Pode dizer ou não? Discurso de ódio, liberdade de expressão e a democracia liberal igualitária

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Gross, Clarissa Piterman
Data de Publicação: 2017
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-28082020-013457/
Resumo: Esse trabalho corrobora a tese de que os discursos de ódio não podem ser proibidos em razão do seu conteúdo. A legitimidade da imposição coercitiva pelo Estado das decisões da maioria sobre as minorias só prevalece se a cada sujeito é garantida a liberdade de se expressar sobre temas éticos, morais, políticos e estéticos tanto no exercício da conformação de sua própria identidade quanto na contribuição para o ambiente valorativo no qual as pessoas conduzem suas vidas. Defendo essa tese, assentada nas teorias coerentistas da justiça de Ronald Dworkin e C. Edwin Baker, da crítica à proteção aos discursos de conteúdo discriminatório feita por Jeremy Waldron e baseada em um conceito de dignidade que ele afirma ser distintamente jurídico. Argumento que as razões oferecidas pelo conceito de dignidade de Waldron para proibição de discursos de ódio colapsam em duas hipóteses fracassadas, incapazes de universalização, quais sejam, o argumento igualitário de natureza consequencialista, e aquele que procura defender um direito de não ser confrontado com o fato de que certas pessoas negam os fundamentos igualitários da justiça. Ainda, ofereço respostas dworkinianas a três críticas que buscam apontar para incoerências internas ao posicionamento de Dworkin. São elas: (1) se discursos de ódio atentam contra os fundamentos da reputação dos indivíduos, Dworkin não pode ao mesmo tempo advogar pela proteção de um direito individual de reputação e defender a proteção de discursos de ódio; (2) não faz sentido insistir que a ordem política é informada pela proteção da independência ética individual se o ambiente ético, moral, político e estético oprime a formação dessa independência em pessoas pertencentes a certos grupos sistematicamente desfavorecidos seja no acesso a recursos e oportunidades, seja na representação social do seu valor; (3) as mesmas razões que justificam a proibição de discurso de ódio em contextos especiais, como o local de trabalho e o campus universitário, justificam também a proibição desse discurso de forma geral. Em resposta às críticas (1) ofereço uma teoria da reputação que a entende como direito de justa competição pela percepção social de si, e que justifica a proibição do discurso apenas com base na intencionalidade difamatória. Essa concepção do direito à reputação é compatível com a proteção dos casos paradigmáticos de discurso de ódio. (2) Argumento que a teoria de Dworkin enseja deveres gerais positivos por parte do Estado de promoção da igualdade entre grupos sociais, compatíveis com a preservação da legitimidade do poder estatal por meio da proteção dos direitos individuais de expressão. (3) Por fim, mostro a plausibilidade de que contextos especiais apresentem razões específicas para proibição de discursos de ódio que não se estendem ao debate público em geral. Proibir o discurso de ódio para servir aos propósitos específicos desses contextos não mina a legitimidade do Estado justamente por haver outros espaços nos quais esse discurso pode ter livre expressão.
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Edwin Baker, da crítica à proteção aos discursos de conteúdo discriminatório feita por Jeremy Waldron e baseada em um conceito de dignidade que ele afirma ser distintamente jurídico. Argumento que as razões oferecidas pelo conceito de dignidade de Waldron para proibição de discursos de ódio colapsam em duas hipóteses fracassadas, incapazes de universalização, quais sejam, o argumento igualitário de natureza consequencialista, e aquele que procura defender um direito de não ser confrontado com o fato de que certas pessoas negam os fundamentos igualitários da justiça. Ainda, ofereço respostas dworkinianas a três críticas que buscam apontar para incoerências internas ao posicionamento de Dworkin. São elas: (1) se discursos de ódio atentam contra os fundamentos da reputação dos indivíduos, Dworkin não pode ao mesmo tempo advogar pela proteção de um direito individual de reputação e defender a proteção de discursos de ódio; (2) não faz sentido insistir que a ordem política é informada pela proteção da independência ética individual se o ambiente ético, moral, político e estético oprime a formação dessa independência em pessoas pertencentes a certos grupos sistematicamente desfavorecidos seja no acesso a recursos e oportunidades, seja na representação social do seu valor; (3) as mesmas razões que justificam a proibição de discurso de ódio em contextos especiais, como o local de trabalho e o campus universitário, justificam também a proibição desse discurso de forma geral. Em resposta às críticas (1) ofereço uma teoria da reputação que a entende como direito de justa competição pela percepção social de si, e que justifica a proibição do discurso apenas com base na intencionalidade difamatória. Essa concepção do direito à reputação é compatível com a proteção dos casos paradigmáticos de discurso de ódio. (2) Argumento que a teoria de Dworkin enseja deveres gerais positivos por parte do Estado de promoção da igualdade entre grupos sociais, compatíveis com a preservação da legitimidade do poder estatal por meio da proteção dos direitos individuais de expressão. (3) Por fim, mostro a plausibilidade de que contextos especiais apresentem razões específicas para proibição de discursos de ódio que não se estendem ao debate público em geral. Proibir o discurso de ódio para servir aos propósitos específicos desses contextos não mina a legitimidade do Estado justamente por haver outros espaços nos quais esse discurso pode ter livre expressão.This work corroborates the thesis that hate speech can not be prohibited due to its content. The legitimacy of coercive imposition of majority decisions on minorities depends on each person being guaranteed the freedom to express herself on ethical, moral, political and aesthetic issues, both in service of her own personal identity and in contribution to the normative environment in which people lead their lives. I defend this thesis, based on Ronald Dworkin\'s and C. Edwin Baker\'s coherentist theories of freedom of speech, from the Jeremy Waldron\'s criticism grounded on what Waldron considers to be his distinctly legal conception of dignity. I argue that the reasons offered by Waldron\'s conception of dignity to prohibit hate speech collapse into two failed hypotheses, both incapable of universalization. The first one is the egalitarian argument of a consequentialist nature, while the second claims a right not to be confronted with the fact that certain people deny the egalitarian foundations of justice. I also offer Dworkinian answers to three criticisms seeking to point to internal inconsistencies in Dworkin\'s defense of the freedom to express hateful content. The criticisms are the following: (1) if speech of discriminatory content run counter to the foundations of the reputation of individuals, Dworkin can not at the same time advocate for the protection of a right to individual reputation and defend the protection of speech of discriminatory content; (2) it makes no sense to insist that the political order is informed by the protection of individual ethical independence if the ethical, moral, political and aesthetic environment systematically prevents the formation of this sense of independence in persons belonging to disadvantaged and stigmatized groups; (3) the same reasons that justify the prohibition of hate speech in specific contexts, such as the workplace and university campi, also justify the general prohibition of such speech. In response to such criticisms, (1) I offer a theory of reputation as the right to the fair competition for the social perception of oneself. The right to reputation thus framed only justifies the prohibition of speech if, besides of having a deleterious impact on the social perception of a third party, the speech act\'s intention is to defame. This conception of the right to reputation is consistent with protetcing the paradigmatic cases of hate speech. (2) I argue that Dworkin\'s theory of justice entails general positive obligations on the part of the state to promote equality between social groups. These positive duties are consistent with preserving the legitimacy of the state coercive power for the dissenting minorities\' individual freedom of speech rights are concomitantly protected. (3) Finally, I argue that it is plausible that specific contexts present specific reasons for prohibiting hate speech that do not extend to public debate in general. The prohibition of hate speech to serve the specific purposes of these contexts does not undermine the legitimacy of the State precisely because there are other channels through which this speech can find free expression.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPJúnior, Ronaldo Porto MacedoGross, Clarissa Piterman2017-06-06info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisapplication/pdfhttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-28082020-013457/reponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USPinstname:Universidade de São Paulo (USP)instacron:USPLiberar o conteúdo para acesso público.info:eu-repo/semantics/openAccesspor2022-08-28T12:58:18Zoai:teses.usp.br:tde-28082020-013457Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://www.teses.usp.br/PUBhttp://www.teses.usp.br/cgi-bin/mtd2br.plvirginia@if.usp.br|| atendimento@aguia.usp.br||virginia@if.usp.bropendoar:27212022-08-28T12:58:18Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP - Universidade de São Paulo (USP)false
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