Mulheres transexuais do Candomblé Ketu em Ribeirão Preto-SP: costuras identitárias na interface com a saúde mental
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2021 |
Tipo de documento: | Dissertação |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP |
Texto Completo: | https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-07052021-152621/ |
Resumo: | Historicamente marginalizado no Brasil, o Candomblé é tido por muitos de seus adeptos como uma religiosidade/espiritualidade/ancestralidade inclusiva e acolhedora, sendo que notadamente é possível encontrar mulheres transexuais praticantes da religião. Todavia, o Candomblé apresenta uma problemática ainda latente: o fato de se basear no sexo biológico e não na orientação de gênero de seus adeptos. Assim, o objetivo central desta Dissertação foi investigar como mulheres transexuais do Candomblé expressam e corporificam a questão do gênero em suas práticas religiosas. Adicionalmente, objetivou-se compreender se e como a relação com a religiosidade/espiritualidade/ancestralidade afro-brasileira pode promover sofrimento psíquico nessas mulheres. Tratou-se de um estudo de caso coletivo, exploratório, de corte transversal, amparado no referencial dos estudos de gênero. Foram entrevistadas três mulheres transexuais iniciadas e praticantes de terreiros de Candomblé da cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo. As entrevistadas foram conduzidas a partir de questões que buscaram estabelecer a relação entre identidade de gênero e trajetória das participantes no candomblé. As entrevistas ocorreram de forma distinta, sendo uma presencial, uma pelo aplicativo Google Meet e outra pelo WhatsApp Web, tendo em vista a pandemia da COVID-19, com duração entre 59 e 83 minutos, e foram audiogravadas mediante autorização verbal. Participaram da pesquisa três mulheres trans iniciadas no candomblé para os seguintes orixás: Oya, Oxalufon, Oxum. A primeira participante tem 48 anos de idade e 22 anos de iniciada no candomblé e é Ìyáwó, se autodeclara mulher, parda, possui Ensino Fundamental e é costureira. A segunda participante tem 43 anos de idade e 21 anos de iniciada no candomblé e é Babakekere, se autodeclara mulher transformista, preta, com Ensino Superior e atua como Enfermeiro. Já a terceira participante tem 24 anos de idade e 16 de iniciada no candomblé, se autodeclara mulher, parda com Ensino Superior Incompleto e é Ìyálórìsà. As entrevistas audiogravadas foram transcritas e analisadas na íntegra, sendo codificadas a partir de procedimentos de análise de conteúdo temático reflexivo. O corpus foi constituído pelas entrevistas transcritas e pelas narrativas em diário de campo, interpretados a partir do referencial dos estudos de gênero. Foram evidenciadas, a partir dos relatos das participantes, a relação entre fé, religiosidade/espiritualidade/ancestralidade no candomblé e as relações de gênero, sendo que a primeira participante relatou não frequentar na condição de filha de santo nenhum outro terreiro de candomblé, mas ser candomblecista e frequentar terreiros na condição de amiga dos dirigentes religiosos. De acordo com a mesma, quando foi iniciada precisou assumir sua identidade biológica mesmo com seu Babalorixá sendo homossexual. A segunda participante possui um posto masculino no terreiro em que frequenta e relata assumir sua identidade biológica no terreiro e no trabalho. No terreiro por opção e no trabalho pela necessidade de proteção, assumindo assim a dualidade entre suas identidades corporificadas, mas relata que mesmo quando assume sua identidade biológica (através do uso de nome e roupas culturalmente consideradas como masculinas) continua sendo e se sentindo mulher. Por fim, a terceira participante relata que assumiu sua identidade trans há aproximadamente um ano. Segundo a participante, a maior dificuldade que encontrou para se assumir como pessoa trans foi o medo da violência e transfobia que sofreria pela sociedade. Mas, segundo ela, pelo fato de ter nascido em uma família candomblecista e seu pai ser homossexual não houve dificuldade em se assumir como mulher trans no candomblé, sendo que, diferente das demais participantes que já se iniciaram no candomblé na condição de mulheres, a terceira participante \'descobriu-se\' mulher quando já era dirigente religiosa do terreiro de sua família. Foi identificado que, para as mulheres participantes deste estudo, sentir-se mulher se sobressai à necessidade de vestir-se como mulher. Igualmente, esse fato evidencia que os terreiros de candomblé compõem uma potente rede de acolhimento à população trans e que a cosmogonia yorubá não pode ser interpretada como sendo transfóbica, mas os sujeitos que reproduzem os ritos e procedimentos desta cultura podem apresentar dinâmicas potencialmente transfóbicas. |
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Mulheres transexuais do Candomblé Ketu em Ribeirão Preto-SP: costuras identitárias na interface com a saúde mentalTranssexual women at Candomblé Ketu in Ribeirão Preto-SP: identity seams at the interface with mental healthAnálise de gêneroCulturaCultureGender analysisMental healthReligiãoReligionSaúde mentalTransexualidadeTranssexualismHistoricamente marginalizado no Brasil, o Candomblé é tido por muitos de seus adeptos como uma religiosidade/espiritualidade/ancestralidade inclusiva e acolhedora, sendo que notadamente é possível encontrar mulheres transexuais praticantes da religião. Todavia, o Candomblé apresenta uma problemática ainda latente: o fato de se basear no sexo biológico e não na orientação de gênero de seus adeptos. Assim, o objetivo central desta Dissertação foi investigar como mulheres transexuais do Candomblé expressam e corporificam a questão do gênero em suas práticas religiosas. Adicionalmente, objetivou-se compreender se e como a relação com a religiosidade/espiritualidade/ancestralidade afro-brasileira pode promover sofrimento psíquico nessas mulheres. Tratou-se de um estudo de caso coletivo, exploratório, de corte transversal, amparado no referencial dos estudos de gênero. Foram entrevistadas três mulheres transexuais iniciadas e praticantes de terreiros de Candomblé da cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo. As entrevistadas foram conduzidas a partir de questões que buscaram estabelecer a relação entre identidade de gênero e trajetória das participantes no candomblé. As entrevistas ocorreram de forma distinta, sendo uma presencial, uma pelo aplicativo Google Meet e outra pelo WhatsApp Web, tendo em vista a pandemia da COVID-19, com duração entre 59 e 83 minutos, e foram audiogravadas mediante autorização verbal. Participaram da pesquisa três mulheres trans iniciadas no candomblé para os seguintes orixás: Oya, Oxalufon, Oxum. A primeira participante tem 48 anos de idade e 22 anos de iniciada no candomblé e é Ìyáwó, se autodeclara mulher, parda, possui Ensino Fundamental e é costureira. A segunda participante tem 43 anos de idade e 21 anos de iniciada no candomblé e é Babakekere, se autodeclara mulher transformista, preta, com Ensino Superior e atua como Enfermeiro. Já a terceira participante tem 24 anos de idade e 16 de iniciada no candomblé, se autodeclara mulher, parda com Ensino Superior Incompleto e é Ìyálórìsà. As entrevistas audiogravadas foram transcritas e analisadas na íntegra, sendo codificadas a partir de procedimentos de análise de conteúdo temático reflexivo. O corpus foi constituído pelas entrevistas transcritas e pelas narrativas em diário de campo, interpretados a partir do referencial dos estudos de gênero. Foram evidenciadas, a partir dos relatos das participantes, a relação entre fé, religiosidade/espiritualidade/ancestralidade no candomblé e as relações de gênero, sendo que a primeira participante relatou não frequentar na condição de filha de santo nenhum outro terreiro de candomblé, mas ser candomblecista e frequentar terreiros na condição de amiga dos dirigentes religiosos. De acordo com a mesma, quando foi iniciada precisou assumir sua identidade biológica mesmo com seu Babalorixá sendo homossexual. A segunda participante possui um posto masculino no terreiro em que frequenta e relata assumir sua identidade biológica no terreiro e no trabalho. No terreiro por opção e no trabalho pela necessidade de proteção, assumindo assim a dualidade entre suas identidades corporificadas, mas relata que mesmo quando assume sua identidade biológica (através do uso de nome e roupas culturalmente consideradas como masculinas) continua sendo e se sentindo mulher. Por fim, a terceira participante relata que assumiu sua identidade trans há aproximadamente um ano. Segundo a participante, a maior dificuldade que encontrou para se assumir como pessoa trans foi o medo da violência e transfobia que sofreria pela sociedade. Mas, segundo ela, pelo fato de ter nascido em uma família candomblecista e seu pai ser homossexual não houve dificuldade em se assumir como mulher trans no candomblé, sendo que, diferente das demais participantes que já se iniciaram no candomblé na condição de mulheres, a terceira participante \'descobriu-se\' mulher quando já era dirigente religiosa do terreiro de sua família. Foi identificado que, para as mulheres participantes deste estudo, sentir-se mulher se sobressai à necessidade de vestir-se como mulher. Igualmente, esse fato evidencia que os terreiros de candomblé compõem uma potente rede de acolhimento à população trans e que a cosmogonia yorubá não pode ser interpretada como sendo transfóbica, mas os sujeitos que reproduzem os ritos e procedimentos desta cultura podem apresentar dinâmicas potencialmente transfóbicas.Historically marginalized in Brazil, Candomblé is considered by many of its adherents as a inclusive and welcoming religiosity/spirituality/ancestry, given that clearly it is possible to find transsexual women who practice the religion. However, Candomblé presents a still latent problem: the fact of being based on biological sex and not on the gender orientation of its adherents. Thus, the central objective of this masters\'s dissertation was to investigate how transsexual women of Candomblé express and embody the issue of gender in their religious practices. Additionally, this study aimed to understand whether and how the relationship with Afro-Brazilian religiosity/spirituality/ancestry can promote psychic suffering in these women. This was a collective, exploratory, cross-sectional case study, based on the framework of gender studies. Three transsexual women initiated and practicing patios from Candomblé in the city of Ribeirão Preto, State of São Paulo, were interviewed. The interviewees were conducted based on questions that sought to establish the relationship between gender identity and the trajectory of the participants in candomblé. The interviews took place differently, one by way, one by the Google Meet, and another by WhatsApp, because of the COVID-19 pandemic, lasting from 59 minutes to 83 minutes and were recorded with a verbal authorization. Three trans women initiated in candomblé for the following orixás participated in the research: Oya, Oxalufon, Oxum. The first participant is 48 years old, 22 years old born in candomblé and it is Ìyáwó, declares herself as woman, brown, has an elementary school, and is a seamstress. The second participant is 43 years old and 21 years old born in candomblé and it is Babakekere, self-declared transformist woman, black, with Higher Education and acts as Nurse. The third participant is 24 years old and 16 years old born in candomblé, declares herself a woman, brown with Incomplete Higher Education and it is Ìyálórìsà. The recorded interviews were transcribed and analyzed in full, being coded from procedures of analysis of reflective thematic content. The corpus consisted of transcribed interviews and narratives in a field diary and interpreted from the gender studies framework. It was evidenced, from the participants\' report, the relationship between faith, religiosity/spirituality/ancestry in candomblé and gender relations, and the first participant attending as a saint\'s daughter no other terreiro de candomblé, but to be a candomblecist and attend terreiros as friends with religious leaders. According to her, when she was initiated she had to assume her biological identity even though her Babalorixá was homosexual. The second participant has a male position in the terreiro where she attends and reports assuming her biological identity in the terreiro and at work, in the terreiro by choice and at work because of the need for protection, thus assuming the duality between their corporate identities, but she reports that even when she assumes her biological identity (through the use of her name and clothing culturally considered to be masculine), she remains and feels like a woman. Finally, the third participant reports that she assumed her trans identity approximately a year ago. According to the participant, the biggest difficulty she felt to come out as a trans person was the fear of violence and transphobia that she would suffer for society. But, according to her, because she was born in a Candomblecist family and her father is a homosexual, there was no difficulty in assuming herself as a trans woman in Candomblé, and, unlike the other participants who have already started in Candomblé as women, the third participant assumed been a woman when she was already a religious leader of her family\'s terreiro. It was identified that, for the women participating in this study, feeling like a woman stands out the need to wear women\'s clothes. Likewise, this fact shows that the Candomblé terreiros forms a powerful reception network for the trans population and that yorubá cosmogony cannot be interpreted as transphobic, but the subjects who reproduce the rituals and procedures of this culture may present potentially transphobic dynamics.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPComin, Fabio ScorsoliniGaia, Ronan da Silva Parreira2021-02-19info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-07052021-152621/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2021-05-21T01:48:09Zoai:teses.usp.br:tde-07052021-152621Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212021-05-21T01:48:09Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false |
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Historicamente marginalizado no Brasil, o Candomblé é tido por muitos de seus adeptos como uma religiosidade/espiritualidade/ancestralidade inclusiva e acolhedora, sendo que notadamente é possível encontrar mulheres transexuais praticantes da religião. Todavia, o Candomblé apresenta uma problemática ainda latente: o fato de se basear no sexo biológico e não na orientação de gênero de seus adeptos. Assim, o objetivo central desta Dissertação foi investigar como mulheres transexuais do Candomblé expressam e corporificam a questão do gênero em suas práticas religiosas. Adicionalmente, objetivou-se compreender se e como a relação com a religiosidade/espiritualidade/ancestralidade afro-brasileira pode promover sofrimento psíquico nessas mulheres. Tratou-se de um estudo de caso coletivo, exploratório, de corte transversal, amparado no referencial dos estudos de gênero. Foram entrevistadas três mulheres transexuais iniciadas e praticantes de terreiros de Candomblé da cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo. As entrevistadas foram conduzidas a partir de questões que buscaram estabelecer a relação entre identidade de gênero e trajetória das participantes no candomblé. As entrevistas ocorreram de forma distinta, sendo uma presencial, uma pelo aplicativo Google Meet e outra pelo WhatsApp Web, tendo em vista a pandemia da COVID-19, com duração entre 59 e 83 minutos, e foram audiogravadas mediante autorização verbal. Participaram da pesquisa três mulheres trans iniciadas no candomblé para os seguintes orixás: Oya, Oxalufon, Oxum. A primeira participante tem 48 anos de idade e 22 anos de iniciada no candomblé e é Ìyáwó, se autodeclara mulher, parda, possui Ensino Fundamental e é costureira. A segunda participante tem 43 anos de idade e 21 anos de iniciada no candomblé e é Babakekere, se autodeclara mulher transformista, preta, com Ensino Superior e atua como Enfermeiro. Já a terceira participante tem 24 anos de idade e 16 de iniciada no candomblé, se autodeclara mulher, parda com Ensino Superior Incompleto e é Ìyálórìsà. As entrevistas audiogravadas foram transcritas e analisadas na íntegra, sendo codificadas a partir de procedimentos de análise de conteúdo temático reflexivo. O corpus foi constituído pelas entrevistas transcritas e pelas narrativas em diário de campo, interpretados a partir do referencial dos estudos de gênero. Foram evidenciadas, a partir dos relatos das participantes, a relação entre fé, religiosidade/espiritualidade/ancestralidade no candomblé e as relações de gênero, sendo que a primeira participante relatou não frequentar na condição de filha de santo nenhum outro terreiro de candomblé, mas ser candomblecista e frequentar terreiros na condição de amiga dos dirigentes religiosos. De acordo com a mesma, quando foi iniciada precisou assumir sua identidade biológica mesmo com seu Babalorixá sendo homossexual. A segunda participante possui um posto masculino no terreiro em que frequenta e relata assumir sua identidade biológica no terreiro e no trabalho. No terreiro por opção e no trabalho pela necessidade de proteção, assumindo assim a dualidade entre suas identidades corporificadas, mas relata que mesmo quando assume sua identidade biológica (através do uso de nome e roupas culturalmente consideradas como masculinas) continua sendo e se sentindo mulher. Por fim, a terceira participante relata que assumiu sua identidade trans há aproximadamente um ano. Segundo a participante, a maior dificuldade que encontrou para se assumir como pessoa trans foi o medo da violência e transfobia que sofreria pela sociedade. Mas, segundo ela, pelo fato de ter nascido em uma família candomblecista e seu pai ser homossexual não houve dificuldade em se assumir como mulher trans no candomblé, sendo que, diferente das demais participantes que já se iniciaram no candomblé na condição de mulheres, a terceira participante \'descobriu-se\' mulher quando já era dirigente religiosa do terreiro de sua família. Foi identificado que, para as mulheres participantes deste estudo, sentir-se mulher se sobressai à necessidade de vestir-se como mulher. Igualmente, esse fato evidencia que os terreiros de candomblé compõem uma potente rede de acolhimento à população trans e que a cosmogonia yorubá não pode ser interpretada como sendo transfóbica, mas os sujeitos que reproduzem os ritos e procedimentos desta cultura podem apresentar dinâmicas potencialmente transfóbicas. |
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