Universidade(s) e deficiência(s) : interfaces, tensões e processos

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Mozzi, Gisele De
Data de Publicação: 2020
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10183/221521
Resumo: Este estudo discute modos possíveis de relação com a deficiência e problematiza como essa categoria é materializada nos espaços e temporalidades da universidade pública. Sobretudo, circunscreve a universidade como uma instituição retórica que, ao mesmo tempo em que produz e atualiza perspectivas capacitistas, pode se constituir também como um local privilegiado para a contestação de verdades únicas sobre deficiências múltiplas. O percurso das problematizações desenvolvidas na tese acompanha os encontros temporais e espaciais com 3 universidades distintas: a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre; a Universidade Ryerson, em Toronto/Canadá; e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Em um primeiro momento, acionamos 3 operadores teórico e metodológicos que, articulados entre si e na relação com a deficiência, tranversalizam o texto e nos permitem mobilizar as discussões propostas: materializar corporalidades, contar histórias e incômodo. Para posicionar o debate, tecemos algumas reflexões sobre as condições de emergência das práticas e políticas de inclusão educacional voltadas para estudantes com deficiência, subsidiadas em três paradigmas que contextualizam essas discussões em um panorama histórico e orientam nossas intervenções cotidianas: a inclusão como reclusão, como integração, como um direito e imperativo de Estado. Em seguida, relatamos algumas experiências do doutorado sanduíche em um programa de Estudos sobre Deficiência da Universidade Ryerson e refletimos sobre os deslocamentos conceituais e analíticos decorrentes desse estágio, bem como as possibilidades de ampliar tecnologias de acessibilidade e cuidado proporcionadas por essa vivência. O encontro com a arte e com modos interseccionais de relação com a deficiência que encontramos no cenário canadense nos permitiram reiterar a compreensão de que contextos sociais, históricos e culturais diversos permitem a emergência de diferentes modos de produção e relação com as deficiências. Na pesquisa de campo, buscamos observar como a política de reserva de vagas para estudantes com deficiência (Lei nº. 13.409/2016) vem sendo implementada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o que ela coloca em movimento nesse processo de implementação. Como procedimentos para a produção das informações que compõe o corpus empírico da pesquisa, realizamos entrevistas semiestruturadas com 4 estudantes que ingressaram no ensino superior dessa universidade por meio da política de cotas para deficiência. Além das entrevistas, acionamos interlocutoras e departamentos institucionais: transitamos pela Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE), por projetos de extensão e núcleos de pesquisa; acompanhamos eventos sobre a deficiência e sobre as políticas de ações afirmativas; conversamos com profissionais que atuam como servidoras da instituição e com pessoas com deficiência que participam do cotidiano da universidade. As entrevistas com as estudantes foram gravadas em áudio e as demais informações foram registradas em diário de campo. As narrativas das estudantes com deficiência cotistas e os percursos institucionais acionados no decorrer da pesquisa de campo nos apontaram algumas pistas sobre os desafios, as tensões e as controvérsias na operacionalização da política. Discutimos como, ao relegar as questões da deficiência exclusivamente a um plano individual e às soluções técnicas e pontuais, podemos contribuir para isentar a universidade da urgência em reconhecer como as suas próprias estruturas sustentam desigualdades sociais e articulam opressões de forma interseccional e capacitista. Analisamos como contextos diversos materializam deficiências específicas que só podem ser compreendidas na sua multiplicidade e de forma temporal e espacialmente situada. Defendemos a complementaridade inerente a esse processo de constituição que, ao fazer uma deficiência e um sujeito deficiente, também faz o seu oposto – um repertório de práticas, corporalidades e instituições supostamente não atravessadas pela categoria deficiência. Utilizamos a análise de implicações como estratégia metodológica que nos permite refletir sobre quais elementos vão inquietando o fazer pesquisa que faz também a pesquisadora, materializando dores e deficiências nesse processo-encontro. Além disso, a análise de implicações contribui para problematizar as reverberações do contexto político, econômico, social e educacional contemporâneo na pesquisa. Por fim, entendemos que a implementação das políticas de ações afirmativas vem fazendo com que as universidades públicas sejam compelidas a abrir suas portas para comportar a diversidade. Outrossim, a ampliação de entrada de um público diverso nas instituições federais de ensino superior, faz com que seja necessário repensar suas estruturas, epistemologias, referências, práticas e pedagogias. Quando a deficiência passa a ocupar os espaços e temporalidades acadêmicos, não mais apenas como objeto de estudo, mas como categoria analítica e política, além de ser um componente identitário que singulariza as trajetórias de vida das estudantes, nos convoca a repensar os sistemas de ensino a partir de uma dimensão estrutural, uma vez que denuncia o capacitismo intrínseco à universidade. Como apontamentos finais, apostamos em uma academia aleijada, ou seja, uma universidade capaz de antecipar e desejar a diversidade funcional e corporal e, a partir dessa virada epistemológica, promover e garantir o acesso e a participação das pessoas com deficiência nos diferentes espaços, contextos e atuações universitárias.
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Em um primeiro momento, acionamos 3 operadores teórico e metodológicos que, articulados entre si e na relação com a deficiência, tranversalizam o texto e nos permitem mobilizar as discussões propostas: materializar corporalidades, contar histórias e incômodo. Para posicionar o debate, tecemos algumas reflexões sobre as condições de emergência das práticas e políticas de inclusão educacional voltadas para estudantes com deficiência, subsidiadas em três paradigmas que contextualizam essas discussões em um panorama histórico e orientam nossas intervenções cotidianas: a inclusão como reclusão, como integração, como um direito e imperativo de Estado. Em seguida, relatamos algumas experiências do doutorado sanduíche em um programa de Estudos sobre Deficiência da Universidade Ryerson e refletimos sobre os deslocamentos conceituais e analíticos decorrentes desse estágio, bem como as possibilidades de ampliar tecnologias de acessibilidade e cuidado proporcionadas por essa vivência. O encontro com a arte e com modos interseccionais de relação com a deficiência que encontramos no cenário canadense nos permitiram reiterar a compreensão de que contextos sociais, históricos e culturais diversos permitem a emergência de diferentes modos de produção e relação com as deficiências. Na pesquisa de campo, buscamos observar como a política de reserva de vagas para estudantes com deficiência (Lei nº. 13.409/2016) vem sendo implementada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o que ela coloca em movimento nesse processo de implementação. Como procedimentos para a produção das informações que compõe o corpus empírico da pesquisa, realizamos entrevistas semiestruturadas com 4 estudantes que ingressaram no ensino superior dessa universidade por meio da política de cotas para deficiência. Além das entrevistas, acionamos interlocutoras e departamentos institucionais: transitamos pela Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE), por projetos de extensão e núcleos de pesquisa; acompanhamos eventos sobre a deficiência e sobre as políticas de ações afirmativas; conversamos com profissionais que atuam como servidoras da instituição e com pessoas com deficiência que participam do cotidiano da universidade. As entrevistas com as estudantes foram gravadas em áudio e as demais informações foram registradas em diário de campo. As narrativas das estudantes com deficiência cotistas e os percursos institucionais acionados no decorrer da pesquisa de campo nos apontaram algumas pistas sobre os desafios, as tensões e as controvérsias na operacionalização da política. Discutimos como, ao relegar as questões da deficiência exclusivamente a um plano individual e às soluções técnicas e pontuais, podemos contribuir para isentar a universidade da urgência em reconhecer como as suas próprias estruturas sustentam desigualdades sociais e articulam opressões de forma interseccional e capacitista. Analisamos como contextos diversos materializam deficiências específicas que só podem ser compreendidas na sua multiplicidade e de forma temporal e espacialmente situada. Defendemos a complementaridade inerente a esse processo de constituição que, ao fazer uma deficiência e um sujeito deficiente, também faz o seu oposto – um repertório de práticas, corporalidades e instituições supostamente não atravessadas pela categoria deficiência. Utilizamos a análise de implicações como estratégia metodológica que nos permite refletir sobre quais elementos vão inquietando o fazer pesquisa que faz também a pesquisadora, materializando dores e deficiências nesse processo-encontro. Além disso, a análise de implicações contribui para problematizar as reverberações do contexto político, econômico, social e educacional contemporâneo na pesquisa. Por fim, entendemos que a implementação das políticas de ações afirmativas vem fazendo com que as universidades públicas sejam compelidas a abrir suas portas para comportar a diversidade. Outrossim, a ampliação de entrada de um público diverso nas instituições federais de ensino superior, faz com que seja necessário repensar suas estruturas, epistemologias, referências, práticas e pedagogias. Quando a deficiência passa a ocupar os espaços e temporalidades acadêmicos, não mais apenas como objeto de estudo, mas como categoria analítica e política, além de ser um componente identitário que singulariza as trajetórias de vida das estudantes, nos convoca a repensar os sistemas de ensino a partir de uma dimensão estrutural, uma vez que denuncia o capacitismo intrínseco à universidade. Como apontamentos finais, apostamos em uma academia aleijada, ou seja, uma universidade capaz de antecipar e desejar a diversidade funcional e corporal e, a partir dessa virada epistemológica, promover e garantir o acesso e a participação das pessoas com deficiência nos diferentes espaços, contextos e atuações universitárias.This study discusses possible ways of relation to disability and problematizes how this category is materialized in the spaces and temporalities of the public university. Above all, it circumscribes the university as a rhetorical institution that, while producing and updating ableist perspectives, can also constitute a privileged space for the contestation of unique truths about multiple disabilities. The problematizations’ path developed in this thesis accompanies the time and spatial meetings with 3 different universities: Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS) in Porto Alegre; Ryerson University, in Toronto/Canada; and Federal University of Santa Catarina (UFSC), in Florianopolis. At first, we activate 3 theoretical and methodological operators who, articulated with each other, and in the relationship with disability, permeate the text, and allow us to mobilize the proposed discussions: materializing corporalities, storytelling and discomfort. To position the debate, we elaborated some reflections on the emergency conditions of educational inclusion practices and policies aimed at disabled students, subsidized by three paradigms that contextualize these discussions in a historical panorama and guide our daily interventions: inclusion as confinement, as integration, as a right and imperative of the State. Next, we report some experiences of the sandwich doctorate in the Program of Disability Studies at Ryerson University and reflect on the conceptual and analytical displacements resulting from this internship, as well as the possibilities of expanding accessibility practices and care technologies observed during by this experience. The encounter with art and with intersectional modes of relationship with disability that we found in the Canadian scenario allowed us to reiterate the understanding that diverse social, and historical and cultural contexts allow the emergence of different modes of production and relationship with disabilities. In the field research, we sought to observe how the policy of booking vacancies for students with disabilities (Law No. 13,409/2016) has been implemented at the Federal University of Santa Catarina (UFSC) and what it sets in motion in this implementation process. As procedures to produce information that composes the empirical corpus of the research, we conducted semi structured interviews with 4 students who joined higher education at this university through the disability quota policy. In addition to the interviews, we drove interlocutors and institutional departments: we moved through the Educational Accessibility Coordination (CAE), through extension projects and research centers; we followed events about disability and affirmative action policies; we spoke with professionals who act as servants of the institution and with disabled people who participate in the daily life of the university. The interviews with the students were recorded in audio and the other information were registered in a field diary. The narratives of disabled students and the institutional paths triggered during the field research pointed to some clues about the challenges, tensions, and controversies in the operationalization of the policy. We discuss how, by relegate disability issues exclusively to an individual plan and to technical and specific solutions, we can contribute to exempt the university from the urgency of recognizing how its own structures sustain social inequalities and articulate oppressions in an intersectional and ableist way. We analyze how different contexts materialize specific disabilities that can only be understood in their multiplicity and in a temporally and spatially situated way. We defend the complementarity inherent to this process of constitution that, when making a disability and a disabled subject, also does its opposite – a repertoire of practices, corporalities and institutions supposedly not crossed by the disability category. We used the implication analysis of as a methodological strategy that allows us to reflect on which elements are disturbing both, the research process and the researcher who make it, materializing pain and disabilities in this process-encounter. Besides, the implication analysis contributes to problematize the reverberations of the contemporary political, economic, social, and educational context in the research. Finally, we understand that the implementation of affirmative action policies has made public universities compelled to open their doors to accommodate diversity. Moreover, the expansion of a diverse public entry in federal institutions of higher education, makes it necessary to rethink its structures, epistemologies, references, practices, and pedagogies. When disability begins to occupy academic spaces and temporalities, no longer only as an object of study, but as an analytical and political category, besides being an identity component that singularizes the students' life trajectories, it calls us to rethink the education systems from a structural dimension, since it denounces the ableism intrinsic to the university. As final remarks, we bet on a crippled academy. In other words, a university capable of anticipating and desiring functional and body diversity and, from this epistemological turn, promoting and ensuring access and participation of disabled people in different spaces, contexts, and university performances.application/pdfporUniversidadePolíticas públicasEnsino superiorPessoas com deficiênciaPsicologia socialEducação inclusivaEstudos sobre deficiênciasUniversityInclusive educationHigher educationDisability studiesSocial psychologUniversidade(s) e deficiência(s) : interfaces, tensões e processosinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisUniversidade Federal do Rio Grande do SulInstituto de PsicologiaPrograma de Pós-Graduação em Psicologia Social e InstitucionalPorto Alegre, BR-RS2020doutoradoinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGSinstname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)instacron:UFRGSTEXT001124854.pdf.txt001124854.pdf.txtExtracted Texttext/plain392328http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/10183/221521/2/001124854.pdf.txt8f79f08c550cbec72acb64b7ae2801fdMD52ORIGINAL001124854.pdfTexto completoapplication/pdf2362634http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/10183/221521/1/001124854.pdf4c1fb2bc9f44809f6cd36e7a030f28f7MD5110183/2215212021-06-12 04:46:42.726406oai:www.lume.ufrgs.br:10183/221521Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttps://lume.ufrgs.br/handle/10183/2PUBhttps://lume.ufrgs.br/oai/requestlume@ufrgs.br||lume@ufrgs.bropendoar:18532021-06-12T07:46:42Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)false
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Em um primeiro momento, acionamos 3 operadores teórico e metodológicos que, articulados entre si e na relação com a deficiência, tranversalizam o texto e nos permitem mobilizar as discussões propostas: materializar corporalidades, contar histórias e incômodo. Para posicionar o debate, tecemos algumas reflexões sobre as condições de emergência das práticas e políticas de inclusão educacional voltadas para estudantes com deficiência, subsidiadas em três paradigmas que contextualizam essas discussões em um panorama histórico e orientam nossas intervenções cotidianas: a inclusão como reclusão, como integração, como um direito e imperativo de Estado. Em seguida, relatamos algumas experiências do doutorado sanduíche em um programa de Estudos sobre Deficiência da Universidade Ryerson e refletimos sobre os deslocamentos conceituais e analíticos decorrentes desse estágio, bem como as possibilidades de ampliar tecnologias de acessibilidade e cuidado proporcionadas por essa vivência. O encontro com a arte e com modos interseccionais de relação com a deficiência que encontramos no cenário canadense nos permitiram reiterar a compreensão de que contextos sociais, históricos e culturais diversos permitem a emergência de diferentes modos de produção e relação com as deficiências. Na pesquisa de campo, buscamos observar como a política de reserva de vagas para estudantes com deficiência (Lei nº. 13.409/2016) vem sendo implementada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o que ela coloca em movimento nesse processo de implementação. Como procedimentos para a produção das informações que compõe o corpus empírico da pesquisa, realizamos entrevistas semiestruturadas com 4 estudantes que ingressaram no ensino superior dessa universidade por meio da política de cotas para deficiência. Além das entrevistas, acionamos interlocutoras e departamentos institucionais: transitamos pela Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE), por projetos de extensão e núcleos de pesquisa; acompanhamos eventos sobre a deficiência e sobre as políticas de ações afirmativas; conversamos com profissionais que atuam como servidoras da instituição e com pessoas com deficiência que participam do cotidiano da universidade. As entrevistas com as estudantes foram gravadas em áudio e as demais informações foram registradas em diário de campo. As narrativas das estudantes com deficiência cotistas e os percursos institucionais acionados no decorrer da pesquisa de campo nos apontaram algumas pistas sobre os desafios, as tensões e as controvérsias na operacionalização da política. Discutimos como, ao relegar as questões da deficiência exclusivamente a um plano individual e às soluções técnicas e pontuais, podemos contribuir para isentar a universidade da urgência em reconhecer como as suas próprias estruturas sustentam desigualdades sociais e articulam opressões de forma interseccional e capacitista. Analisamos como contextos diversos materializam deficiências específicas que só podem ser compreendidas na sua multiplicidade e de forma temporal e espacialmente situada. Defendemos a complementaridade inerente a esse processo de constituição que, ao fazer uma deficiência e um sujeito deficiente, também faz o seu oposto – um repertório de práticas, corporalidades e instituições supostamente não atravessadas pela categoria deficiência. Utilizamos a análise de implicações como estratégia metodológica que nos permite refletir sobre quais elementos vão inquietando o fazer pesquisa que faz também a pesquisadora, materializando dores e deficiências nesse processo-encontro. Além disso, a análise de implicações contribui para problematizar as reverberações do contexto político, econômico, social e educacional contemporâneo na pesquisa. Por fim, entendemos que a implementação das políticas de ações afirmativas vem fazendo com que as universidades públicas sejam compelidas a abrir suas portas para comportar a diversidade. Outrossim, a ampliação de entrada de um público diverso nas instituições federais de ensino superior, faz com que seja necessário repensar suas estruturas, epistemologias, referências, práticas e pedagogias. Quando a deficiência passa a ocupar os espaços e temporalidades acadêmicos, não mais apenas como objeto de estudo, mas como categoria analítica e política, além de ser um componente identitário que singulariza as trajetórias de vida das estudantes, nos convoca a repensar os sistemas de ensino a partir de uma dimensão estrutural, uma vez que denuncia o capacitismo intrínseco à universidade. Como apontamentos finais, apostamos em uma academia aleijada, ou seja, uma universidade capaz de antecipar e desejar a diversidade funcional e corporal e, a partir dessa virada epistemológica, promover e garantir o acesso e a participação das pessoas com deficiência nos diferentes espaços, contextos e atuações universitárias.
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