Armadilha inconstitucional da nova lei de saneamento básico.
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Data de Publicação: | 2022 |
Outros Autores: | , |
Tipo de documento: | Capítulo de livro |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFCG |
Texto Completo: | http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/33520 |
Resumo: | O novo marco legal do saneamento básico no Brasil (lei nº 14.026/2020), convive (no que não se sobrepõe) com o fundamento legislativo do saneamento, representado pela lei nº 11.445/2007, denominada Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, que não caducou e não se tornou obsoleta, tendo sido parcialmente revogada. Em síntese, a nova lei planeja a gestão do saneamento em vertentes que abrangem abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem urbana e gestão de resíduos sólidos, ao tempo em que abriu caminho para um modelo agressivo de inserção do capital privado no chamado “negócio” do saneamento. A nova lei ampliou e aprofundou as competências e responsabilidades da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), que ficou responsável pela elaboração das normas de referência. A lei também impôs aos estados o formato de regionalização do sistema de águas e saneamento, por blocos de municípios integrados, sob pena de divisão compulsória e irrevogável feita pela própria União. Além disso, foram extintos os chamados “contratos de programa” celebrados com as companhias estaduais de águas e esgotos, em regime preferencial, exigindo abertura de licitação para a participação de empresas privadas. Por fim, no pacote de alterações, a lei de 2020 incluiu a eliminação do subsídio cruzado, que incorpora o princípio da solidariedade entre municípios superavitários e deficitários do sistema de água e esgoto, na ponderação político-econômica dos estados. É preciso asseverar que a imposição do modelo de regionalização, com prazo e penalidade estipulados de antemão, desvirtua o princípio federativo da autogestão dos estados e dos municípios. Mas não é só isso – outros aspectos da norma não resistem a análises comparativas de gestão ou de conformidade jurídica, deixando-a propícia à judicialização, visto que, além da imposição do modelo pela União, segundo o disposto nos artigos 48, XVII, 49, XIV e 50, §1º, os estados não aderentes terão suspensos os repasses de recursos federais de financiamento e investimentos. Existem três ações de inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal: ADIs nº 6.5365, interposta pelo PC do B; 6583, interposta pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento; e nº 6.4926, pelo PDT. O cenário no Brasil é de grave exclusão do saneamento por ausência de estrutura básica. Todavia, a lei nº 14.026/2020, que supostamente viria a combater esse déficit humanitário, ao invés de se utilizar dos mecanismos exitosos dos planos anteriores para corrigir problemas, baseia-se na privatização dos serviços como o grande motor da melhoria. De modo açodado, a lei ordenou aos estados a adesão ao formato da microrregionalização, constituindo este o seu problema mais urgente, visto que os estados brasileiros têm até o dia 16 de julho de 2021, quando completa um ano de publicação da lei, o prazo para implantar a regionalização e adotar o modelo final de adaptação. Entre os meses de abril e junho, os estados correram para aprovar leis complementares em regime de urgência, ou seja, sem discussão pública ou legislativa e isso é assustador por causa do aligeiramento de questões de fundamental relevância, como o próprio direito humano à água, representante destacado do princípio da dignidade humana. O estado da Paraíba, localizado no nordeste do Brasil, com 223 municípios e população de mais de 4 milhões de habitantes, aprovou sem debate efetivo a lei complementar nº 168/2021, para criação das microrregiões de água e esgoto. Adotou o modelo de divisão por blocos regionais de quatro grupos, a saber: Litoral, Borborema, Espinharas e Alto Piranhas, regidos por autarquias intergovernamentais de regime especial, integradas pelos respectivos municípios, em estrutura conveniada, com caráter deliberativo e normativo e personalidade jurídica de direito público. Cada microrregião dessas exercerá as competências relativas à organização e execução de funções públicas, que compreendem planejamento, regulação, fiscalização e prestação, direta ou contratada, dos serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de águas pluviais urbanas. Na Paraíba, o anteprojeto foi disponibilizado7 para consulta pública no dia 30 de abril de 2021, pela Secretaria Estadual de Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, tendo sido em seguida convocada, pelo governo do estado, audiência pública8 para a criação das microrregiões de água e esgoto, realizada em 18 de maio de 2021. Em apresentação on line, a equipe técnica mentora do projeto de lei complementar, ao que se sabe, a mesma equipe que elaborou projetos semelhantes para outros estados, estipulou uma premissa inédita de divisão: o critério adotado não foi o das bacias hidrográficas, posto que a Paraíba possui 11 bacias, de igual modo, não foi o comitê de bacias, visto que a Paraíba possui 05 comitês, tampouco foi o das regiões metropolitanas, visto que a Paraíba possui 13 regiões. Este exemplo mostra que existiram templates padronizados para “facilitar” o trabalho interno dos estados. Em suma, diante dos argumentos analisados, os condutores do processo (na Paraíba e no Brasil) tomam como categorias de base duas visões dicotômicas, quais sejam (i) a compreensão de água e saneamento como setor de serviço regulado e como direito humano garantido (e seus desdobramentos) e (ii) o modelo de regionalização como o ’nico apto a carrear a prescrição legal. Na verdade, identificou-se nesse argumento uma justificativa astuciosa para anestesiar o debate em torno do propósito de privatização (e seus desdobramentos), primeiramente dos serviços, depois dos leitos pluviais, no contexto de Estados muitos pobres com indicadores sociais frágeis, como é o caso da Paraíba. |
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Em síntese, a nova lei planeja a gestão do saneamento em vertentes que abrangem abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, drenagem urbana e gestão de resíduos sólidos, ao tempo em que abriu caminho para um modelo agressivo de inserção do capital privado no chamado “negócio” do saneamento. A nova lei ampliou e aprofundou as competências e responsabilidades da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), que ficou responsável pela elaboração das normas de referência. A lei também impôs aos estados o formato de regionalização do sistema de águas e saneamento, por blocos de municípios integrados, sob pena de divisão compulsória e irrevogável feita pela própria União. Além disso, foram extintos os chamados “contratos de programa” celebrados com as companhias estaduais de águas e esgotos, em regime preferencial, exigindo abertura de licitação para a participação de empresas privadas. Por fim, no pacote de alterações, a lei de 2020 incluiu a eliminação do subsídio cruzado, que incorpora o princípio da solidariedade entre municípios superavitários e deficitários do sistema de água e esgoto, na ponderação político-econômica dos estados. É preciso asseverar que a imposição do modelo de regionalização, com prazo e penalidade estipulados de antemão, desvirtua o princípio federativo da autogestão dos estados e dos municípios. Mas não é só isso – outros aspectos da norma não resistem a análises comparativas de gestão ou de conformidade jurídica, deixando-a propícia à judicialização, visto que, além da imposição do modelo pela União, segundo o disposto nos artigos 48, XVII, 49, XIV e 50, §1º, os estados não aderentes terão suspensos os repasses de recursos federais de financiamento e investimentos. Existem três ações de inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal: ADIs nº 6.5365, interposta pelo PC do B; 6583, interposta pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento; e nº 6.4926, pelo PDT. O cenário no Brasil é de grave exclusão do saneamento por ausência de estrutura básica. Todavia, a lei nº 14.026/2020, que supostamente viria a combater esse déficit humanitário, ao invés de se utilizar dos mecanismos exitosos dos planos anteriores para corrigir problemas, baseia-se na privatização dos serviços como o grande motor da melhoria. De modo açodado, a lei ordenou aos estados a adesão ao formato da microrregionalização, constituindo este o seu problema mais urgente, visto que os estados brasileiros têm até o dia 16 de julho de 2021, quando completa um ano de publicação da lei, o prazo para implantar a regionalização e adotar o modelo final de adaptação. Entre os meses de abril e junho, os estados correram para aprovar leis complementares em regime de urgência, ou seja, sem discussão pública ou legislativa e isso é assustador por causa do aligeiramento de questões de fundamental relevância, como o próprio direito humano à água, representante destacado do princípio da dignidade humana. O estado da Paraíba, localizado no nordeste do Brasil, com 223 municípios e população de mais de 4 milhões de habitantes, aprovou sem debate efetivo a lei complementar nº 168/2021, para criação das microrregiões de água e esgoto. Adotou o modelo de divisão por blocos regionais de quatro grupos, a saber: Litoral, Borborema, Espinharas e Alto Piranhas, regidos por autarquias intergovernamentais de regime especial, integradas pelos respectivos municípios, em estrutura conveniada, com caráter deliberativo e normativo e personalidade jurídica de direito público. 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Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/33520porFEITOSA, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer.SILVA, José Irivaldo Alves Oliveira.SOARES, Aendria de Sousa do Carmo Mota.info:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFCGinstname:Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)instacron:UFCG2023-12-11T14:32:27Zoai:localhost:riufcg/33520Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttp://bdtd.ufcg.edu.br/PUBhttp://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/oai/requestbdtd@setor.ufcg.edu.br || bdtd@setor.ufcg.edu.bropendoar:48512023-12-11T14:32:27Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFCG - Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)false |
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A lei também impôs aos estados o formato de regionalização do sistema de águas e saneamento, por blocos de municípios integrados, sob pena de divisão compulsória e irrevogável feita pela própria União. Além disso, foram extintos os chamados “contratos de programa” celebrados com as companhias estaduais de águas e esgotos, em regime preferencial, exigindo abertura de licitação para a participação de empresas privadas. Por fim, no pacote de alterações, a lei de 2020 incluiu a eliminação do subsídio cruzado, que incorpora o princípio da solidariedade entre municípios superavitários e deficitários do sistema de água e esgoto, na ponderação político-econômica dos estados. É preciso asseverar que a imposição do modelo de regionalização, com prazo e penalidade estipulados de antemão, desvirtua o princípio federativo da autogestão dos estados e dos municípios. Mas não é só isso – outros aspectos da norma não resistem a análises comparativas de gestão ou de conformidade jurídica, deixando-a propícia à judicialização, visto que, além da imposição do modelo pela União, segundo o disposto nos artigos 48, XVII, 49, XIV e 50, §1º, os estados não aderentes terão suspensos os repasses de recursos federais de financiamento e investimentos. Existem três ações de inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal: ADIs nº 6.5365, interposta pelo PC do B; 6583, interposta pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento; e nº 6.4926, pelo PDT. O cenário no Brasil é de grave exclusão do saneamento por ausência de estrutura básica. Todavia, a lei nº 14.026/2020, que supostamente viria a combater esse déficit humanitário, ao invés de se utilizar dos mecanismos exitosos dos planos anteriores para corrigir problemas, baseia-se na privatização dos serviços como o grande motor da melhoria. De modo açodado, a lei ordenou aos estados a adesão ao formato da microrregionalização, constituindo este o seu problema mais urgente, visto que os estados brasileiros têm até o dia 16 de julho de 2021, quando completa um ano de publicação da lei, o prazo para implantar a regionalização e adotar o modelo final de adaptação. Entre os meses de abril e junho, os estados correram para aprovar leis complementares em regime de urgência, ou seja, sem discussão pública ou legislativa e isso é assustador por causa do aligeiramento de questões de fundamental relevância, como o próprio direito humano à água, representante destacado do princípio da dignidade humana. O estado da Paraíba, localizado no nordeste do Brasil, com 223 municípios e população de mais de 4 milhões de habitantes, aprovou sem debate efetivo a lei complementar nº 168/2021, para criação das microrregiões de água e esgoto. Adotou o modelo de divisão por blocos regionais de quatro grupos, a saber: Litoral, Borborema, Espinharas e Alto Piranhas, regidos por autarquias intergovernamentais de regime especial, integradas pelos respectivos municípios, em estrutura conveniada, com caráter deliberativo e normativo e personalidade jurídica de direito público. Cada microrregião dessas exercerá as competências relativas à organização e execução de funções públicas, que compreendem planejamento, regulação, fiscalização e prestação, direta ou contratada, dos serviços públicos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de águas pluviais urbanas. Na Paraíba, o anteprojeto foi disponibilizado7 para consulta pública no dia 30 de abril de 2021, pela Secretaria Estadual de Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente, tendo sido em seguida convocada, pelo governo do estado, audiência pública8 para a criação das microrregiões de água e esgoto, realizada em 18 de maio de 2021. Em apresentação on line, a equipe técnica mentora do projeto de lei complementar, ao que se sabe, a mesma equipe que elaborou projetos semelhantes para outros estados, estipulou uma premissa inédita de divisão: o critério adotado não foi o das bacias hidrográficas, posto que a Paraíba possui 11 bacias, de igual modo, não foi o comitê de bacias, visto que a Paraíba possui 05 comitês, tampouco foi o das regiões metropolitanas, visto que a Paraíba possui 13 regiões. Este exemplo mostra que existiram templates padronizados para “facilitar” o trabalho interno dos estados. Em suma, diante dos argumentos analisados, os condutores do processo (na Paraíba e no Brasil) tomam como categorias de base duas visões dicotômicas, quais sejam (i) a compreensão de água e saneamento como setor de serviço regulado e como direito humano garantido (e seus desdobramentos) e (ii) o modelo de regionalização como o ’nico apto a carrear a prescrição legal. 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