O sofrimento docente: apenas aqueles que agem podem também sofrer

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Fanizzi, Caroline
Data de Publicação: 2022
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48135/tde-23022023-115451/
Resumo: Apenas aqueles que agem podem também sofrer. Foi essa a premissa que orientou toda a tessitura desta tese. A partir dela, buscamos esclarecer a compreensão que temos dos fenômenos relacionados ao sofrimento de um professor. A despeito da universalidade do sofrimento enquanto experiência humana, dedicamo-nos ao exame dos contornos que ele adquire no exercício do ofício docente e do modo como ele afeta os sujeitos que se lançam a ensinar. Para isso, recorremos a vozes e acontecimentos que emergem do cotidiano docente e, em especial, à narrativa de uma professora que, no início do século XX, decide tornar pública a sua experiência como professora e transformá-la no livro O calvário de uma professora (1928). O sofrimento docente consiste em uma temática particularmente recursiva no Brasil. Em discursos sócio midiáticos, conversas nas salas dos professores do ensino básico e debates acadêmicos, é recorrente a discussão sobre o quão adoecidos, desautorizados e desvalorizados estão os professores em nosso país. Diante da precariedade material à qual devem cotidianamente fazer face, aspectos como baixos salários, sobrecarga de trabalho, classes lotadas e a ausência de recursos nas escolas são frequentemente apontados como as supostas causas do seu sofrimento. Indisciplina discente, desrespeito dos superiores e das famílias dos alunos, desvalorização por parte dos governos e da sociedade de maneira geral são também assinalados como elementos que participam daquilo que faz sofrer um professor. Esse último conjunto de elementos compõe a condição que aqui nomeamos como precariedade simbólica do ofício docente. Operando, com frequência, de forma conjunta à precariedade material, a precariedade simbólica do ofício docente esvazia o lugar distintivo do professor no tecido social, apaga a sua inscrição simbólica na vida junto aos outros e impõe àqueles que se dedicam à docência a contradição de habitar um não-lugar. O discurso educacional, hoje profundamente marcado por uma lógica tecnicista, busca preencher esse lugar então tornado vazio com uma série de técnicas e metodologias supostamente capazes de conferir eficiência e assertividade ao ensino. Ao professor, restaria apenas a função de executá-las de modo adequado. A ausência de um lugar distintivo no tecido social, somada aos constrangimentos impostos à ação docente pelo discurso de tecnicização do ensino compõem o cenário de onde emergem os fenômenos do sofrimento docente. Assim, neste estudo, desenvolvemos a proposição de ser sofrimento docente um fenômeno decorrente das ameaças e constrangimentos infligidos às capacidades do professor enquanto agente humano, quais sejam, as capacidades de dizer, agir, (se) contar e estimar a si-mesmo (RICUR, 2005, 2014). Complementarmente, a partir de uma perspectiva arendtiana, examinamos o sofrimento docente como fenômeno decorrente das ameaças à possibilidade de o professor fazer-se presente em seu ofício como um alguém (ARENDT, 2015). Ainda, antes de restringi-lo a uma doença, paralisia ou renúncia docente que deve ser extinguida ou remediada, propomos ser o sofrimento enunciado por um professor um indicativo de potência. Potência que enunciada sob a forma da queixa diz do sujeito que sofre, mas sobretudo do sujeito que resiste.
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Para isso, recorremos a vozes e acontecimentos que emergem do cotidiano docente e, em especial, à narrativa de uma professora que, no início do século XX, decide tornar pública a sua experiência como professora e transformá-la no livro O calvário de uma professora (1928). O sofrimento docente consiste em uma temática particularmente recursiva no Brasil. Em discursos sócio midiáticos, conversas nas salas dos professores do ensino básico e debates acadêmicos, é recorrente a discussão sobre o quão adoecidos, desautorizados e desvalorizados estão os professores em nosso país. Diante da precariedade material à qual devem cotidianamente fazer face, aspectos como baixos salários, sobrecarga de trabalho, classes lotadas e a ausência de recursos nas escolas são frequentemente apontados como as supostas causas do seu sofrimento. Indisciplina discente, desrespeito dos superiores e das famílias dos alunos, desvalorização por parte dos governos e da sociedade de maneira geral são também assinalados como elementos que participam daquilo que faz sofrer um professor. Esse último conjunto de elementos compõe a condição que aqui nomeamos como precariedade simbólica do ofício docente. Operando, com frequência, de forma conjunta à precariedade material, a precariedade simbólica do ofício docente esvazia o lugar distintivo do professor no tecido social, apaga a sua inscrição simbólica na vida junto aos outros e impõe àqueles que se dedicam à docência a contradição de habitar um não-lugar. O discurso educacional, hoje profundamente marcado por uma lógica tecnicista, busca preencher esse lugar então tornado vazio com uma série de técnicas e metodologias supostamente capazes de conferir eficiência e assertividade ao ensino. Ao professor, restaria apenas a função de executá-las de modo adequado. A ausência de um lugar distintivo no tecido social, somada aos constrangimentos impostos à ação docente pelo discurso de tecnicização do ensino compõem o cenário de onde emergem os fenômenos do sofrimento docente. Assim, neste estudo, desenvolvemos a proposição de ser sofrimento docente um fenômeno decorrente das ameaças e constrangimentos infligidos às capacidades do professor enquanto agente humano, quais sejam, as capacidades de dizer, agir, (se) contar e estimar a si-mesmo (RICUR, 2005, 2014). Complementarmente, a partir de uma perspectiva arendtiana, examinamos o sofrimento docente como fenômeno decorrente das ameaças à possibilidade de o professor fazer-se presente em seu ofício como um alguém (ARENDT, 2015). Ainda, antes de restringi-lo a uma doença, paralisia ou renúncia docente que deve ser extinguida ou remediada, propomos ser o sofrimento enunciado por um professor um indicativo de potência. Potência que enunciada sob a forma da queixa diz do sujeito que sofre, mas sobretudo do sujeito que resiste.Only those who act can also suffer. This was the premise that guided the entire elaboration of this thesis. From it, we seek to clarify our understanding of the phenomena of the teachers suffering. Despite the universality of suffering as a human experience, we are dedicated to examine the contours that it acquires in the exercise of the teaching profession and the way it affects teachers. For this, we resort to voices and events that emerge from the teaching routine and, in particular, to the narrative of a teacher who, at the beginning of the 20th century, decides to publicize her experience as a teacher and transform it into the book O Calvário de uma professora [The calvary of a teacher] (1928). Teacher suffering is a recurring theme in Brazil. In social and mediatic discourses, conversations in elementary school teachers rooms and academic debates, there is a frequent discussion about how sick, unauthorized, and undervalued teachers are in our country. Faced with the material precariousness, aspects such as low salaries, work overload, crowded classes, lack of resources in schools are often signalized as the supposed causes of the teachers suffering. Student indiscipline, disrespect from superiors and students families, devaluation by governments and society in general are also identified as elements that participate in what makes a teacher suffer. This last set of elements composes the condition that we name here as the symbolic precariousness of the teaching profession. Often operating in conjunction with material precariousness, the symbolic precariousness of the teaching profession empties the teachers distinctive place in society, erases their symbolic inscription in life with others and imposes on teachers the paradox of inhabiting a nonplace. Educational discourse, today deeply marked by a technicist logic, seeks to fill this empty space with a series of techniques and methodologies supposedly capable of conferring efficiency and assertiveness on teaching. The teacher would only have the task of executing them properly. The absence of a distinctive place in society, added to the constraints imposed on teaching action by the discourse of technicization of teaching, we propose, constitute the scenario from which the phenomena of teaching suffering emerge. Thus, in this study, we developed the proposition that teacher suffering is a phenomenon resulting from threats and constraints inflicted on the teacher\'s capacities as a human agent, namely, the capacity to say, the capacity to act, the capacity to narrate and the capacity of self-esteem (RICUR, 2005, 2014). Complementarily, from an Arendtian perspective, we examine teacher suffering as a phenomenon resulting from threats to the possibility of the teacher being present in his profession as someone (ARENDT, 2015). Furthermore, before restricting it to an illness, paralysis or teaching resignation that must be extinguished or remedied, we propose that the suffering enunciated by a teacher is an indication of potency. Potency that, expressed in the form of a complaint, says about the subject who suffers, but mainly about the subject who resists.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPCarvalho, José Sergio Fonseca deFanizzi, Caroline2022-12-01info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48135/tde-23022023-115451/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPReter o conteúdo por motivos de patente, publicação e/ou direitos autoriais.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2023-02-23T22:52:52Zoai:teses.usp.br:tde-23022023-115451Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212023-02-23T22:52:52Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
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