O adultério casto: um olhar casto sobre o romance do século XIX
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2001 |
Tipo de documento: | Dissertação |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | http://hdl.handle.net/10174/15062 |
Resumo: | Introdução - A temática do amor na literatura é talvez a mais recorrente e a mais antiga. Diz-se, inclusivamente, que o amor nasceu com e da literatura. A este propósito, Denis de Rougemont (1968:158) afirma que «os sentimentos que [sentimos] são criações literárias no sentido de que uma certa retórica é a condição suficiente da sua confissão, portanto da sua tomada de consciência». Não disse La Rochefoucauld que poucos homens se apaixonariam se nunca tivessem ouvido falar de amor? Porém, a literatura só trata de amores infelizes; o amor feliz parece não ter história. Só existem romances de amor ameaçado, condenado, é o amor-paixão, o amor sofrimento...Bakhtine (1978:374) sublinha esse facto e circunscreve-o no tempo: «L' idylle détruite [...] devient 1'un des principaux thèmes littéraires à la f 1n du XVIII° siècle et dans la première moitié du XIX° siècle». O amor infeliz reveste muito frequentemente na literatura a forma de adultério. Com efeito, o adultério ou amor -transgressão/proibição tornou-se uma temática preferencial nas literaturas das diferentes culturas e países, ora objecto de censura, ora defendido e até justificado, ora condenado. Rougemont afirma, numa das primeiras páginas da sua obra L'Amour et L'Occident, que existe um grande mito europeu do adultério: o romance de Tristão e Isolda. Contudo, o primeiro caso de amor adúltero na literatura ocidental é, sem dúvida, o expresso nas Cantigas de Amor. O estabelecimento do código do amor cortês entre a dama e o trovador é o primeiro sinal de amor adúltero não consumado em termos literários. O poeta obrigava-se a amar uma mulher casada sem dela esperar nada, senão o direito de continuar a louvar os seus dotes nas suas cantigas. O romance do adultério desenvolveu-se sobretudo na época de ouro do romance, o século XIX, que viu nascer a obra-prima do género, Madame Bovary de Flaubert. Quando se fala em romance do adultério, apontam-se geralmente obras como Madame Bovary, Ana Karenina de Tolstói, O Primo Basilio de Eça de Queirós, Effi Briest de Fontane..., que se caracterizam pela consumação sexual do adultério. O tema do adultério consumado foi, aliás, sobejamente analisado pelos estudos comparatistas nas suas vertentes literárias, social, psicanalítica, etc; todavia, nunca, ou quase nunca, se aborda a questão literária do adultério não consumado ou casto. Esta temática tem sido efectivamente descurada e ignorada, apesar das grandes obras de vulto que nela se inspiraram: La Princesse de Clèves de Mme de Lafayette, Julie ou La lhouvelle Héloise de Rousseau, Werther de Goethe, Le Lys dans la Uallée de Balzac, Dominique de Fromentin..., cujo denominador comum é a castidade em que se mantém o adultério, designado por «adultério mental» (COE-LH0,1990:902), ou «adultério sonhado» (MOISES,1984:405) ou ainda. «adultério espiritual» (J. Barrento in Introdução GOETI-IE,1992:13). Este tema não tem merecido, na nossa opinião, o tra-tamento comparativo devido. Até ao momento, não nos foi dado a conhecer qualquer estudo no âmbito desta problemática. Deste modo, será nosso propósito, neste trabalho em Literatura Comparada, comprovar a existência do tema do adultério casto na literatura ocidental. Nortearemos a nossa argumentação por duas hipóteses: primeiramente, corroboraremos a hipótese de partida segundo a qual existe uma literatura que tem como tema central o adultério casto e que se distingue da literatura convencionalmente designada como pertencente ao tema do adultério no seu sentido lato; em segundo lugar, verificaremos que os mesmos escritores que escreveram sobre o adultério casto também o fizeram sobre o adultério consumado e, nesse momento, deparar-nos-emos com outra hipótese de trabalho: o adultério casto aparece desculpabilizado pelos mesmos escritores que antes, noutras obras, condenaram acerbamente o adultério consumado. Com o desígnio de averiguar a autenticidade dessas hipóteses, delineámos um plano metodológico que pretenderá, essencialmente, encontrar pontos de convergência/divergência entre as diversas obras que constituem o nosso corpus textual, a partir do tema central do adultério casto e dos súbtemas que formos encontrando. Estamos cientes de que, nos estudos comparativos, a análise temática revela ser sempre um estudo extenso, denso, para que se possa chegar a conclusões fiáveis e comprováveis. Provar que um tema existe e perpassa em várias obras literárias, de vários autores, de vários países, é um trabalho árduo que, pela sua diversidade e pluralidade de vertentes, pode muito bem confundir o comparatista. Para além disso, os poucos trabalhos fidedignos sobre estudos temáticos e a falta de um método universal para a abordagem comparativa temática exigem, da parte do comparatista, a consciência de que está, mais ou menos, a construir o seu próprio modelo de análise, válido apenas para este trabalho, mas, ao mesmo tempo, que este poderá ser sempre encarado como um possível contributo para futuros trabalhos. Neste sentido, a nossa argumentação dividir-se-á em três momentos fundamentais: numa primeira parte, delinearemos os preâmbulos metodológicos que presidirão ao desenvolvimento desse trabalho; salientamos que grande parte do esquema comparativo de análise que apresentaremos se baseia nos presupostos de Lukács (1989), segundo os quais a classificação do romance é determinada pela configuração de um herói problemático e pelas relações que este mantém com a sociedade. |
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O amor infeliz reveste muito frequentemente na literatura a forma de adultério. Com efeito, o adultério ou amor -transgressão/proibição tornou-se uma temática preferencial nas literaturas das diferentes culturas e países, ora objecto de censura, ora defendido e até justificado, ora condenado. Rougemont afirma, numa das primeiras páginas da sua obra L'Amour et L'Occident, que existe um grande mito europeu do adultério: o romance de Tristão e Isolda. Contudo, o primeiro caso de amor adúltero na literatura ocidental é, sem dúvida, o expresso nas Cantigas de Amor. O estabelecimento do código do amor cortês entre a dama e o trovador é o primeiro sinal de amor adúltero não consumado em termos literários. O poeta obrigava-se a amar uma mulher casada sem dela esperar nada, senão o direito de continuar a louvar os seus dotes nas suas cantigas. O romance do adultério desenvolveu-se sobretudo na época de ouro do romance, o século XIX, que viu nascer a obra-prima do género, Madame Bovary de Flaubert. Quando se fala em romance do adultério, apontam-se geralmente obras como Madame Bovary, Ana Karenina de Tolstói, O Primo Basilio de Eça de Queirós, Effi Briest de Fontane..., que se caracterizam pela consumação sexual do adultério. O tema do adultério consumado foi, aliás, sobejamente analisado pelos estudos comparatistas nas suas vertentes literárias, social, psicanalítica, etc; todavia, nunca, ou quase nunca, se aborda a questão literária do adultério não consumado ou casto. Esta temática tem sido efectivamente descurada e ignorada, apesar das grandes obras de vulto que nela se inspiraram: La Princesse de Clèves de Mme de Lafayette, Julie ou La lhouvelle Héloise de Rousseau, Werther de Goethe, Le Lys dans la Uallée de Balzac, Dominique de Fromentin..., cujo denominador comum é a castidade em que se mantém o adultério, designado por «adultério mental» (COE-LH0,1990:902), ou «adultério sonhado» (MOISES,1984:405) ou ainda. «adultério espiritual» (J. Barrento in Introdução GOETI-IE,1992:13). Este tema não tem merecido, na nossa opinião, o tra-tamento comparativo devido. Até ao momento, não nos foi dado a conhecer qualquer estudo no âmbito desta problemática. Deste modo, será nosso propósito, neste trabalho em Literatura Comparada, comprovar a existência do tema do adultério casto na literatura ocidental. Nortearemos a nossa argumentação por duas hipóteses: primeiramente, corroboraremos a hipótese de partida segundo a qual existe uma literatura que tem como tema central o adultério casto e que se distingue da literatura convencionalmente designada como pertencente ao tema do adultério no seu sentido lato; em segundo lugar, verificaremos que os mesmos escritores que escreveram sobre o adultério casto também o fizeram sobre o adultério consumado e, nesse momento, deparar-nos-emos com outra hipótese de trabalho: o adultério casto aparece desculpabilizado pelos mesmos escritores que antes, noutras obras, condenaram acerbamente o adultério consumado. Com o desígnio de averiguar a autenticidade dessas hipóteses, delineámos um plano metodológico que pretenderá, essencialmente, encontrar pontos de convergência/divergência entre as diversas obras que constituem o nosso corpus textual, a partir do tema central do adultério casto e dos súbtemas que formos encontrando. Estamos cientes de que, nos estudos comparativos, a análise temática revela ser sempre um estudo extenso, denso, para que se possa chegar a conclusões fiáveis e comprováveis. Provar que um tema existe e perpassa em várias obras literárias, de vários autores, de vários países, é um trabalho árduo que, pela sua diversidade e pluralidade de vertentes, pode muito bem confundir o comparatista. Para além disso, os poucos trabalhos fidedignos sobre estudos temáticos e a falta de um método universal para a abordagem comparativa temática exigem, da parte do comparatista, a consciência de que está, mais ou menos, a construir o seu próprio modelo de análise, válido apenas para este trabalho, mas, ao mesmo tempo, que este poderá ser sempre encarado como um possível contributo para futuros trabalhos. Neste sentido, a nossa argumentação dividir-se-á em três momentos fundamentais: numa primeira parte, delinearemos os preâmbulos metodológicos que presidirão ao desenvolvimento desse trabalho; salientamos que grande parte do esquema comparativo de análise que apresentaremos se baseia nos presupostos de Lukács (1989), segundo os quais a classificação do romance é determinada pela configuração de um herói problemático e pelas relações que este mantém com a sociedade.Universidade de Évora2015-08-31T16:16:52Z2015-08-312001-10-01T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesishttp://hdl.handle.net/10174/15062http://hdl.handle.net/10174/15062pordep. 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Com efeito, o adultério ou amor -transgressão/proibição tornou-se uma temática preferencial nas literaturas das diferentes culturas e países, ora objecto de censura, ora defendido e até justificado, ora condenado. Rougemont afirma, numa das primeiras páginas da sua obra L'Amour et L'Occident, que existe um grande mito europeu do adultério: o romance de Tristão e Isolda. Contudo, o primeiro caso de amor adúltero na literatura ocidental é, sem dúvida, o expresso nas Cantigas de Amor. O estabelecimento do código do amor cortês entre a dama e o trovador é o primeiro sinal de amor adúltero não consumado em termos literários. O poeta obrigava-se a amar uma mulher casada sem dela esperar nada, senão o direito de continuar a louvar os seus dotes nas suas cantigas. O romance do adultério desenvolveu-se sobretudo na época de ouro do romance, o século XIX, que viu nascer a obra-prima do género, Madame Bovary de Flaubert. Quando se fala em romance do adultério, apontam-se geralmente obras como Madame Bovary, Ana Karenina de Tolstói, O Primo Basilio de Eça de Queirós, Effi Briest de Fontane..., que se caracterizam pela consumação sexual do adultério. O tema do adultério consumado foi, aliás, sobejamente analisado pelos estudos comparatistas nas suas vertentes literárias, social, psicanalítica, etc; todavia, nunca, ou quase nunca, se aborda a questão literária do adultério não consumado ou casto. Esta temática tem sido efectivamente descurada e ignorada, apesar das grandes obras de vulto que nela se inspiraram: La Princesse de Clèves de Mme de Lafayette, Julie ou La lhouvelle Héloise de Rousseau, Werther de Goethe, Le Lys dans la Uallée de Balzac, Dominique de Fromentin..., cujo denominador comum é a castidade em que se mantém o adultério, designado por «adultério mental» (COE-LH0,1990:902), ou «adultério sonhado» (MOISES,1984:405) ou ainda. «adultério espiritual» (J. 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Nortearemos a nossa argumentação por duas hipóteses: primeiramente, corroboraremos a hipótese de partida segundo a qual existe uma literatura que tem como tema central o adultério casto e que se distingue da literatura convencionalmente designada como pertencente ao tema do adultério no seu sentido lato; em segundo lugar, verificaremos que os mesmos escritores que escreveram sobre o adultério casto também o fizeram sobre o adultério consumado e, nesse momento, deparar-nos-emos com outra hipótese de trabalho: o adultério casto aparece desculpabilizado pelos mesmos escritores que antes, noutras obras, condenaram acerbamente o adultério consumado. Com o desígnio de averiguar a autenticidade dessas hipóteses, delineámos um plano metodológico que pretenderá, essencialmente, encontrar pontos de convergência/divergência entre as diversas obras que constituem o nosso corpus textual, a partir do tema central do adultério casto e dos súbtemas que formos encontrando. Estamos cientes de que, nos estudos comparativos, a análise temática revela ser sempre um estudo extenso, denso, para que se possa chegar a conclusões fiáveis e comprováveis. Provar que um tema existe e perpassa em várias obras literárias, de vários autores, de vários países, é um trabalho árduo que, pela sua diversidade e pluralidade de vertentes, pode muito bem confundir o comparatista. Para além disso, os poucos trabalhos fidedignos sobre estudos temáticos e a falta de um método universal para a abordagem comparativa temática exigem, da parte do comparatista, a consciência de que está, mais ou menos, a construir o seu próprio modelo de análise, válido apenas para este trabalho, mas, ao mesmo tempo, que este poderá ser sempre encarado como um possível contributo para futuros trabalhos. Neste sentido, a nossa argumentação dividir-se-á em três momentos fundamentais: numa primeira parte, delinearemos os preâmbulos metodológicos que presidirão ao desenvolvimento desse trabalho; salientamos que grande parte do esquema comparativo de análise que apresentaremos se baseia nos presupostos de Lukács (1989), segundo os quais a classificação do romance é determinada pela configuração de um herói problemático e pelas relações que este mantém com a sociedade. |
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