Espelho de Narciso: comportamento, subjetividade e desejo nos anos 80.
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2020 |
Tipo de documento: | Livro |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFCG |
Texto Completo: | http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/29886 |
Resumo: | Era dezembro de 1989, no rádio uma música de Cazuza falava de pessimismo e dor. Não havia muito para comemorar de uma década que chegava ao fim com tantos sonhos desfeitos. Restava muito pouco brilho do que foram aqueles anos tumultuados, a colorida geração saúde, o rock descompromissado do Legião e da Blitz, o irreprimível voo dos desejos, as esperanças de mudança brotando sorridentes dos escombros de um regime em decomposição. Falar de algo recente e, principalmente, de algo que vivemos nos dá a oportunidade de, na interseção entre a biografia e a história, ser um observador participante. Todavia, é extremamente complicado decidir se o nosso ponto de vista, ofuscado pela proximidade dos acontecimentos, é o de hoje ou o de ontem. Se falarmos pelo presente, as emoções são mais intensas e nos fazem reviver acontecimentos de forma visceral, mas talvez por isso mesmo, mais unilateralmente. Se falarmos do passado, a distância da experiência fornece mais neutralidade nos julgamentos, mas talvez por isso, de uma maneira mais fria. Entre versões e pontos de vista, talvez só imaginação nos ofereça um túnel do tempo mais confortável. Dessa forma, a pesquisa na revista Veja foi duplamente interessante. De um lado, permitiu – como quem usa fotos antigas como muletas – recuperar lembranças esquecidas e carregá-las de energia. De outro, forneceu elementos necessários à composição do cenário. Mas, mais que isso, a pesquisa na revista Veja também nos auxiliou a perceber como esse cenário refletia uma nova subjetividade conduzida em consonância com um imaginário que se cristalizaria na travessia dos anos 80. Através de reportagens, editoriais, entrevistas, cartas do leitor, pontos de vistas, seções de humor, de esporte, etc., veiculados através da revista Veja entre os anos de 1980 a 1989, procuramos reconstruir este cenário e esta nova subjetividade. E é sobre esta nova subjetividade que vamos falar. Como uma etnografia da contemporaneidade, buscamos reconstituir o pano de fundo de um conjunto de transformações nos modelos de comportamento, nos papéis sociais e sexuais, na estrutura familiar, sujeita a novos agentes e agências externas de socialização; na imbricação entre a esfera pública e a privada; na crescente complexidade e fragmentação das relações sociais; na decisiva importância da indústria cultural, determinando novos gostos, sensibilidades, comportamentos e desejos; consolidando uma subjetividade e cultura emergentes, marcadamente individualistas e narcísicas. Neste ponto, interessa-nos principalmente o relato dos fatos nas reportagens e como eles são interpretados por jornalistas, colaboradores (pontos de vistas, entrevistas, seções) e leitores (carta dos leitores), além da publicidade exposta na revista, capaz de nos fornecer uma rica leitura da subjetividade, circunscrevendo temas com os quais uma época inventa o seu próprio tempo. Assim, entre idas e vindas ao passado, devidamente reapreciado pela imaginação, foi possível ver novos significados no contexto recente da pós-modernidade, costurada e rasgada no vendaval de uma “década perdida”. E como numa foto antiga, posso adivinhar naquele passado em preto e branco as cores e as sombras do futuro. Percebo que já estavam ali, em forma embrionária, as transformações nos processos de produção e consumo que entraram em curso nos últimos quarenta anos; o predomínio dos novos espelhos virtuais pelos quais o real se despe e se esconde; e a expansão e as modiicações nas formas de tecnologia e comunicação humanas, sob o risco incessante e caleidoscópico das redes sociais, revendo e ampliando, de formas inusitadas, a nossa experiência subjetiva, os nossos valores, sonhos e afetos. A foto antiga revela aquilo que o self pode esconder sob o lash luminoso do agora. Agora, indo o trabalho, contemplo o tempo com mais serenidade, mesmo assim, com a inquietante sensação de que o passado jamais existiu, pois sempre haverá de habitar diferente em algum lugar do futuro de onde a nossa imaginação o invente. |
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Espelho de Narciso: comportamento, subjetividade e desejo nos anos 80.Mirror of Narcissus: behavior, subjectivity and desire in the 1980s.Anos 80 - Brasil - comportamentoDécada de 80 - BrasilComportamento no Brasil - anos 1980Desejo - Brasil dos anos 80Cultura de massa - anos 80 - BrasilSímbolos - anos 80Socialização nos anos 80 - BrasilBrasil - vida social na década de 1980NarcisismoIndividualismoPós-modernidadePílula da felicidadeUsos e costumes - Brasil - anos 198080's - Brazil - behavior80's - BrazilBehavior in Brazil - 1980sDesire - Brazil of the 80'sMass culture - 80's - BrazilSymbols - 80'sSocialization in the 80s - BrazilBrazil - social life in the 1980sNarcissismIndividualismPostmodernityHappiness pillUses and customs - Brazil - the 1980s80's - Brasil - comportamiento80's - BrasilComportamiento en Brasil - Década de 1980Deseo - Brasil de los años 80Cultura de masas - Años 80 - BrasilSímbolos - años 80Socialización en los años 80 - BrasilBrasil - vida social en la década de 1980PosmodernidadPastilla de la felicidadUsos y costumbres - Brasil - Década de 1980Années 80 - Brésil - comportementAnnées 80 - BrésilComportement au Brésil - années 1980Désir - Brésil des années 80Culture de masse - Années 80 - BrésilSymboles - années 80Socialisation dans les années 80 - BrésilBrésil - la vie sociale dans les années 1980NarcissismeIndividualismePostmodernitépilule du bonheurUs et coutumes - Brésil - Années 1980Sociologia.Era dezembro de 1989, no rádio uma música de Cazuza falava de pessimismo e dor. 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Entre versões e pontos de vista, talvez só imaginação nos ofereça um túnel do tempo mais confortável. Dessa forma, a pesquisa na revista Veja foi duplamente interessante. De um lado, permitiu – como quem usa fotos antigas como muletas – recuperar lembranças esquecidas e carregá-las de energia. De outro, forneceu elementos necessários à composição do cenário. Mas, mais que isso, a pesquisa na revista Veja também nos auxiliou a perceber como esse cenário refletia uma nova subjetividade conduzida em consonância com um imaginário que se cristalizaria na travessia dos anos 80. Através de reportagens, editoriais, entrevistas, cartas do leitor, pontos de vistas, seções de humor, de esporte, etc., veiculados através da revista Veja entre os anos de 1980 a 1989, procuramos reconstruir este cenário e esta nova subjetividade. E é sobre esta nova subjetividade que vamos falar. Como uma etnografia da contemporaneidade, buscamos reconstituir o pano de fundo de um conjunto de transformações nos modelos de comportamento, nos papéis sociais e sexuais, na estrutura familiar, sujeita a novos agentes e agências externas de socialização; na imbricação entre a esfera pública e a privada; na crescente complexidade e fragmentação das relações sociais; na decisiva importância da indústria cultural, determinando novos gostos, sensibilidades, comportamentos e desejos; consolidando uma subjetividade e cultura emergentes, marcadamente individualistas e narcísicas. Neste ponto, interessa-nos principalmente o relato dos fatos nas reportagens e como eles são interpretados por jornalistas, colaboradores (pontos de vistas, entrevistas, seções) e leitores (carta dos leitores), além da publicidade exposta na revista, capaz de nos fornecer uma rica leitura da subjetividade, circunscrevendo temas com os quais uma época inventa o seu próprio tempo. Assim, entre idas e vindas ao passado, devidamente reapreciado pela imaginação, foi possível ver novos significados no contexto recente da pós-modernidade, costurada e rasgada no vendaval de uma “década perdida”. E como numa foto antiga, posso adivinhar naquele passado em preto e branco as cores e as sombras do futuro. Percebo que já estavam ali, em forma embrionária, as transformações nos processos de produção e consumo que entraram em curso nos últimos quarenta anos; o predomínio dos novos espelhos virtuais pelos quais o real se despe e se esconde; e a expansão e as modiicações nas formas de tecnologia e comunicação humanas, sob o risco incessante e caleidoscópico das redes sociais, revendo e ampliando, de formas inusitadas, a nossa experiência subjetiva, os nossos valores, sonhos e afetos. A foto antiga revela aquilo que o self pode esconder sob o lash luminoso do agora. Agora, indo o trabalho, contemplo o tempo com mais serenidade, mesmo assim, com a inquietante sensação de que o passado jamais existiu, pois sempre haverá de habitar diferente em algum lugar do futuro de onde a nossa imaginação o invente.Universidade Federal de Campina GrandeBrasilUFCG20202023-05-22T11:16:51Z2023-05-222023-05-22T11:16:51Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/bookhttp://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/29886COSTA, Ramilton Marinho. Espelho de Narciso: comportamento, subjetividade e desejo nos anos 80. Campina Grande - PB: EDUFCG, 2020. ISBN: 978-65-86302-21-9. 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Era dezembro de 1989, no rádio uma música de Cazuza falava de pessimismo e dor. Não havia muito para comemorar de uma década que chegava ao fim com tantos sonhos desfeitos. Restava muito pouco brilho do que foram aqueles anos tumultuados, a colorida geração saúde, o rock descompromissado do Legião e da Blitz, o irreprimível voo dos desejos, as esperanças de mudança brotando sorridentes dos escombros de um regime em decomposição. Falar de algo recente e, principalmente, de algo que vivemos nos dá a oportunidade de, na interseção entre a biografia e a história, ser um observador participante. Todavia, é extremamente complicado decidir se o nosso ponto de vista, ofuscado pela proximidade dos acontecimentos, é o de hoje ou o de ontem. Se falarmos pelo presente, as emoções são mais intensas e nos fazem reviver acontecimentos de forma visceral, mas talvez por isso mesmo, mais unilateralmente. Se falarmos do passado, a distância da experiência fornece mais neutralidade nos julgamentos, mas talvez por isso, de uma maneira mais fria. Entre versões e pontos de vista, talvez só imaginação nos ofereça um túnel do tempo mais confortável. Dessa forma, a pesquisa na revista Veja foi duplamente interessante. De um lado, permitiu – como quem usa fotos antigas como muletas – recuperar lembranças esquecidas e carregá-las de energia. De outro, forneceu elementos necessários à composição do cenário. Mas, mais que isso, a pesquisa na revista Veja também nos auxiliou a perceber como esse cenário refletia uma nova subjetividade conduzida em consonância com um imaginário que se cristalizaria na travessia dos anos 80. Através de reportagens, editoriais, entrevistas, cartas do leitor, pontos de vistas, seções de humor, de esporte, etc., veiculados através da revista Veja entre os anos de 1980 a 1989, procuramos reconstruir este cenário e esta nova subjetividade. E é sobre esta nova subjetividade que vamos falar. Como uma etnografia da contemporaneidade, buscamos reconstituir o pano de fundo de um conjunto de transformações nos modelos de comportamento, nos papéis sociais e sexuais, na estrutura familiar, sujeita a novos agentes e agências externas de socialização; na imbricação entre a esfera pública e a privada; na crescente complexidade e fragmentação das relações sociais; na decisiva importância da indústria cultural, determinando novos gostos, sensibilidades, comportamentos e desejos; consolidando uma subjetividade e cultura emergentes, marcadamente individualistas e narcísicas. Neste ponto, interessa-nos principalmente o relato dos fatos nas reportagens e como eles são interpretados por jornalistas, colaboradores (pontos de vistas, entrevistas, seções) e leitores (carta dos leitores), além da publicidade exposta na revista, capaz de nos fornecer uma rica leitura da subjetividade, circunscrevendo temas com os quais uma época inventa o seu próprio tempo. Assim, entre idas e vindas ao passado, devidamente reapreciado pela imaginação, foi possível ver novos significados no contexto recente da pós-modernidade, costurada e rasgada no vendaval de uma “década perdida”. E como numa foto antiga, posso adivinhar naquele passado em preto e branco as cores e as sombras do futuro. Percebo que já estavam ali, em forma embrionária, as transformações nos processos de produção e consumo que entraram em curso nos últimos quarenta anos; o predomínio dos novos espelhos virtuais pelos quais o real se despe e se esconde; e a expansão e as modiicações nas formas de tecnologia e comunicação humanas, sob o risco incessante e caleidoscópico das redes sociais, revendo e ampliando, de formas inusitadas, a nossa experiência subjetiva, os nossos valores, sonhos e afetos. A foto antiga revela aquilo que o self pode esconder sob o lash luminoso do agora. Agora, indo o trabalho, contemplo o tempo com mais serenidade, mesmo assim, com a inquietante sensação de que o passado jamais existiu, pois sempre haverá de habitar diferente em algum lugar do futuro de onde a nossa imaginação o invente. |
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