Tempo perdido e reinventado: memória e contingência em literatura e psicanálise

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Coutinho, Denise
Data de Publicação: 2004
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional da UFBA
Texto Completo: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/29264
Resumo: Apresenta-se uma contribuição teórica aos estudos literários, articulando Literatura e Psicanálise, práticas da letra e da escritura. Memória e contingência são dois nomes desta conjugação. Memória é operação psíquica que inclui, necessariamente, o par lembrança-esquecimento. A contingência é uma modalidade lógica definida por Aristóteles como ausência e presença de um argumento sem corrupção do sujeito. À la recherche du temps perdu e o Projeto de uma psicologia fornecem esboços muito semelhantes da cartografia psíquica do homem contemporâneo, demonstrando que a escritura é feita de traços de memória, reatualizados por fatos contingentes e sobredeterminados pela cadeia significante. Tomar a função da arte como “inexprimir o exprimível” (Barthes), é levar em consideração que a escritura, construída em análise ou numa produção literária, opera mediante a perda. Isto se dá por razões de estrutura, pois sua matéria é o furo constitutivo da linguagem. Formulado pela psicanálise e incorporado à literatura contemporânea, o inconsciente apresenta sua estrutura de linguagem ¾ sob a forma de letra, fonema, palavra, frase, chiste, sonho, sintoma, lapso ¾ na escritura. Os trabalhos de Proust e Freud indicam algumas conclusões. Como a percepção é condicionada pelo desejo e sustentada na configuração fantasmática, o aparelho de memória articula-se com a verdade do sujeito pela via da linguagem, da ficção. Os traços inscritos não possuem significação prévia, passado é sempre reconstrução. A escritura literária diz respeito ao gozo ligado ao atravessamento do corpo, produzindo um sujeito modificado por este corte. Esta nova produção discursiva não constitui criação ex-nihilo, mas provém de um modo diferente de repetir, aqui chamado invenção. O símbolo separa o sujeito da Coisa, tornando o real impossível de ser apreendido. Através da contingência dos fatos de linguagem, a escritura transforma o impossível de dizer em ditos que ecoam e produzem efeitos objetivos, subjetivos, éticos e estéticos na cultura. Num movimento de retorno sobre a operação de simbolização, o escritor descasca a palavra de seus sentidos acomodados, fazendo-a readquirir, no limite, sua materialidade visual e acústica, borrada pelas lembranças, sempre recobridoras. Memória é, portanto, o tempo perdido e reinventado na escritura.
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Tomar a função da arte como “inexprimir o exprimível” (Barthes), é levar em consideração que a escritura, construída em análise ou numa produção literária, opera mediante a perda. Isto se dá por razões de estrutura, pois sua matéria é o furo constitutivo da linguagem. Formulado pela psicanálise e incorporado à literatura contemporânea, o inconsciente apresenta sua estrutura de linguagem ¾ sob a forma de letra, fonema, palavra, frase, chiste, sonho, sintoma, lapso ¾ na escritura. Os trabalhos de Proust e Freud indicam algumas conclusões. Como a percepção é condicionada pelo desejo e sustentada na configuração fantasmática, o aparelho de memória articula-se com a verdade do sujeito pela via da linguagem, da ficção. Os traços inscritos não possuem significação prévia, passado é sempre reconstrução. A escritura literária diz respeito ao gozo ligado ao atravessamento do corpo, produzindo um sujeito modificado por este corte. Esta nova produção discursiva não constitui criação ex-nihilo, mas provém de um modo diferente de repetir, aqui chamado invenção. O símbolo separa o sujeito da Coisa, tornando o real impossível de ser apreendido. Através da contingência dos fatos de linguagem, a escritura transforma o impossível de dizer em ditos que ecoam e produzem efeitos objetivos, subjetivos, éticos e estéticos na cultura. Num movimento de retorno sobre a operação de simbolização, o escritor descasca a palavra de seus sentidos acomodados, fazendo-a readquirir, no limite, sua materialidade visual e acústica, borrada pelas lembranças, sempre recobridoras. Memória é, portanto, o tempo perdido e reinventado na escritura.A theoretical contribution to literary studies is presented at the interface of Literature and Psychoanalysis, which are both practices of letter and writing. Memory and contingency are two names for this conjugation. Memory is psychic operation that necessarily includes the remembering-forgetting dyad. Contingency is a logical modality defined by Aristotle as absence and presence of an argument without subject corruption. À la recherche du temps perdu and Entwurf einer Psychologie supply sketches similar to contemporary man's psychic cartography, demonstrating that writing is made of mnemic-traces, updated by contingent facts and overdetermined by the chain of signifiers. If one take art’s function as that of "unexpressing the expressible" (Barthes) one might then consider that writing built in psychoanalysis or in literary production operates through loss. And this is so for structural reasons: the matter of writing is language’s constituent hole. Conceived by psychoanalysis and integrated in contemporary literature, the unconscious presents its language structure in writing, through letters, phonemes, words, phrases, jokes, dreams, symptoms, bungled actions. Proust and Freud’s works pose some conclusions. As perceptions are conditioned by desire and supported by the phantasmal configuration, the apparatus of memory is articulated with the subject's truth by means of language and fiction. Inscriptions do not possess previous meaning; past is always reconstruction. Literary writing concerns the jouissance that emerges from the trespassing of the body and that produces a subject modified by this cut. This new discursive production is not an ex-nihilo creation; it comes from a different mode of repeating, here called invention. Symbol separates subject from das Ding [the Thing], turning the real something impossible to be apprehended. Writing transforms the unspeakable, through contingency of language facts, into statements that echo and produce objective, subjective, ethical, and aesthetic effects on culture. The writer returns to the operation of symbolization in order to peel the word off of its trite senses, making it reacquire its visual and acoustic materiality, blurred by ever concealing memories. Memory is thus time lost and reinvented in writing.Submitted by Glauber de Assunção Moreira (glauber.moreira@ufba.br) on 2019-04-08T20:33:02Z No. of bitstreams: 1 TESE FINAL.pdf: 1908692 bytes, checksum: 7afd61c3e4c197c23749cd7631dd7641 (MD5)Approved for entry into archive by Marly Santos (marly@ufba.br) on 2019-04-10T17:06:44Z (GMT) No. of bitstreams: 1 TESE FINAL.pdf: 1908692 bytes, checksum: 7afd61c3e4c197c23749cd7631dd7641 (MD5)Made available in DSpace on 2019-04-10T17:06:44Z (GMT). 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