Jose Saramago: ficção, história e Memorial do Convento
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2001 |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) |
Texto Completo: | http://hdl.handle.net/10400.2/2010 |
Resumo: | Quando, em 1990, José Saramago publica no Jornal de Letras um artigo intitulado «História e ficção», pode dizer-se que não só atesta, ao nível da teorização literária em geral, a importância da problemática inerente à relação entre História e Literatura, como, sobretudo, vinca um cunho de algum modo programático da sua obra narrativa. Para apreendermos com nitidez qual a posição assumida por Saramago, parece-nos desde já indispensável atentar, nesse artigo, numa reflexão estreitamente relacionada com a questão que diz respeito às duas soluções discursivas possíveis, pelas quais um romancista que escolhe os “caminhos da História” pode optar: «[…] uma, discreta e respeitosa, consistirá em reproduzir ponto por ponto os factos conhecidos, sendo a ficção mera servidora duma fidelidade que se quer inatacável; a outra, ousada, leva-lo-á a entretecer dados históricos não mais que suficientes num tecido ficcional que se manterá predominante. Porém, estes dois vastos mundos, o mundo das verdades históricas e o mundo das verdades ficcionais, à primeira vista inconciliáveis, podem vir a ser harmonizados na instância narradora» (SARAMAGO, 1990: 19). Trata-se, como se vê, de uma passagem muito sugestiva, menos pela novidade do que pelas pistas que desvela. Com efeito, para além de nela esclarecer algo sobre o problema acarretado por um tipo particular de escrita literária narrativa, Saramago ajuda-nos a abrir caminho para um dos domínios mais delicados dos estudos literários — a relação entre História e Literatura —, e isto pelas consequências que, em termos operatórios, ele arrasta a um determinado nível: o que engloba a discussão dos termos e conceitos ficcionalidade, referência, verdade, mundo possível, História, pacto de leitura, relação verdade—ficção e relação História—ficção. Assim, as duas opções acima referidas por Saramago conduzem-nos, em primeiro lugar, a uma reflexão geral sobre o problema da ficcionalidade. A leitura de um romance como o Memorial do Convento obviamente que não interessa apenas adoptando uma atitude inconsequente (que consistiria na mera identificação dos elementos ficcionais desse texto, pela verificação do tipo de existência que lhes podemos atribuir). É, com efeito, necessário reflectir sobre o carácter ficcional do discurso literário, tentando compreender, a um nível imediato, as virtualidades técnico-discursivas e, a um nível mediato, as estruturas profundas de índole semântico-ideológica que estão inerentes a essa discursividade. Para isso, há que fazer apelo à Teoria da Literatura, à Narratologia, à Semântica e à Pragmática. |
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Quando, em 1990, José Saramago publica no Jornal de Letras um artigo intitulado «História e ficção», pode dizer-se que não só atesta, ao nível da teorização literária em geral, a importância da problemática inerente à relação entre História e Literatura, como, sobretudo, vinca um cunho de algum modo programático da sua obra narrativa. Para apreendermos com nitidez qual a posição assumida por Saramago, parece-nos desde já indispensável atentar, nesse artigo, numa reflexão estreitamente relacionada com a questão que diz respeito às duas soluções discursivas possíveis, pelas quais um romancista que escolhe os “caminhos da História” pode optar: «[…] uma, discreta e respeitosa, consistirá em reproduzir ponto por ponto os factos conhecidos, sendo a ficção mera servidora duma fidelidade que se quer inatacável; a outra, ousada, leva-lo-á a entretecer dados históricos não mais que suficientes num tecido ficcional que se manterá predominante. Porém, estes dois vastos mundos, o mundo das verdades históricas e o mundo das verdades ficcionais, à primeira vista inconciliáveis, podem vir a ser harmonizados na instância narradora» (SARAMAGO, 1990: 19). Trata-se, como se vê, de uma passagem muito sugestiva, menos pela novidade do que pelas pistas que desvela. Com efeito, para além de nela esclarecer algo sobre o problema acarretado por um tipo particular de escrita literária narrativa, Saramago ajuda-nos a abrir caminho para um dos domínios mais delicados dos estudos literários — a relação entre História e Literatura —, e isto pelas consequências que, em termos operatórios, ele arrasta a um determinado nível: o que engloba a discussão dos termos e conceitos ficcionalidade, referência, verdade, mundo possível, História, pacto de leitura, relação verdade—ficção e relação História—ficção. Assim, as duas opções acima referidas por Saramago conduzem-nos, em primeiro lugar, a uma reflexão geral sobre o problema da ficcionalidade. A leitura de um romance como o Memorial do Convento obviamente que não interessa apenas adoptando uma atitude inconsequente (que consistiria na mera identificação dos elementos ficcionais desse texto, pela verificação do tipo de existência que lhes podemos atribuir). É, com efeito, necessário reflectir sobre o carácter ficcional do discurso literário, tentando compreender, a um nível imediato, as virtualidades técnico-discursivas e, a um nível mediato, as estruturas profundas de índole semântico-ideológica que estão inerentes a essa discursividade. Para isso, há que fazer apelo à Teoria da Literatura, à Narratologia, à Semântica e à Pragmática. |
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