mal, e invariavelmente passivo. Frequentemente, Müntzer se posiciona a favor dos direitos e das reivindicações do “homem comum”. Todavia, ao se referir a eles, emprega adjetivos no mínimo ambíguos, tais como “pobre, rude povo, digno de compaixão e misericórdia”. Em sua última correspondência, já prisioneiro no castelo de Heldrungen, na Turíngia, o reformador assume um tom exasperado: “o povo não me entendeu direito...”. Portanto, é no atravessamento de múltiplas fronteiras que Müntzer precisa ser ouvido e compreendido. Dentre elas, a atual pesquisa escolheu a interação entre Müntzer e a religião popular. Tendo em vista a natureza de seu objeto, a pesquisa recorreu a referenciais teóricos que se dedicam ao estudo da cultura e religião popular na Idade Média e no início da modernidade. Defenderá a hipótese de que Müntzer encarna o papel do tradutor cultural que alterna fidelidades entre a cultura oficial, letrada, erudita e a cultura subalterna, popular, oral. Sua obra condensa não apenas prenúncios de tempos vindouros, mas igualmente ressoa períodos preteritamente longínquos. Durante sua breve e movimentada vida, Müntzer habitou quase cinco dezenas de cidades. Acostumou-se às fronteiras também neste aspecto. Para demonstrar a hipótese levantada, a metodologia adotada será uma análise exegética do corpus textual de Müntzer publicado em três volumes: as fontes históricas primárias para a sua biografia, isto é, os registros contemporâneos de suas atividades contidos nas atas e relatórios dos conselhos municipais e dos correspondentes administrativos oficiais, no caso das cidades imperais; a sua própria correspondência pessoal com diferentes atores sociais e sobre diversos temas; e seus escritos mais propriamente teológicos, dentre os quais merecem atenção cuidadosa sua produção litúrgica em alemão, conteúdo pouquíssimo explorado pela pesquisa a seu respeito.(AU)This research will focus on the theological reflection of Thomas Müntzer (1489?-1525), especially on the interface of his writings with the popular culture and religiosity of the 16th century. The objective will be to demonstrate that the reflection on Müntzer lies on the boundaries of the cultural context in which he lived. Because it was compressed within the parameters established by the Lutheran and Catholic theological traditions, on the one hand, and by the Marxist historiography, on the other, the biography of Müntzer and his reflection were presented, either as an expression of an insane and diabolical fanaticism or as the incarnation of early revolutionary heroism. As will be seen in the course of this thesis, these extremes disregard the complex relationship between Müntzer and the people – or the “simple man” (der gemeine Mann) – and, in doing so, neglect the borderline characteristic of the thought and practice of the reformer, as well as denying the people their religious dynamism, always conceiving them as tutored, for better or worse, and invariably passive. Often, Müntzer takes a stand in favor of the rights and claims of the “simple man”. However, when referring to them, he uses adjectives that are at least ambiguous, such as “poor, rude people, worthy of compassion and mercy”. In his last correspondence, already a prisoner in the castle of Heldrungen, in Thuringia, the reformer assumes an exasperated tone: “the people did not understand me properly...”. Therefore, it is in these crossing multiple borders movements that Müntzer needs to be heard and understood. Among them, the current research chose the interaction between Müntzer and popular religion. Considering the nature of its object, the research resorted to theoretical references dedicated to the study of popular culture and religion in the Middle Ages and at the beginning of modernity. It will defend the hypothesis that Müntzer embodies the role of the cultural translator who alternates allegiances between official, literate, erudite culture and subaltern, popular, and oral culture. His work condenses not only harbingers of times to come but also resonates with distant past periods. During his brief and eventful life, Müntzer inhabited nearly five dozen cities. He got used to borders in this respect too. To demonstrate the hypothesis raised, the methodology adopted will be an exegetical analysis of Müntzer's textual corpus published in three volumes: the primary historical sources for his biography, that is, the contemporary records of his activities contained in the minutes and reports of the municipal councils and official administrative correspondents, in the case of imperial cities; his correspondence with different social actors and on different topics; and his more properly theological writings, among which his liturgical production in German deserves careful attention, a content very little explored by research on him.(AU)Universidade Metodista de Sao PauloCiencias da Religiao:Programa de Pos Graduacao em Ciencias da ReligiaoBrasilIMSCiencias da ReligiaoWirth, Lauri EmilioRenders , HelmutSouza , José Carlos deCaldas , Marcos José de AraújoRodrigues , Rui LuisBarcala, Martin Santos2023-03-10T13:49:25Z2020-10-20info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfBarcala, Martin Santos. “O povo não me entendeu direito”: Thomas Müntzer e a religião popular no início do século 16. 2020. 308 folhas. 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