Caça às bruxas e a formação do pensamento moderno no Ocidente: uma outra história da ciência

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Silva, Clara Joséphine F. Caldeira da
Data de Publicação: 2024
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP
Texto Completo: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6143/tde-03092024-164520/
Resumo: A caça às bruxas foi o primeiro genocídio de proporções intercontinentais da era moderna e coincidiu com marcos históricos cruciais para a constituição da modernidade no Ocidente, como a Revolução Científica e a colonização das Américas. As mulheres condenadas como bruxas eram, em sua maioria, parteiras, benzedeiras e curandeiras não profissionais, que davam suporte às populações camponesas e às classes baixas. A perseguição e o extermínio destas mulheres representou também a marginalização de dimensões epistêmicas que propunham uma dimensão mágica, baseada em cosmologias originárias e numa concepção animista do mundo e, portanto, na convivência integrada entre os seres humanos e a natureza, constituindo também um epistemicídio. Isso aconteceu à medida que a Revolução Científica avançava e a medicina se institucionalizava, e se constituía como uma profissão nova, regulamentada e masculina. Esta pesquisa dedica-se a investigar as marcas deixadas por este fenômeno e sua importância na formação de um sistema de saber-poder, a fim de descobrir \"se\" e \"como\" seus efeitos se perpetuam na atualidade. Partimos da hipótese, defendida por diversos autores, de que o genocídio não se limitou à Europa, mas foi exportado para outros territórios com as invasões de terras ameríndias -- juntamente com os conceitos de gênero e raça --, ganhando novos contornos e retroalimentando a perseguição europeia. A interconexão entre os interesses e a atuação do Estado e da Igreja, nos permitiu detectar um projeto extenso e complexo de expansão e dominação política, econômica e cultural, que, em última instância, usava da religião como ferramenta de imposição ideológica e da violência, em suas diversas formas, como mecanismo de dominação social. De uma perspectiva foucaultiana, entendemos a caça às bruxas também como um fenômeno \"fundado na\" e \"fundante da\" diferença de gênero e do dimorfismo sexual, enquanto ficção biológica, e nos dedicamos a tentar mapear até que ponto ele pode ter contribuído para a instauração de outros marcadores da diferença a partir da biologia e da ciência, como é o caso da raça. Identificamos que o desencantamento do mundo e a biologização da alteridade, fundados no genocídio e no epistemicídio foram fundamentais à exploração humana e natural (divisão que não endossamos), que marcou de maneira crescente os últimos séculos, permitindo o desenvolvimento do capitalismo industrial e tecnológico, e inaugurando o processo que nos trouxe à emergência climática e humana sem precedentes com que hoje nos defrontamos.
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A perseguição e o extermínio destas mulheres representou também a marginalização de dimensões epistêmicas que propunham uma dimensão mágica, baseada em cosmologias originárias e numa concepção animista do mundo e, portanto, na convivência integrada entre os seres humanos e a natureza, constituindo também um epistemicídio. Isso aconteceu à medida que a Revolução Científica avançava e a medicina se institucionalizava, e se constituía como uma profissão nova, regulamentada e masculina. Esta pesquisa dedica-se a investigar as marcas deixadas por este fenômeno e sua importância na formação de um sistema de saber-poder, a fim de descobrir \"se\" e \"como\" seus efeitos se perpetuam na atualidade. Partimos da hipótese, defendida por diversos autores, de que o genocídio não se limitou à Europa, mas foi exportado para outros territórios com as invasões de terras ameríndias -- juntamente com os conceitos de gênero e raça --, ganhando novos contornos e retroalimentando a perseguição europeia. A interconexão entre os interesses e a atuação do Estado e da Igreja, nos permitiu detectar um projeto extenso e complexo de expansão e dominação política, econômica e cultural, que, em última instância, usava da religião como ferramenta de imposição ideológica e da violência, em suas diversas formas, como mecanismo de dominação social. De uma perspectiva foucaultiana, entendemos a caça às bruxas também como um fenômeno \"fundado na\" e \"fundante da\" diferença de gênero e do dimorfismo sexual, enquanto ficção biológica, e nos dedicamos a tentar mapear até que ponto ele pode ter contribuído para a instauração de outros marcadores da diferença a partir da biologia e da ciência, como é o caso da raça. Identificamos que o desencantamento do mundo e a biologização da alteridade, fundados no genocídio e no epistemicídio foram fundamentais à exploração humana e natural (divisão que não endossamos), que marcou de maneira crescente os últimos séculos, permitindo o desenvolvimento do capitalismo industrial e tecnológico, e inaugurando o processo que nos trouxe à emergência climática e humana sem precedentes com que hoje nos defrontamos.The witch-hunting was the first genocide of intercontinental proportions in the modern era and coincided with crucial historical milestones for the constitution of modernity in the West, such as the Scientific Revolution and the colonization of the Americas. Most of the women condemned as witches were non-professional midwives, healers, and herbalists who supported peasant populations and the lower classes. The persecution and extermination of these women also represented the marginalization of epistemological dimensions that proposed a magical dimension, based on original cosmologies and an animistic conception of the world. Therefore, it was rooted in the integrated coexistence between human beings and nature, constituting an epistemicide. This occurred as the Scientific Revolution progressed, and medicine became institutionalized and established as a new, regulated, and male-dominated profession. This research is dedicated to investigating the impact left by this phenomenon and its importance in the formation of a knowledge-power system, aiming to discover if and how its effects continue to persist today. We begin with the hypothesis, defended by several authors, that the genocide was not limited to Europe but was exported to other territories through the invasions of Amerindian lands, along with the concepts of gender and race. This exportation resulted in new manifestations and fed back into the European persecution. The interconnection between the interests and actions of the State and the Church enabled us to identify an extensive and complex project of expansion and political, economic, and cultural domination. Ultimately, religion was used as a tool for ideological imposition and violence, in its various forms, as a mechanism of social domination. From a Foucauldian perspective, we understand the witch-hunting as a phenomenon that both relied on and established gender difference and sexual dimorphism as a biological fiction. We delve into mapping to what extent it may have contributed to the establishment of other markers of difference based on biology and science, such as race. We have identified that the disenchantment of the world and the biologization of otherness, rooted in genocide and epistemicide, were fundamental to the exploration of both human beings and nature. This division, which we do not endorse, has increasingly marked the past centuries, allowing the development of industrial and technological capitalism. This process has brought us to the unprecedented climate and human emergency we face today.Biblioteca Digitais de Teses e Dissertações da USPCarvalho, Yara Maria deSilva, Clara Joséphine F. 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