Pedro e Inês : entre a realidade e a ficção, uma estória sem fim

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Fernandes, Fernando Augusto Braga
Data de Publicação: 2015
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10400.14/20599
Resumo: A História e a Literatura são as duas faces da construção do imaginário coletivo português e, simultaneamente, são o resultado dessa mesma construção, refletindo idiossincrasias que identificam e distinguem esse imaginário e o consubstanciam como povo independente. Embrionariamente fundida na Península Ibérica, a nova ordem do mosaico cristão que se foi construindo a partir da Reconquista, assumida frequentemente no âmbito da presúria, refletia a tensão entre a força centrípeta do reino de Castela e as pulsões centrífugas dos reinos vizinhos, sobretudo dos mais periféricos. Ao longo dos séculos, muitas foram as reivindicações territoriais e as tentativas hegemónicas, quase sempre influenciados pelos interesses particulares de casas senhoriais poderosas. Sob a bênção da cruz e da espada, a individualidade de Portugal foi construída sobre a desconfiança da atração centrípeta do reino vizinho. Entre o medo da submissão e a ambição da proeminência, desenvolveu-se uma rígida estratégia de casamentos, consorciando entre si os descendentes das coroas ibéricas, como forma de garantir acordos políticos mais ou menos duradouros e alguma estabilidade social. Este procedimento acabou por construir, entre as casas reais, intrincadas teias familiares, potenciadoras de ingerências e da assunção de direitos sucessórios ambíguos. A mesma matriz estendia-se à alta nobreza, pouco ciente do dever patriótico e mais preocupada com a sua própria honra e proveito. Deste modo, o casamento acabava por (con)fundir duas linhas de força que enformavam as principais preocupações régias: o medo do perigo exterior e a mal disfarçada aspiração hegemónica sobre os territórios e reinos vizinhos. O mesmo receio e a mesma ambição eram partilhados pelas grandes casas senhoriais, cujo poder, igualmente potenciado por alianças e casamentos, atravessava as fronteiras e ameaçava o poder dos monarcas. É nesse contexto que surge, entre factos históricos e fabulações lendárias, a história de D. Pedro e de D. Inês de Castro, em meados do século XIV, que vai apaixonar a investigação e a produção artística, sobretudo literária, ao longo dos séculos. Nas últimas décadas, multiplicaram-se as abordagens e o tradicional discurso sentimental, de feição lírica e feminina, passou a conviver com análises algo provocatórias e carnavalescas, a que não é estranha a proliferação do chamado romance histórico pós-moderno. A narrativa Inês de Castro – A Estalagem dos Assombros, de Seomara da Veiga Ferreira, espraia um discurso marcadamente feminino e, ao mesmo tempo, realista e historicamente sustentado, fundado na revisitação da vida de D. Pedro, através da focalização interna de narradores alegadamente credíveis, como, por exemplo, D. Beatriz, sua mãe. A narrativa Adivinhas de Pedro e Inês, de Agustina Bessa-Luís, apresenta um discurso fundamentado em factos históricos, mas que, aqui e ali, deriva para o campo das suposições, balizado pela proeminência do narrador omnisciente. Algures, entre Seomara e Agustina, joga-se o grande dilema do romance histórico pós-moderno: o que é a verdade? Podemos vivenciá-la? Como podemos representá-la através da escrita? Nessa busca de clarificação do passado, o narrador assume uma função estratégica nuclear, adotando pontos de vista alternativos, no sentido de esclarecer o narratário acerca dos contornos que balizam a narrativa apresentada. Por vezes, esta cumplicidade acaba por esbater as fronteiras entre narrador e autor e entre narratário e leitor. Como consequência, a História, para mais crivada de incertezas, acaba por ser como nós a construímos.
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Sob a bênção da cruz e da espada, a individualidade de Portugal foi construída sobre a desconfiança da atração centrípeta do reino vizinho. Entre o medo da submissão e a ambição da proeminência, desenvolveu-se uma rígida estratégia de casamentos, consorciando entre si os descendentes das coroas ibéricas, como forma de garantir acordos políticos mais ou menos duradouros e alguma estabilidade social. Este procedimento acabou por construir, entre as casas reais, intrincadas teias familiares, potenciadoras de ingerências e da assunção de direitos sucessórios ambíguos. A mesma matriz estendia-se à alta nobreza, pouco ciente do dever patriótico e mais preocupada com a sua própria honra e proveito. Deste modo, o casamento acabava por (con)fundir duas linhas de força que enformavam as principais preocupações régias: o medo do perigo exterior e a mal disfarçada aspiração hegemónica sobre os territórios e reinos vizinhos. O mesmo receio e a mesma ambição eram partilhados pelas grandes casas senhoriais, cujo poder, igualmente potenciado por alianças e casamentos, atravessava as fronteiras e ameaçava o poder dos monarcas. É nesse contexto que surge, entre factos históricos e fabulações lendárias, a história de D. Pedro e de D. Inês de Castro, em meados do século XIV, que vai apaixonar a investigação e a produção artística, sobretudo literária, ao longo dos séculos. Nas últimas décadas, multiplicaram-se as abordagens e o tradicional discurso sentimental, de feição lírica e feminina, passou a conviver com análises algo provocatórias e carnavalescas, a que não é estranha a proliferação do chamado romance histórico pós-moderno. A narrativa Inês de Castro – A Estalagem dos Assombros, de Seomara da Veiga Ferreira, espraia um discurso marcadamente feminino e, ao mesmo tempo, realista e historicamente sustentado, fundado na revisitação da vida de D. Pedro, através da focalização interna de narradores alegadamente credíveis, como, por exemplo, D. Beatriz, sua mãe. A narrativa Adivinhas de Pedro e Inês, de Agustina Bessa-Luís, apresenta um discurso fundamentado em factos históricos, mas que, aqui e ali, deriva para o campo das suposições, balizado pela proeminência do narrador omnisciente. Algures, entre Seomara e Agustina, joga-se o grande dilema do romance histórico pós-moderno: o que é a verdade? Podemos vivenciá-la? Como podemos representá-la através da escrita? Nessa busca de clarificação do passado, o narrador assume uma função estratégica nuclear, adotando pontos de vista alternativos, no sentido de esclarecer o narratário acerca dos contornos que balizam a narrativa apresentada. Por vezes, esta cumplicidade acaba por esbater as fronteiras entre narrador e autor e entre narratário e leitor. Como consequência, a História, para mais crivada de incertezas, acaba por ser como nós a construímos.History and Literature represent two sides of the Portuguese collective imaginary construction and, simultaneously, the result of that same construction, reflecting idiosyncrasies which identify and distinguish that same imaginary and embody it as an independent nation. Embryonically merged in the Iberia Peninsula, the new order of the Christian patchwork has risen from the Reconquista, frequently assumed in the land conquered, which reflected the tension between the centripetal force of the kingdom of Castela and the centrifugal force of its neighbours, especially the peripheral ones. Throughout the centuries there have been several territorial claims and hegemonic attempts, mostly influenced by private interests of high nobility. Under the blessing of the sword and the cross, the Portuguese individuality was built under the suspicion of the neighbour kingdom centripetal force. Between the fear of submission and the ambition of prominence, a strategic intermarriage was developed as a way to guarantee long lasting political agreements and some social stability. This procedure ended up building, among royal houses, tangled familiar webs, increasing interferences and ambiguous inheritable rights. The same model was applied to the high nobility, less aware of its patriotic duty and mostly worried about its own honor and profit. As a result, marriage ended up (co)funding two force lines that majored royal concerns: the fear of the external danger and the badly disguised ambition over foreign nearby territories. The same fear and ambition were shared by the great noble houses, whose power, equally supported by alliances and marriages, crossed borders and threatened the monarchs’ dominance. It is among this context that, between historical facts and fabled legends, arises D. Pedro and D. Inês de Castro story, in the middle of the XIV century, which will get investigation and artistic production passionate, especially the literary one, throughout the centuries. In the last decades, the traditional sentimental discourse and perspectives have multiplied, being lyric and feminine, and dealing directly with provocative and showy analyses, to which the spreading of the so called post-modern historical romance is not a stranger. The storytelling Inês de Castro – A Estalagem dos Assombros, Seomara da Veiga Ferreira, spreads a deep feminine discourse factually and historically realistic, and, at the same time, sustained on the revision of D. Pedro’s life, through the intern focalization of allegedly reliable narrators, such as D. Beatriz, his mother. The storytelling Advinhas de Pedro e Inês, Agustina Bessa-Luís, presents a discourse based in historical facts, but, here and there, drifts to the suppositions camp, beaconed by the prominent omniscient narrator. Somewhere between Seomara and Agustina the great post-modern historical romance dilemma is played: what is the truth? Can we live it? How can we represent it through writing? In this search to clear the past, the narrator assumes a central function, adopting alternative points of view, trying to enlighten the narratee about the borders of the presented story. Sometimes this complicity ends up fading frontiers between narrator and author and amongst narratee and reader. Therefore, History, being riddled with uncertainties, becomes what we build.Lopes, Maria José de Araújo FerreiraVeritati - Repositório Institucional da Universidade Católica PortuguesaFernandes, Fernando Augusto Braga2016-09-13T07:48:27Z2015-07-2320152015-07-23T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/10400.14/20599TID:201695502porinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)instname:Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãoinstacron:RCAAP2024-01-23T01:40:53Zoai:repositorio.ucp.pt:10400.14/20599Portal AgregadorONGhttps://www.rcaap.pt/oai/openaireopendoar:71602024-03-19T18:17:01.096980Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) - Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãofalse
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