Desafios sanitários do Séc. XIX e o desenvolvimento da Enfermagem: O caso da Sífilis

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Oliveira, Aliete Cristina Gomes Dias Pedrosa da Cunha
Data de Publicação: 2019
Outros Autores: Cunha-Oliveira, José, Queirós, Paulo Joaquim Pina
Tipo de documento: Artigo
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://web.esenfc.pt/?url=jSq7zPpU
Resumo: O século XIX corresponde a um período conturbado no nosso país, devido às invasões francesas e consequente guerra entre liberais e absolutistas (Vinhas, 2012) e, depois, entre monárquicos e republicanos, constituindo um período particularmente conturbado do ponto de vista cultural, social, político, científico e tecnológico, com repercussões na conceção e execução de políticas, designadamente ao nível do papel a desempenhar por religiosos e seculares, e da estruturação dos cuidados de saúde e criação e ensino da profissão de Enfermagem laica. A isso, se aplica a situação dos cuidados a prestar aos doentes, em particular aos que sofriam de doenças venéreas, em especial a sífilis. Além disso, o século XIX é em si mesmo um século de importantes mudanças de paradigma, sob os auspícios de descobertas científicas que moldaram a medicina moderna, sobretudo nas áreas da saúde pública e do diagnóstico clínico. A obra de cientistas médicos, como Lister, Pasteur e Koch, transformou as fundações conceptuais e a prática da medicina, com a aplicação das descobertas científicas em áreas como a microbiologia e a fisiologia, na compreensão, manejo e prevenção da doença (Bynum, 1994). Neste trabalho, servimo-nos da consulta de 17 Dissertações Inaugurais apresentadas no século XIX, na Escola Médica do Porto. Pelas suas motivações e natureza etária, as Dissertações Inaugurais oferecem uma amostragem das preocupações sanitárias da época. Estas dissertações, designadas por Dissertação Inaugural para Acto de Conclusões Magnas, constavam de uma tese de encerramento do ciclo formativo numa das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto, e serviam para conceder o título de médico-cirurgião, já que até 1911 só a Universidade de Coimbra concedia o grau de licenciatura. "Dentro da temática médica e cirúrgica, os conteúdos abordados eram extremamente variados, resultando numa palete de matizes onde se pintam os temas e patologias que preenchiam a vivência dos finalistas" (Costa & Vieira, 2011, p. 2). "As dissertações inaugurais constituem assim uma fonte, quase exclusiva, para a reconstituição do ensino da medicina e mesmo da prática médica" (Amaral & Felgueiras, 2013, p. 14). Servimo-nos, igualmente, de teses de mestrado e de doutoramento em enfermagem, antropologia e história, as quais nos oferecem uma visão multifacetada e em 360º de uma terrível doença transmissível, horizontal e verticalmente, e durante muito tempo de desconhecida origem e tratamento: a sífilis. No século XIX, as doenças sociais mais prevalentes no nosso país eram o alcoolismo, a tuberculose e a sífilis (Reis, 1940), das quais a sífilis era a mais temida (Garcia-Ziemsen, 2010). As principaes [moléstias] são, em primeiro lugar a Celtica, ou Venerea, que tem lavrado sobre toda a face da terra, arruinando por mui differentes modos a constituição humana; donde procedeo terem-lhe os práticos chamado o Protheu das molestias [...]. Mina ou rápida, ou lentamente as mais robustas compleições, quando a imprudencia, ou a má ventura nos arrasta a fontes impuras, e inficionadas: passa insidiosamente de pais a filhos, e a gerações inteiras, semque muitas vezes possamos atinar com a verdadeira causa deste progressivo definhamento [...]. Contagia-se não só mediante a coabitação, mas frequentemente pelo leite das amas, que parecendo sãs, muitas vezes estão contaminadas; por osculos lascivos, &c o seu virus he por ultimo tão atraiçoado, que ás vezes se occulta por anos no interior da nossa machina para fazer depois mais cruelmente a sua erupção. Até hoje ainda se não descobrio preservativo algum contra este terrivel veneno, que tanto mais geral se tem feito, quanto mais inevitaveis são as causas do seu contagio. O unico conhecido he a espinhosa virtude da continencia". (Franco, 1814, p. 344)
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