Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Morais, Paula Fernanda da Silva
Data de Publicação: 2005
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/1822/7862
Resumo: Dissertação de Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa
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spelling Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavras869.0"19"351.751(469)946.9.073Dissertação de Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura PortuguesaAo longo de cerca de quarenta anos, o regime ditatorial português procurou implementar uma imagem ideológica do país que funcionasse como um meio de congregar toda a população, na medida em que cada português se identificaria com esse retrato. Se a partir de meados do século XIX se criou a consciência de que cada povo teria traços identitários que os distinguiriam de todos os outros, emergindo as chamadas identidades nacionais, no Portugal salazarista vai implementar-se a construção de discursos sobre o país e os seus habitantes que vão privilegiar um conjunto de características reveladas nos portugueses de épocas anteriores, mais concretamente a dos Descobrimentos. Recuperando uma imagem de Portugal que, desde sempre, tem acompanhado o percurso evolutivo deste país, o Estado Novo difunde-o como algo novo e impossível de ser questionado ou refutado uma vez que esse construto emana dos detentores do poder e, por isso mesmo, ele é visto como legítimo. Com o intuito de salvaguardar esses discursos sobre um Portugal heróico, com um destino a cumprir, protegido por Deus desde os primórdios e que deve depositar no Estado a confiança absoluta, dado que só este tem a capacidade para comandar e decidir pelos portugueses; o aparelho de Estado usou como meio de controlo a censura que se num primeiro momento só amputava ou silenciava discursos de carácter político, posteriormente adquiriu competências de tal forma latas e parciais que todo o tipo de discurso era alvo da sua actuação. É nesse ambiente castrador, opressivo e nefasto à criação artística que os mais variados autores, independentemente do seu posicionamento ideológico e/ou estético, acabaram por construir um conjunto de subterfúgios que lhes permitiam não só escapar ao braço tentacular da censura como implicar o leitor na completa descodificação dos seus textos uma vez que era a este último que competia compreender a total significação dos símbolos utilizados pelos autores para repreenderem os valores impostos pelo Estado bem como para desconstruírem a imagem de Portugal que o regime tão habilmente (re)montara. Ao longo de quase quarenta anos, os mais diversos escritores optaram por ludibriar a máquina censória recorrendo a diversos artifícios que o seu ofício lhes disponibilizava: a reflexão sobre o seu material de escrita, a sua própria função ou a sua vida pessoal; o recurso a metáforas profundamente visuais como os monstros, o medo, os fantasmas; o reaproveitamente de intertextos clássicos, bíblicos ou da lírica trovadoresca; a descrição do reino da Dinamarca e a manipulação de Hamlet de Shakespeare para, a partir deles, revelarem metamorfoseadamente o que eles consideravam ser o verdadeiro rosto de Portugal ou, pelo menos, o outro-rosto, aquele que o Estado arduamente queria rasurar. Durante este período, várias foram as formas encontradas para impedir que o Estado conseguisse tornar inaudíveis as vozes de repúdio e de contestação e, principalmente ao nível da poesia, intensificou-se essa espécie de “criptotransmissão” que transformou a maioria dos poemas em poesia de intervenção. No fundo, o texto poético procurava implodir uma construção que o regime havia feito e revelar o que nela havia de manipulação e falseamento da história pátria; por isso mesmo, alguns autores vão não só questionar os valores do Estado Novo como utilizar os escritores símbolos da pátria e da sua glória, como Camões e Pessoa, de forma a evidenciar o facto de que as suas imagens de Portugal não correspondem à vivência quotidiana da população, haviam ocultado os lados menos positivos do país e que o tinham aprisionado num tempo inexistente: o Portugal dos Descobrimentos que se pretendia recuperar. A partir da poesia dessa época torna-se notória a intervenção do poeta na realidade que o cerca não só para a modificar, mas para aceder ao poder simbólico – confinado aos detentores do poder político – de forma a derrubar o regime, libertar as palavras da sua clausura e veicular outros quadros do país, mais conformes com a pátria que desejava para si. Contudo, após o fim da ditadura, os quadros valorativos e os depreciativos do país continuaram a circular como se não fosse possível descobrir uma imagem una de Portugal, como se os portugueses não conseguissem saber quem são ou o que querem ser. Uma taxonomia identitária foi substituída por outra, a censura foi abolida, porém o país não (re)encontrou o seu rosto próprio dado continuar enclausurado num mito que o Estado Novo tão habilmente difundiu e incutiu no espírito dos portugueses: Portugal é um país predestinado que deve apagar o seu presente para retornar à época em que foi grande e glorioso.Au long de près de quarante ans, le régime dictatorial portugais a cherché a établir une image idéologique du pays qui fonctionnerait comme un moyen de réunir toute la population, dans la mesure où chaque portugais s’identifierait à ce portrait. Si à partir de la moitié du XIXe siècle s’est créée la conscience que chaque peuple aurait des traits identitaires qui les distingueraient de tous les autres, laissant émerger ce qu’on appelle les identités nationales, dans le Portugal salazariste, on va établir la construction de discours sur le pays et sur ses habitants qui vont privilégier un lot de caractéristiques révélées dans les portugais d’époques antérieures, plus concrètement celle des Découvertes. Récupérant une image du Portugal qui, depuis toujours, a accompagné le parcours évolutif de ce pays, l’Estado Novo (Nouvel Etat) le diffuse comme quelque chose de nouveau et qu’il est impossible de questionner ou de réfuter puisque cette construction émane de ceux qui détiennent le pouvoir et, de par là même, il est vu comme légitime. Avec l’intention de proteger ces discours sur un Portugal héroïque, avec un destin à accomplir, protégé par Dieu depuis le commencement et qui doit déposer en l’Etat la confiance absolue, puisque seul celui-ci détient la capacité de commander et de décider pour les portugais, la machine de l’Etat a eu recours comme moyen de contrôle à la censure qui si dans un premier temps ne faisait qu’amputer ou taire des discours de caractère politique, plus tard a acquis des compétences si vastes et partiales que tout type de discours en faisait l’objet. C’est dans cette ambiance de castration, oppressive et néfaste à la création artistique que les auteurs les plus divers, indépendamment de leur positionnement idéologique et/ou esthétique, ont fini par élaborer un ensemble de subterfuges qui leur permettaient non seulement d’échapper au bras tentaculaire de la censure mais aussi d’impliquer le lecteur dans le décodage complet de ses textes une fois que c’était à ce dernier qu’il revenait de comprendre la totale signification des symboles utilisés par les auteurs pour blâmer les valeurs imposées par l’Etat ainsi que pour déconstruire l’image du Portugal que le régime avait si habilement (re)montée. Au long de presque quarante ans, les auteurs les plus divers ont choisi de se jouer de la machine censoriale en ayant recours à plusieurs artifices que leur office tenait à leur disposition : la réflexion sur leur matériel d’écriture, leur propre fonction ou leur vie personnelle; le recours à des métaphores profondément visuelles comme les monstres, la peur, les fantômes, la reprise d’intertextes classiques, bibliques ou de lyrique des troubadours, la description du royaume du Danemark et la manipulation d’Hamlet de Shakespeare pour, à partir d’eux, révéler métaphoriquement ce qu’ils considéraient être le vrai visage du Portugal ou, du moins, l’autre visage, celui que l’Etat essayait péniblement de ratisser. Durant cette période, Diverses formes ont été trouvées pour empêcher que l’Etat parvienne à rendre inaudibles les voix de répudiation et de contestation et, principalement au niveau de la poésie, s’est intensifiée cette sorte de « crypto transmission » qui a transformé la plupart des poèmes en poésie d’intervention. Au fond, le texte poétique cherchait à imploser une construction que le régime avait faite et à révéler ce qu’il y avait en elle de manipulation et de falsification de l’histoire de la patrie; c’est pourquoi quelques auteurs vont non seulement questionner les valeurs de l’Estado Novo, mais aussi utiliser les écrivains symboles de la patrie et de sa gloire, comme Camões et Pessoa, de façon à mettre en évidence le fait que leurs images du Portugal ne correspondent pas à la réalité quotidienne vécue par la population, avaient caché les côtés moins positifs du pays et qu’elles avaient emprisonné dans une époque inexistante: le Portugal des Découvertes qu’on prétendait récupérer. A partir de la poésie de cette époque, il devient évident que l’intervention du poète sur la réalité qui l’entoure n’est pas seulement pour la modifier, mais aussi pour accéder au pouvoir symbolique – confiné aux détenteurs du pouvoir politique – de façon à faire tomber le régime, libérer les mots de son cloître et véhiculer d’autres tableaux du pays, plus conformes avec la patrie qu’ils désiraient pour eux. Néanmoins, après la fin de la dictature, les tableaux valorisants et les dépréciatifs du pays ont continué à circuler comme s’il n’était pas possible de découvrir une image unique du Portugal, comme si les portugais ne parvenaient pas à savoir qui ils sont ou ce qu’ils veulent être. Une taxinomie identitaire a été remplacée par une autre, la censure a été abolie, cependant le pays n’a pas (re)trouvé son propre visage puisqu’il a continué cloîtré dans un mythe que l’Estado Novo a si habilement diffusé et inculqué dans l’esprit des portugais: le Portugal est un pays prédestiné, qui doit effacer son présent pour retourner à une époque où il fut grand et glorieux.Cunha, Carlos Manuel Ferreira daUniversidade do MinhoMorais, Paula Fernanda da Silva2005-12-142005-12-14T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/1822/7862porinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)instname:Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãoinstacron:RCAAP2023-07-21T12:50:02Zoai:repositorium.sdum.uminho.pt:1822/7862Portal AgregadorONGhttps://www.rcaap.pt/oai/openaireopendoar:71602024-03-19T19:48:39.843801Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) - Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãofalse
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