Aventuras e desventuras da escrita. A propósito da interpretação do nascimento da escrita na Mesopotâmia

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Bachelot, Luc
Data de Publicação: 2020
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Cadernos do LEPAARQ
Texto Completo: http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/lepaarq/article/view/18065
Resumo: O termo “aventuras”, no plural, tal como ele aparece no título deste artigo, evoca ao mesmo tempo uma multiplicidade de episódios ou realizações e seu caráter inesperado, surpreendente. No que diz respeito à escrita, a diversidade dos contextos de seu surgimento, como a de suas manifestações, legitima amplamente essa designação. Mas além do número e da variedade dos sistemas de escrita conhecidos até agora, e tendo em vista o interesse fascinado das sociedades ocidentais pelos espetaculares avanços culturais que lhes são atribuídos (transmissão de conhecimentos, aceleração do progresso, dos conhecimentos, administração de grupos humanos, gestão econômica, etc.), o aparecimento da escrita, pela primeira vez no mundo, na Mesopotâmia, no final do quarto milênio a.C., foi e continua sendo percebido como uma verdadeira revolução. O que não deixou de ser entendido como um salto qualitativo da civilização, tanto mais espetacular quanto imprevisível. Tal é a nossa percepção ocidental, repetida e reforçada ao longo dos séculos, desde a antiguidade grega, mas que, contudo, não é universal. O Extremo Oriente, por exemplo, tem uma concepção completamente diferente de escrita. O exame cuidadoso dos fatos, assim como a abundante literatura que eles suscitaram, nos convidam a perguntar se a verdadeira aventura da escrita não foi, de fato, a desventura que constitui essa historiografia, agora milenar, que a assumiu e que até o momento não cessou de produzir uma sequência quase que ininterrupta de estudos, análises, discursos ou narrativas, mitos e histórias para descrever sua origem. Objetivo duplamente problemático: em si, –retornaremos a este ponto –, e em sua orientação em direção a um objeto que não pode ser descoberto, mas sim a um pressuposto que ela busca legitimar. Pressuposição segundo a qual a escrita seria essencialmente um produto derivado da língua. Após relembrar as linhas de força que estruturam essa abundante literatura, tentaremos empregar estratagemas que, apesar de tudo, permitem uma saída dessa desventura. Subterfúgios representados pelos trabalhos de Leroi-Gourhan, Derrida e A.-M. Christin, bem como pelos recentes avanços da neurofisiologia, sobretudo aqueles apresentados por G. Rizzolatti. Mas, de início, é imperativo que façamos uma nota sobre as definições mais comuns de escrita e os muitos estudos especializados nos quais elas se apoiam.Abstract: For the first time in the world, the appearance of writing in Mesopotamia at the end of the fourth millennium BC was and continues to be perceived as a true revolution, as the manifestation of a qualitative leap of civilization, so spectacular and unpredictable. This is our Western perception, repeated over the centuries since the ancient Greeks, although it is not universal. There is a completely different perception of the writing for the Far East. The careful examination of the facts, along with the emerging abundant scholarship, raisesthe question whether the true adventure of writing wasin fact a mishap, which constitutes the now millenarian historiography that has not ceased to generate an almost uninterrupted sequence of studies, discourses, myths and histories in order to describe its origin. We will try to borrow questions that allow us to get out of this misadventure. Questions that form part of the work of Leroi-Gourhan, Derrida and A.-M. Christin, as well as recent advances in neurophysiology, notably those by G. Rizzolatti. Writing, as speech, is a manifestation of symbolic activity, without the former necessarily being subjected to the second. The relationship of one to the other is not vertical but horizontal. The writing then appears when a notional field is sufficiently developed to be expressed by means other than that of language.  
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