Crime e fruição: o egoísmo de Max Stirner como discurso de resistência contra a dominação?

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Rodrigues, Beatriz de Almeida
Data de Publicação: 2018
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10362/51480
Resumo: A questão que orienta este trabalho é a de se os escritos elaborados por Max Stirner, sobretudo a sua obra-prima O Único e a sua Propriedade, poderiam suster um discurso de resistência contra formas modernas de dominação e, em particular, contra o Estado político moderno. Importa, desde logo, compreender como é que Stirner, seguindo o conceito hegeliano de Estado enquanto “realização em acto da liberdade”, chega a descrevê-lo, em sentido inverso, como uma instância de dominação. O Estado aparece, para Stirner como para Hegel, enquanto garante da ordem e da coesão nas sociedades modernas. Embora ambos reconheçam a génese do poder soberano como violenta, Hegel defende que, com o progresso da civilização, a força é erradicada da ordem pública, ao mesmo tempo que se engendra a reconciliação entre o interesse privado e o interesse comum. Stirner, por outro lado, insiste em expor a força como a outra face do direito, como o sustentáculo oculto da norma, que se descobre apenas nos momentos de crise. O enfoque de Stirner no caso extremo, sobejamente antecipado e desvalorizado por Hegel como unilateral e equívoco, parece ancorado na convicção de que o conflito é inerradicável, de que entre a minha própria vontade e a representação (política, social) dessa vontade existe sempre um desfasamento, impassível de ser colmatado por qualquer arranjo colectivo. Desta convicção sucede que, se o conflito pouco se manifesta nas sociedades modernas, não é por ter sido verdadeiramente resolvido, mas por ser eficazmente encoberto, em virtude da dissimetria de poder e da internalização da autoridade. O “único” aparece, neste ambiente de forte suspeita, como aquele que é irrepresentável, que excede toda a representação e que ameaça, por conseguinte, a autoridade de qualquer representante. Nesse sentido, o “único” reclama o seu próprio poder, sem aceitar mediar a satisfação da sua vontade pela obediência a instituições colectivas, afirmando-se antes soberano sobre si mesmo. Stirner sugere que a auto-afirmação do único acarreta inevitavelmente o confronto com os poderes extrínsecos que organizam a sua existência, mas Stirner escolhe pensar esse confronto em termos de uma “revolta”, de um acto reflexivo e individual pelo qual o indivíduo emerge da situação em que se encontra, por contraposição à “revolução”, um acto político ou social dirigido para a transformação sistémica do status quo. Ainda que admitamos a validade da crítica stirneriana a diversos discursos que legitimam a modernidade, põe-se o problema de esta crítica se fundar sobre o “único”, “uma palavra sem pensamento”, nome, sujeito ou princípio (?) flagrantemente auto-contraditório e auto-destrutivo. A possibilidade de fundar um discurso de resistência sobre o egoísmo de Max Stirner parece depender da resposta que escolhermos dar a duas questões intimamente ligadas: o que sobrevive à voragem destrutiva do “único” que possa ser fundamento suficiente para a resistência contra um estado de coisas que Stirner diz ser opressivo? Poderá esta resistência consumar-se na revolta de um único sem o reconhecimento de um outro com quem firmar as condições de liberdade?
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Embora ambos reconheçam a génese do poder soberano como violenta, Hegel defende que, com o progresso da civilização, a força é erradicada da ordem pública, ao mesmo tempo que se engendra a reconciliação entre o interesse privado e o interesse comum. Stirner, por outro lado, insiste em expor a força como a outra face do direito, como o sustentáculo oculto da norma, que se descobre apenas nos momentos de crise. O enfoque de Stirner no caso extremo, sobejamente antecipado e desvalorizado por Hegel como unilateral e equívoco, parece ancorado na convicção de que o conflito é inerradicável, de que entre a minha própria vontade e a representação (política, social) dessa vontade existe sempre um desfasamento, impassível de ser colmatado por qualquer arranjo colectivo. Desta convicção sucede que, se o conflito pouco se manifesta nas sociedades modernas, não é por ter sido verdadeiramente resolvido, mas por ser eficazmente encoberto, em virtude da dissimetria de poder e da internalização da autoridade. O “único” aparece, neste ambiente de forte suspeita, como aquele que é irrepresentável, que excede toda a representação e que ameaça, por conseguinte, a autoridade de qualquer representante. Nesse sentido, o “único” reclama o seu próprio poder, sem aceitar mediar a satisfação da sua vontade pela obediência a instituições colectivas, afirmando-se antes soberano sobre si mesmo. Stirner sugere que a auto-afirmação do único acarreta inevitavelmente o confronto com os poderes extrínsecos que organizam a sua existência, mas Stirner escolhe pensar esse confronto em termos de uma “revolta”, de um acto reflexivo e individual pelo qual o indivíduo emerge da situação em que se encontra, por contraposição à “revolução”, um acto político ou social dirigido para a transformação sistémica do status quo. Ainda que admitamos a validade da crítica stirneriana a diversos discursos que legitimam a modernidade, põe-se o problema de esta crítica se fundar sobre o “único”, “uma palavra sem pensamento”, nome, sujeito ou princípio (?) flagrantemente auto-contraditório e auto-destrutivo. A possibilidade de fundar um discurso de resistência sobre o egoísmo de Max Stirner parece depender da resposta que escolhermos dar a duas questões intimamente ligadas: o que sobrevive à voragem destrutiva do “único” que possa ser fundamento suficiente para a resistência contra um estado de coisas que Stirner diz ser opressivo? Poderá esta resistência consumar-se na revolta de um único sem o reconhecimento de um outro com quem firmar as condições de liberdade?The question which guides this work is whether the writings of Max Stirner, especially his masterpiece The Ego and Its Own, may sustain a discourse of resistance against modern forms of domination and, in particular, against the modern political State. One must right away understand how does Stirner, following the Hegelian concept of the State as the “actualization of freedom”, comes to describe it, in the opposite sense, as an instance of domination. The State appears, to Stirner as to Hegel, as the guardian of order and cohesion in modern societies. While both recognize the genesis of sovereign power as violent, Hegel sustains that, with the progress of civilization, force is eradicated from the public order, at the same time that the reconciliation between private interest and common interest is engendered. Stirner, on the other hand, insists in exposing force as the other face of right, as the hidden pillar of the norm, which only reveals itself in the moments of crisis. Stirner’s focus on the extreme case, largely anticipated and devalued by Hegel as unilateral and equivocal, seems to be anchored on the conviction that conflict is ineradicable, that between my own will and the (political, social) representation of that will there is always a gap, impassable to fill by any collective arrangement. From this conviction befalls that, if conflict is scarcely manifest in modern societies, it is not because it was truly solved, but because it is effectively masked, due to the dissymmetry of power and to the internalization of authority. The “unique one” appears, in this environment of great suspicion, as the one who cannot be represented, who surpasses every representation, hence threatening the authority of every representative. Accordingly, the “unique one” reclaims his own power, without allowing the satisfaction of his will to be mediated by the obedience to collective institutions, affirming himself instead as sovereign over himself. Stirner suggests that the self-affirmation of the “unique one” inevitably leads to the confrontation with the external powers which organize his existence. Stirner, nonetheless, chooses to think this confrontation in terms of a “revolt”, of a reflexive and individual act by which the individual emerges from the situation in which he is in, in contradistinction to the “revolution”, a political or social act directed towards the systemic transformation of the status quo. Even if we admit the validity of the Stirnerian critique of the diverse discourses which legitimate modernity, the problem arises of founding this critique on the “unique one”, “a thoughtless word”, an openly self-contradictory and self-destructive name, subject or principle (?). The possibility of founding a discourse of resistance on the egoism of Max Stirner seems to depend upon the answer that we choose to give to two intimately connected questions: what remains after the destructive vortex of the “unique one” that may sustain the resistance against a state that Max Stirner deems oppressive? May this resistance be realized in the revolt of a unique one without the recognition of another one with whom to build the conditions of freedom?Constâncio, JoãoRUNRodrigues, Beatriz de Almeida2018-11-12T11:58:14Z2018-09-252018-05-142018-09-25T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/10362/51480TID:201982838porinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)instname:Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãoinstacron:RCAAP2024-03-11T04:25:41Zoai:run.unl.pt:10362/51480Portal AgregadorONGhttps://www.rcaap.pt/oai/openaireopendoar:71602024-03-20T03:32:26.757131Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) - Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãofalse
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