Caution(!) in cancer prevention: ethics, damages and misconceptions
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2013 |
Tipo de documento: | Artigo |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (Online) |
Texto Completo: | https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/859 |
Resumo: | O artigo Principios Éticos y Prevención Cuaternaria: ¿es posible no proteger el ejercicio del principio de autonomía? é preciso em criticar a medicalização social que tem avançado na direção da prevenção. A prevenção é uma ideia apelativa, popular e medicamente defensável. O envelhecimento populacional, o sedentarismo progressivo, a epidemia de obesidade e a proliferação de doenças crônicas, bem como as limitações terapêuticas da biomedicina do século XX e XXI, reforçam essa ideia. Quase todos preferem ou apoiam o dito popular “antes prevenir que remediar”.O problema é que tal senso comum é perigoso e por vezes deve ser restrito, evitado ou mesmo combatido e reorientado, particularmente quando estão envolvidas intervenções (diagnósticas e terapêuticas) com alto potencial de dano, especialmente quando se chega ao extremo de impor procedimentos preventivos em situações em que o fundamento é precário, como na prevenção do câncer por meio da mamografia periódica no Uruguai. Além disso, as pessoas podem não querer realizar os procedimentos preventivos, pelo que não devem ser penalizadas de modo algum. Mesmo diante da mais consensual evidência, o que cabe ao profissional e ao Sistema de Saúde é aconselhar e informar; não deve haver imposição de condutas preventivas, especialmente se não houver consequências para a coletividade, como é o caso. Alguns pontos merecem destaque para compreensão da situação.Primeiro: na prevenção, as implicações éticas são - e devem ser - diferentes em relação às intervenções em pessoas adoecidas clinicamente. Na prevenção, exige-se maior rigor quanto à garantia de benefícios e evitação de danos, pois a intervenção ocorrerá em pessoas de baixo risco (assintomáticas) em que deve imperar mais fortemente o primum non nocere. Essa garantia e segurança exigem sólidos critérios científicos que somente podem ser obtidos por meio de evidências atualizadas, resultantes de meta-análises e de ensaios clínicos de alta qualidade denominados como ensaios clínicos controlados e aleatorizados. Portanto, a opinião pessoal ou coletiva de especialistas - quaisquer que sejam, médicos de família ou especialistas focais - não deve vigorar quanto aos rastreamentos. Contudo, é compreensível que mastologistas e ginecologistas tenham opiniões favoráveis ao rastreamento do câncer de mama mais cedo, porque eles entendem e tratam os “cânceres de mama clinicamente relevantes” e os “cânceres produzidos pelo rastreamento” como fenômenos idênticos, dada a impossibilidade técnica atual em diferenciar “os cânceres clinicamente relevantes” dos sobrediagnósticos resultantes do rastreamento. Tal pressão situacional e emocional, porém, não deve definir recomendações de rastreamento. Ao contrário, essa opinião deve ser informada e continuamente reformulada por evidências atualizadas de boa qualidade, que estão além da experiência pessoal e são contraintuitivas, mas hoje acessíveis facilmente.No caso da mamografia, os danos conhecidos envolvem exposição à radiação ionizante ao longo de vários anos; mastectomias desnecessárias devido ao sobrediagnóstico e sobretratamento; sofrimento psicológico quanto aos falsos positivos (com consequentes biópsias desnecessárias e complicações associadas) e falsos negativos; situações borderlines que necessitam de seguimento por vários anos, convertendo sadios em doentes; maior mortalidade devido a insuficiência cardíaca, bem como indução de câncer de pulmão.1 Nos rastreamentos, o ônus da prova fica com a “intervenção”: deve haver provas (evidências) de que os benefícios superam amplamente os danos. Em caso de dúvida, estão indicadas, pelo princípio da precaução e do primum non nocere, prudência e conduta conservadora: não intervir e discutir o balanço danos versus benefícios com a pessoa, à luz da informação disponível.Segundo: a redução da mortalidade específica é o principal, se não quase o único, critério para avaliação dos benefícios de rastreamentos de câncer. Sua estimativa em meta-análises recentes e rigorosas de ensaios clínicos envolvendo rastreamentos por mamografia reduziu-se para 15%,2 o que é pouco ou nada divulgado para o público. Além disso, nas séries históricas de mortalidade por câncer de mama nas populações, tal redução não é observada, e espera-se algum correlato nos indicadores populacionais dos resultados dos ensaios clínicos. O mais longo estudo histórico a respeito não mostra diferença significativa na mortalidade por câncer de mama entre populações rastreadas e não rastreadas.3 Nele, a redução pequena de mortalidade em ambas as populações é atribuída à melhoria da terapêutica. Esse tipo de evidência é importante. Por exemplo, ela tem sustentado a indicação do rastreamento de câncer cervicouterino há muitos anos, cuja redução histórica da mortalidade é grande e tem sido atribuída à introdução do rastreamento a partir de 1950-1960.4Terceiro: os danos do rastreamento por mamografia existem em grande proporção. Talvez os mais importantes sejam os falsos positivos e principalmente o sobrediagnóstico, situação em que o “problema” diagnosticado pelo rastreamento não teria consequências clínicas na vida da pessoa.5,6 Devido à incapacidade atual de distinção entre os “verdadeiros” casos curados precocemente, que se manifestariam clinicamente, daqueles que não se manifestariam (embora o “diagnóstico” tenha sido realizado corretamente), o sobrediagnóstico gera o sobretratamento - todos são igualmente tratados – e também o chamado “paradoxo da popularidade6”: todas as mulheres sobrediagnosticadas e sobretratadas (prejudicadas) pelo rastreamento consideram-se as (bem poucas) beneficiadas por ele, reforçando o senso comum anteriormente mencionado. Por isso, há proposta de mudança de nomenclatura para os diagnósticos produzidos por rastreamento, que mereceriam distinção dos cânceres diagnosticados clinicamente.7 A dimensão do sobrediagnóstico variou nos estudos de 10%8 até 52%9 das pessoas diagnosticadas por mamografia periódica. Recentes estudos de boa qualidade concluíram que essa proporção é de 30%.1 De cada 2.000 mulheres rastreadas ao longo de 10 anos, uma mulher terá sua vida salva pelo rastreamento; 10 serão sobrediagnosticadas e sobretratadas; e 200 mulheres receberão um resultado falso positivo, levando a estresses psicológicos e a biópsias desnecessárias.1,10Quarto: para agravar o quadro, a investigação dos danos dos rastreamentos tem se mostrado aquém do que se imagina. Os ensaios clínicos raramente se dispõem a quantificar os danos.11 Apenas 13% dos artigos sobre o rastreamento de câncer de mama citam o sobrediagnóstico como uma possibilidade, havendo ainda uma grande diferença entre periódicos científicos de medicina geral e de especialidades focais: estas últimas são mais explícitas em rejeitar dados de revisões sistemáticas e apresentam com maior frequência problemas de conflitos de interesses.12Concluindo, os critérios éticos e técnicos envolvidos e os estudos dos últimos anos questionam a recomendação do rastreamento por mamografia em qualquer idade, o que já seria motivo para revisão das recomendações ou, no mínimo, sua relativização e abertura de discussão do problema com as mulheres e a sociedade. Logo, a obrigatoriedade da realização do rastreamento por mamografia é um desserviço à saúde das mulheres do Uruguai. No Brasil, pelos mesmos pontos anteriormente abordados, merece crítica enfática a campanha “Outubro Rosa”, em que instituições privadas e filantrópicas especializadas em câncer de mama (espantosamente) recomendam o rastreamento a partir dos 40 anos13-15 e o governo brasileiro a partir dos 50 anos,16 sem abertura para compartilhamento de decisão com as mulheres devidamente informadas, nem informações claras sobre os danos. Cabe revisão, pelas autoridades sanitárias brasileiras, da indicação da mamografia a partir dos 50 anos ou dos termos dessa recomendação, abrindo discussão sobre o tema. Também merece severa - ou ainda maior crítica - a equivalente campanha preventiva “Novembro Azul”, assumida pelo governo brasileiro, que orienta explicitamente a população masculina assintomática a demandar exames preventivos de câncer de próstata, sem base de evidência para tal. Site oficial do governo federal é explícito: “Homens a partir dos 50 anos devem procurar um posto de saúde para realizar exames de rotina”,17 “A Sociedade Brasileira de Urologia recomenda que todos os homens com 45 anos de idade ou mais façam um exame de próstata anualmente, o que compreende o toque retal feito e o PSA”,17 apesar de o próprio Ministério da Saúde brasileiro não recomendar ações de rastreamento de câncer de próstata16,18 e, inclusive, haver consensual recomendação contrária derivada de avaliação recente de evidências por instituições idôneas quanto ao rastreamento com PSA (Prostate‑Specific Antigen).19 Tudo isso é um verdadeiro desafio individual e coletivo de prevenção quaternária,20,21 e esperamos que as autoridades sanitárias brasileiras e uruguaias e os médicos de família e comunidade, a exemplo do Dr. Pizzanelli, se mobilizem para corrigir esses equívocos e socializar informações e orientações bem fundamentadas a esse respeito, bem como orientar, discutir e compartilhar decisões com seus usuários. |
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Quase todos preferem ou apoiam o dito popular “antes prevenir que remediar”.O problema é que tal senso comum é perigoso e por vezes deve ser restrito, evitado ou mesmo combatido e reorientado, particularmente quando estão envolvidas intervenções (diagnósticas e terapêuticas) com alto potencial de dano, especialmente quando se chega ao extremo de impor procedimentos preventivos em situações em que o fundamento é precário, como na prevenção do câncer por meio da mamografia periódica no Uruguai. Além disso, as pessoas podem não querer realizar os procedimentos preventivos, pelo que não devem ser penalizadas de modo algum. Mesmo diante da mais consensual evidência, o que cabe ao profissional e ao Sistema de Saúde é aconselhar e informar; não deve haver imposição de condutas preventivas, especialmente se não houver consequências para a coletividade, como é o caso. 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Contudo, é compreensível que mastologistas e ginecologistas tenham opiniões favoráveis ao rastreamento do câncer de mama mais cedo, porque eles entendem e tratam os “cânceres de mama clinicamente relevantes” e os “cânceres produzidos pelo rastreamento” como fenômenos idênticos, dada a impossibilidade técnica atual em diferenciar “os cânceres clinicamente relevantes” dos sobrediagnósticos resultantes do rastreamento. Tal pressão situacional e emocional, porém, não deve definir recomendações de rastreamento. Ao contrário, essa opinião deve ser informada e continuamente reformulada por evidências atualizadas de boa qualidade, que estão além da experiência pessoal e são contraintuitivas, mas hoje acessíveis facilmente.No caso da mamografia, os danos conhecidos envolvem exposição à radiação ionizante ao longo de vários anos; mastectomias desnecessárias devido ao sobrediagnóstico e sobretratamento; sofrimento psicológico quanto aos falsos positivos (com consequentes biópsias desnecessárias e complicações associadas) e falsos negativos; situações borderlines que necessitam de seguimento por vários anos, convertendo sadios em doentes; maior mortalidade devido a insuficiência cardíaca, bem como indução de câncer de pulmão.1 Nos rastreamentos, o ônus da prova fica com a “intervenção”: deve haver provas (evidências) de que os benefícios superam amplamente os danos. Em caso de dúvida, estão indicadas, pelo princípio da precaução e do primum non nocere, prudência e conduta conservadora: não intervir e discutir o balanço danos versus benefícios com a pessoa, à luz da informação disponível.Segundo: a redução da mortalidade específica é o principal, se não quase o único, critério para avaliação dos benefícios de rastreamentos de câncer. Sua estimativa em meta-análises recentes e rigorosas de ensaios clínicos envolvendo rastreamentos por mamografia reduziu-se para 15%,2 o que é pouco ou nada divulgado para o público. Além disso, nas séries históricas de mortalidade por câncer de mama nas populações, tal redução não é observada, e espera-se algum correlato nos indicadores populacionais dos resultados dos ensaios clínicos. O mais longo estudo histórico a respeito não mostra diferença significativa na mortalidade por câncer de mama entre populações rastreadas e não rastreadas.3 Nele, a redução pequena de mortalidade em ambas as populações é atribuída à melhoria da terapêutica. Esse tipo de evidência é importante. Por exemplo, ela tem sustentado a indicação do rastreamento de câncer cervicouterino há muitos anos, cuja redução histórica da mortalidade é grande e tem sido atribuída à introdução do rastreamento a partir de 1950-1960.4Terceiro: os danos do rastreamento por mamografia existem em grande proporção. Talvez os mais importantes sejam os falsos positivos e principalmente o sobrediagnóstico, situação em que o “problema” diagnosticado pelo rastreamento não teria consequências clínicas na vida da pessoa.5,6 Devido à incapacidade atual de distinção entre os “verdadeiros” casos curados precocemente, que se manifestariam clinicamente, daqueles que não se manifestariam (embora o “diagnóstico” tenha sido realizado corretamente), o sobrediagnóstico gera o sobretratamento - todos são igualmente tratados – e também o chamado “paradoxo da popularidade6”: todas as mulheres sobrediagnosticadas e sobretratadas (prejudicadas) pelo rastreamento consideram-se as (bem poucas) beneficiadas por ele, reforçando o senso comum anteriormente mencionado. Por isso, há proposta de mudança de nomenclatura para os diagnósticos produzidos por rastreamento, que mereceriam distinção dos cânceres diagnosticados clinicamente.7 A dimensão do sobrediagnóstico variou nos estudos de 10%8 até 52%9 das pessoas diagnosticadas por mamografia periódica. Recentes estudos de boa qualidade concluíram que essa proporção é de 30%.1 De cada 2.000 mulheres rastreadas ao longo de 10 anos, uma mulher terá sua vida salva pelo rastreamento; 10 serão sobrediagnosticadas e sobretratadas; e 200 mulheres receberão um resultado falso positivo, levando a estresses psicológicos e a biópsias desnecessárias.1,10Quarto: para agravar o quadro, a investigação dos danos dos rastreamentos tem se mostrado aquém do que se imagina. Os ensaios clínicos raramente se dispõem a quantificar os danos.11 Apenas 13% dos artigos sobre o rastreamento de câncer de mama citam o sobrediagnóstico como uma possibilidade, havendo ainda uma grande diferença entre periódicos científicos de medicina geral e de especialidades focais: estas últimas são mais explícitas em rejeitar dados de revisões sistemáticas e apresentam com maior frequência problemas de conflitos de interesses.12Concluindo, os critérios éticos e técnicos envolvidos e os estudos dos últimos anos questionam a recomendação do rastreamento por mamografia em qualquer idade, o que já seria motivo para revisão das recomendações ou, no mínimo, sua relativização e abertura de discussão do problema com as mulheres e a sociedade. Logo, a obrigatoriedade da realização do rastreamento por mamografia é um desserviço à saúde das mulheres do Uruguai. No Brasil, pelos mesmos pontos anteriormente abordados, merece crítica enfática a campanha “Outubro Rosa”, em que instituições privadas e filantrópicas especializadas em câncer de mama (espantosamente) recomendam o rastreamento a partir dos 40 anos13-15 e o governo brasileiro a partir dos 50 anos,16 sem abertura para compartilhamento de decisão com as mulheres devidamente informadas, nem informações claras sobre os danos. Cabe revisão, pelas autoridades sanitárias brasileiras, da indicação da mamografia a partir dos 50 anos ou dos termos dessa recomendação, abrindo discussão sobre o tema. Também merece severa - ou ainda maior crítica - a equivalente campanha preventiva “Novembro Azul”, assumida pelo governo brasileiro, que orienta explicitamente a população masculina assintomática a demandar exames preventivos de câncer de próstata, sem base de evidência para tal. Site oficial do governo federal é explícito: “Homens a partir dos 50 anos devem procurar um posto de saúde para realizar exames de rotina”,17 “A Sociedade Brasileira de Urologia recomenda que todos os homens com 45 anos de idade ou mais façam um exame de próstata anualmente, o que compreende o toque retal feito e o PSA”,17 apesar de o próprio Ministério da Saúde brasileiro não recomendar ações de rastreamento de câncer de próstata16,18 e, inclusive, haver consensual recomendação contrária derivada de avaliação recente de evidências por instituições idôneas quanto ao rastreamento com PSA (Prostate‑Specific Antigen).19 Tudo isso é um verdadeiro desafio individual e coletivo de prevenção quaternária,20,21 e esperamos que as autoridades sanitárias brasileiras e uruguaias e os médicos de família e comunidade, a exemplo do Dr. Pizzanelli, se mobilizem para corrigir esses equívocos e socializar informações e orientações bem fundamentadas a esse respeito, bem como orientar, discutir e compartilhar decisões com seus usuários.Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)2013-12-27info:eu-repo/semantics/articleinfo:eu-repo/semantics/publishedVersionDebate; Debate; DebateDebate de outro artigoapplication/pdfhttps://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/85910.5712/rbmfc9(31)859Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; Vol. 9 No. 31 (2014): Abril-Junho; 180-182Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; Vol. 9 Núm. 31 (2014): Abril-Junho; 180-182Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; v. 9 n. 31 (2014): Abril-Junho; 180-1822179-79941809-5909reponame:Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (Online)instname:Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)instacron:SBMFCporhttps://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/859/623Copyright (c) 2014 Charles Dalcanale Tesserinfo:eu-repo/semantics/openAccessTesser, Charles Dalcanale2020-05-21T20:31:07Zoai:ojs.rbmfc.org.br:article/859Revistahttp://www.rbmfc.org.br/index.php/rbmfchttps://www.rbmfc.org.br/rbmfc/oai||david@sbmfc.org.br2179-79941809-5909opendoar:2020-05-21T20:31:07Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (Online) - Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)false |
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O artigo Principios Éticos y Prevención Cuaternaria: ¿es posible no proteger el ejercicio del principio de autonomía? é preciso em criticar a medicalização social que tem avançado na direção da prevenção. A prevenção é uma ideia apelativa, popular e medicamente defensável. O envelhecimento populacional, o sedentarismo progressivo, a epidemia de obesidade e a proliferação de doenças crônicas, bem como as limitações terapêuticas da biomedicina do século XX e XXI, reforçam essa ideia. Quase todos preferem ou apoiam o dito popular “antes prevenir que remediar”.O problema é que tal senso comum é perigoso e por vezes deve ser restrito, evitado ou mesmo combatido e reorientado, particularmente quando estão envolvidas intervenções (diagnósticas e terapêuticas) com alto potencial de dano, especialmente quando se chega ao extremo de impor procedimentos preventivos em situações em que o fundamento é precário, como na prevenção do câncer por meio da mamografia periódica no Uruguai. Além disso, as pessoas podem não querer realizar os procedimentos preventivos, pelo que não devem ser penalizadas de modo algum. Mesmo diante da mais consensual evidência, o que cabe ao profissional e ao Sistema de Saúde é aconselhar e informar; não deve haver imposição de condutas preventivas, especialmente se não houver consequências para a coletividade, como é o caso. Alguns pontos merecem destaque para compreensão da situação.Primeiro: na prevenção, as implicações éticas são - e devem ser - diferentes em relação às intervenções em pessoas adoecidas clinicamente. Na prevenção, exige-se maior rigor quanto à garantia de benefícios e evitação de danos, pois a intervenção ocorrerá em pessoas de baixo risco (assintomáticas) em que deve imperar mais fortemente o primum non nocere. Essa garantia e segurança exigem sólidos critérios científicos que somente podem ser obtidos por meio de evidências atualizadas, resultantes de meta-análises e de ensaios clínicos de alta qualidade denominados como ensaios clínicos controlados e aleatorizados. Portanto, a opinião pessoal ou coletiva de especialistas - quaisquer que sejam, médicos de família ou especialistas focais - não deve vigorar quanto aos rastreamentos. Contudo, é compreensível que mastologistas e ginecologistas tenham opiniões favoráveis ao rastreamento do câncer de mama mais cedo, porque eles entendem e tratam os “cânceres de mama clinicamente relevantes” e os “cânceres produzidos pelo rastreamento” como fenômenos idênticos, dada a impossibilidade técnica atual em diferenciar “os cânceres clinicamente relevantes” dos sobrediagnósticos resultantes do rastreamento. Tal pressão situacional e emocional, porém, não deve definir recomendações de rastreamento. Ao contrário, essa opinião deve ser informada e continuamente reformulada por evidências atualizadas de boa qualidade, que estão além da experiência pessoal e são contraintuitivas, mas hoje acessíveis facilmente.No caso da mamografia, os danos conhecidos envolvem exposição à radiação ionizante ao longo de vários anos; mastectomias desnecessárias devido ao sobrediagnóstico e sobretratamento; sofrimento psicológico quanto aos falsos positivos (com consequentes biópsias desnecessárias e complicações associadas) e falsos negativos; situações borderlines que necessitam de seguimento por vários anos, convertendo sadios em doentes; maior mortalidade devido a insuficiência cardíaca, bem como indução de câncer de pulmão.1 Nos rastreamentos, o ônus da prova fica com a “intervenção”: deve haver provas (evidências) de que os benefícios superam amplamente os danos. Em caso de dúvida, estão indicadas, pelo princípio da precaução e do primum non nocere, prudência e conduta conservadora: não intervir e discutir o balanço danos versus benefícios com a pessoa, à luz da informação disponível.Segundo: a redução da mortalidade específica é o principal, se não quase o único, critério para avaliação dos benefícios de rastreamentos de câncer. Sua estimativa em meta-análises recentes e rigorosas de ensaios clínicos envolvendo rastreamentos por mamografia reduziu-se para 15%,2 o que é pouco ou nada divulgado para o público. Além disso, nas séries históricas de mortalidade por câncer de mama nas populações, tal redução não é observada, e espera-se algum correlato nos indicadores populacionais dos resultados dos ensaios clínicos. O mais longo estudo histórico a respeito não mostra diferença significativa na mortalidade por câncer de mama entre populações rastreadas e não rastreadas.3 Nele, a redução pequena de mortalidade em ambas as populações é atribuída à melhoria da terapêutica. Esse tipo de evidência é importante. Por exemplo, ela tem sustentado a indicação do rastreamento de câncer cervicouterino há muitos anos, cuja redução histórica da mortalidade é grande e tem sido atribuída à introdução do rastreamento a partir de 1950-1960.4Terceiro: os danos do rastreamento por mamografia existem em grande proporção. Talvez os mais importantes sejam os falsos positivos e principalmente o sobrediagnóstico, situação em que o “problema” diagnosticado pelo rastreamento não teria consequências clínicas na vida da pessoa.5,6 Devido à incapacidade atual de distinção entre os “verdadeiros” casos curados precocemente, que se manifestariam clinicamente, daqueles que não se manifestariam (embora o “diagnóstico” tenha sido realizado corretamente), o sobrediagnóstico gera o sobretratamento - todos são igualmente tratados – e também o chamado “paradoxo da popularidade6”: todas as mulheres sobrediagnosticadas e sobretratadas (prejudicadas) pelo rastreamento consideram-se as (bem poucas) beneficiadas por ele, reforçando o senso comum anteriormente mencionado. Por isso, há proposta de mudança de nomenclatura para os diagnósticos produzidos por rastreamento, que mereceriam distinção dos cânceres diagnosticados clinicamente.7 A dimensão do sobrediagnóstico variou nos estudos de 10%8 até 52%9 das pessoas diagnosticadas por mamografia periódica. Recentes estudos de boa qualidade concluíram que essa proporção é de 30%.1 De cada 2.000 mulheres rastreadas ao longo de 10 anos, uma mulher terá sua vida salva pelo rastreamento; 10 serão sobrediagnosticadas e sobretratadas; e 200 mulheres receberão um resultado falso positivo, levando a estresses psicológicos e a biópsias desnecessárias.1,10Quarto: para agravar o quadro, a investigação dos danos dos rastreamentos tem se mostrado aquém do que se imagina. Os ensaios clínicos raramente se dispõem a quantificar os danos.11 Apenas 13% dos artigos sobre o rastreamento de câncer de mama citam o sobrediagnóstico como uma possibilidade, havendo ainda uma grande diferença entre periódicos científicos de medicina geral e de especialidades focais: estas últimas são mais explícitas em rejeitar dados de revisões sistemáticas e apresentam com maior frequência problemas de conflitos de interesses.12Concluindo, os critérios éticos e técnicos envolvidos e os estudos dos últimos anos questionam a recomendação do rastreamento por mamografia em qualquer idade, o que já seria motivo para revisão das recomendações ou, no mínimo, sua relativização e abertura de discussão do problema com as mulheres e a sociedade. Logo, a obrigatoriedade da realização do rastreamento por mamografia é um desserviço à saúde das mulheres do Uruguai. No Brasil, pelos mesmos pontos anteriormente abordados, merece crítica enfática a campanha “Outubro Rosa”, em que instituições privadas e filantrópicas especializadas em câncer de mama (espantosamente) recomendam o rastreamento a partir dos 40 anos13-15 e o governo brasileiro a partir dos 50 anos,16 sem abertura para compartilhamento de decisão com as mulheres devidamente informadas, nem informações claras sobre os danos. Cabe revisão, pelas autoridades sanitárias brasileiras, da indicação da mamografia a partir dos 50 anos ou dos termos dessa recomendação, abrindo discussão sobre o tema. Também merece severa - ou ainda maior crítica - a equivalente campanha preventiva “Novembro Azul”, assumida pelo governo brasileiro, que orienta explicitamente a população masculina assintomática a demandar exames preventivos de câncer de próstata, sem base de evidência para tal. Site oficial do governo federal é explícito: “Homens a partir dos 50 anos devem procurar um posto de saúde para realizar exames de rotina”,17 “A Sociedade Brasileira de Urologia recomenda que todos os homens com 45 anos de idade ou mais façam um exame de próstata anualmente, o que compreende o toque retal feito e o PSA”,17 apesar de o próprio Ministério da Saúde brasileiro não recomendar ações de rastreamento de câncer de próstata16,18 e, inclusive, haver consensual recomendação contrária derivada de avaliação recente de evidências por instituições idôneas quanto ao rastreamento com PSA (Prostate‑Specific Antigen).19 Tudo isso é um verdadeiro desafio individual e coletivo de prevenção quaternária,20,21 e esperamos que as autoridades sanitárias brasileiras e uruguaias e os médicos de família e comunidade, a exemplo do Dr. Pizzanelli, se mobilizem para corrigir esses equívocos e socializar informações e orientações bem fundamentadas a esse respeito, bem como orientar, discutir e compartilhar decisões com seus usuários. |
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Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; Vol. 9 No. 31 (2014): Abril-Junho; 180-182 Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; Vol. 9 Núm. 31 (2014): Abril-Junho; 180-182 Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; v. 9 n. 31 (2014): Abril-Junho; 180-182 2179-7994 1809-5909 reponame:Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (Online) instname:Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) instacron:SBMFC |
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