As grutas, os grandes mamíferos e o homem paleolítico : uma aproximação integrada ao território português
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 1997 |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | http://hdl.handle.net/10400.2/3866 |
Resumo: | Este estudo apresenta uma sintese da investigação paleontológica das grutas, em território português, desde os primórdios dos estudos paleontológicos e arqueológicos, no início da 2ª metade do século XIX, por iniciativa da então Comissão Geológica de Portugal. Com base nos numerosos materiais de grandes mamíferos de época plistocénica especialmente de grutas calcárias, ali conservadas graças às particularmente favoráveis condições de preservação verificadas, foi possível estabelecer uma síntese actualizada concernente à distribuição cronológica, no decurso do Plistocénico Superior das espécies até ao presente identificadas. As respectivas associações faunísticas assim isoladas fornecem indicações acerca das características paleoclimáticas, especialmente no decurso do último período glaciário, para o qual a informação é mais abundante. Deste modo, pode concluir-se que, até inícios do Würm recente, ca-30 000 BP, o clima na Estremadura - onde se concentram a quase totalidade das grutas com restos de grandes mamíferos - era temperado. A degradação climática, que se fez globalmente sentir no decurso do período subsequente, até cerca de 18 000 BP, terá sido responsável pelo desaparecimento de espécies de grandes predadores, como o leão das cavernas e o leopardo, mantendo-se outros, como a hiena das cavernas, ou de grandes herbívoros como o elefante e o rinoceronte. Curtos períodos de frio mais intensos explicam a presença da cabra montês e, excepcionalmente, da camurça. Contudo, mesmo nos momentos de maior rigor climático não se encontram restos de espécies de características claramente frias, como o urso das cavernas, a rena, ou o bisonte, apesar de todos eles ocorrerem em grutas da cordilheira cantábrica, e muito menos de espécies como o boi almiscarado ou o antílope saiga, presentes noutras regiões peninsulares, ainda que vestigialmente. A baixa latitude e a proximidade oceânica, funcionando como factores amenizadores do clima, por um lado, e o isolamento geográfico, por outro, explicam o papel de área de refúgio que o nosso território e especialmente a sua fachada média atlântica tiveram no decurso da última glaciação. Aqui sobreviveram espécies como a hiena raiada ou o pequeno lobo de Lunel-Viel, em grande abundância (gruta da Fuminha), praticamente dizimadas além-Pirinéus no decurso da vaga de frio da penúltima glaciação. Também no vale do Tejo persistia o elefante antigo, talvez a última população conhecida da espécie (Foz do Enxarrique, ca 33 000 BP). Neste contexto se compreende a sobrevivência de grupos de neandertais em época próxima ou mesmo ulterior a 30 000 BP. Datações obtidas na gruta da Figueira Brava e na gruta Nova da Columbeira, tomam-se hoje verosímeis, no quadro de um Mustierense Final crescentemente documentado na parte meridional da Península Ibérica, coincidente com a derradeira presença daquela subespécie humana. |
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As grutas, os grandes mamíferos e o homem paleolítico : uma aproximação integrada ao território portuguêsGrandes mamíferosPaleolíticoPortugalLarge mammalsPalaeolithicEste estudo apresenta uma sintese da investigação paleontológica das grutas, em território português, desde os primórdios dos estudos paleontológicos e arqueológicos, no início da 2ª metade do século XIX, por iniciativa da então Comissão Geológica de Portugal. Com base nos numerosos materiais de grandes mamíferos de época plistocénica especialmente de grutas calcárias, ali conservadas graças às particularmente favoráveis condições de preservação verificadas, foi possível estabelecer uma síntese actualizada concernente à distribuição cronológica, no decurso do Plistocénico Superior das espécies até ao presente identificadas. As respectivas associações faunísticas assim isoladas fornecem indicações acerca das características paleoclimáticas, especialmente no decurso do último período glaciário, para o qual a informação é mais abundante. Deste modo, pode concluir-se que, até inícios do Würm recente, ca-30 000 BP, o clima na Estremadura - onde se concentram a quase totalidade das grutas com restos de grandes mamíferos - era temperado. A degradação climática, que se fez globalmente sentir no decurso do período subsequente, até cerca de 18 000 BP, terá sido responsável pelo desaparecimento de espécies de grandes predadores, como o leão das cavernas e o leopardo, mantendo-se outros, como a hiena das cavernas, ou de grandes herbívoros como o elefante e o rinoceronte. Curtos períodos de frio mais intensos explicam a presença da cabra montês e, excepcionalmente, da camurça. Contudo, mesmo nos momentos de maior rigor climático não se encontram restos de espécies de características claramente frias, como o urso das cavernas, a rena, ou o bisonte, apesar de todos eles ocorrerem em grutas da cordilheira cantábrica, e muito menos de espécies como o boi almiscarado ou o antílope saiga, presentes noutras regiões peninsulares, ainda que vestigialmente. A baixa latitude e a proximidade oceânica, funcionando como factores amenizadores do clima, por um lado, e o isolamento geográfico, por outro, explicam o papel de área de refúgio que o nosso território e especialmente a sua fachada média atlântica tiveram no decurso da última glaciação. Aqui sobreviveram espécies como a hiena raiada ou o pequeno lobo de Lunel-Viel, em grande abundância (gruta da Fuminha), praticamente dizimadas além-Pirinéus no decurso da vaga de frio da penúltima glaciação. Também no vale do Tejo persistia o elefante antigo, talvez a última população conhecida da espécie (Foz do Enxarrique, ca 33 000 BP). Neste contexto se compreende a sobrevivência de grupos de neandertais em época próxima ou mesmo ulterior a 30 000 BP. Datações obtidas na gruta da Figueira Brava e na gruta Nova da Columbeira, tomam-se hoje verosímeis, no quadro de um Mustierense Final crescentemente documentado na parte meridional da Península Ibérica, coincidente com a derradeira presença daquela subespécie humana.This study presents a synthesis of paleontological investigation of caves located in Portugal from very first paleontological and archeological studies conducted by the late Geological Comission of Portugal at the beginning of the second half of the nineteenth century. Based on numerous material from the large mammals of the Pleistocene period, especially from limestone caves due to particularly favorable preservation conditions verified there, it was possible to establish an updated synthesis concerning the chronological distribution, especially during the Upper Pleistocene, of species already identified. The faunistic associations thus isolated give indications of palaeoclimatic characteristics evolution, especially during the last glaciation period where information is more abundant. In this way we can conclude that, up to the beginning of the Recent Würm, ca 30,000 BP, the climate in Estremadura - where practically all of the caves with remains of the large mammals are concentrated - was temperate without any indexes of cold. The climatic degradation, which was felt globally during the subsequent period, until about 18,000 BP, may have been responsible for the disappearance of species, such as the cave lion and the leopard, while others, like the cave hiena and large herbivores like the elephant and the rinocerus remained. Certain periods of more intensive cold explain the presence of wild goats and, exceptionally, red deer. However, even in moments of extreme climatic rigor, no remains of species with markedly cold characteristics, such as cave bears, the rein deer or bison, have been found - even though all of them occur in caves in the Cantabria mountain range - and much less species such as the almiscarado bull or the saiga antelope, exceptionally registered in other peninsular regions. The low latitude and oceanic proximity functioning as moderating factors on the climate, on the one hand, plus geographic isolation on the other explain the role of area refuge that our territory had during the last glaciation. Species like the stripped hiena or the Lunel-Viel small wolf survive in great abundance (Cave of Furninha) whereas they were practically eliminated beyond the Pyrinees Mountains during the cold wave of the rissian glaciation. The ancient elephant also persisted in the Tagus river valley, possibly the last population of the species known (Foz do Enxarrique, ca 33000 BP). In this context, we can better understand the survival of grups of Neanderthal Man in epochs close to or even later than 30000 BP. Datings obtained from the Cave of Figueira Brava and from the Cave of Columbeira become perfectly plausible today in the image of a Final Musterien, increasingly documented in the meridonal part of the Iberian Peninsula, that coincides with the last presence of that human subspecies.Associação Portuguesa para o Estudo do QuaternárioRepositório AbertoCardoso, João Luís2015-04-15T10:16:12Z19971997-01-01T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/articleapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/10400.2/3866porCardoso, João Luís - As grutas, os grandes mamíferos e o homem paleolítico : uma aproximação integrada ao território português. "Estudos do Quaternário" [Em linha]. Nº 1 (1997), p. 13-23info:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)instname:Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãoinstacron:RCAAP2023-11-16T15:18:59Zoai:repositorioaberto.uab.pt:10400.2/3866Portal AgregadorONGhttps://www.rcaap.pt/oai/openaireopendoar:71602024-03-19T22:44:55.134569Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) - Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãofalse |
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Este estudo apresenta uma sintese da investigação paleontológica das grutas, em território português, desde os primórdios dos estudos paleontológicos e arqueológicos, no início da 2ª metade do século XIX, por iniciativa da então Comissão Geológica de Portugal. Com base nos numerosos materiais de grandes mamíferos de época plistocénica especialmente de grutas calcárias, ali conservadas graças às particularmente favoráveis condições de preservação verificadas, foi possível estabelecer uma síntese actualizada concernente à distribuição cronológica, no decurso do Plistocénico Superior das espécies até ao presente identificadas. As respectivas associações faunísticas assim isoladas fornecem indicações acerca das características paleoclimáticas, especialmente no decurso do último período glaciário, para o qual a informação é mais abundante. Deste modo, pode concluir-se que, até inícios do Würm recente, ca-30 000 BP, o clima na Estremadura - onde se concentram a quase totalidade das grutas com restos de grandes mamíferos - era temperado. A degradação climática, que se fez globalmente sentir no decurso do período subsequente, até cerca de 18 000 BP, terá sido responsável pelo desaparecimento de espécies de grandes predadores, como o leão das cavernas e o leopardo, mantendo-se outros, como a hiena das cavernas, ou de grandes herbívoros como o elefante e o rinoceronte. Curtos períodos de frio mais intensos explicam a presença da cabra montês e, excepcionalmente, da camurça. Contudo, mesmo nos momentos de maior rigor climático não se encontram restos de espécies de características claramente frias, como o urso das cavernas, a rena, ou o bisonte, apesar de todos eles ocorrerem em grutas da cordilheira cantábrica, e muito menos de espécies como o boi almiscarado ou o antílope saiga, presentes noutras regiões peninsulares, ainda que vestigialmente. A baixa latitude e a proximidade oceânica, funcionando como factores amenizadores do clima, por um lado, e o isolamento geográfico, por outro, explicam o papel de área de refúgio que o nosso território e especialmente a sua fachada média atlântica tiveram no decurso da última glaciação. Aqui sobreviveram espécies como a hiena raiada ou o pequeno lobo de Lunel-Viel, em grande abundância (gruta da Fuminha), praticamente dizimadas além-Pirinéus no decurso da vaga de frio da penúltima glaciação. Também no vale do Tejo persistia o elefante antigo, talvez a última população conhecida da espécie (Foz do Enxarrique, ca 33 000 BP). Neste contexto se compreende a sobrevivência de grupos de neandertais em época próxima ou mesmo ulterior a 30 000 BP. Datações obtidas na gruta da Figueira Brava e na gruta Nova da Columbeira, tomam-se hoje verosímeis, no quadro de um Mustierense Final crescentemente documentado na parte meridional da Península Ibérica, coincidente com a derradeira presença daquela subespécie humana. |
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