A identidade tunisiana como ferramenta autoritária: Kais Saied e seu discurso antiafricano
Autor(a) principal: | |
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Data de Publicação: | 2023 |
Tipo de documento: | Artigo de conferência |
Idioma: | por |
Título da fonte: | Repositório Institucional da UNESP |
Texto Completo: | https://hdl.handle.net/11449/251617 |
Resumo: | Quase dois anos após a destituição do primeiro-ministro tunisiano por parte do presidente Kais Saied, a situação no país gradativamente caminha para um retorno ao modelo autoritário, antes visto com Habib Bourguiba e Zine El Abidine Ben Ali. Dentre os principais traços do autoritarismo tunisiano, um dos mais latentes ficou conhecido como ‘Tunisianité’, dizendo respeito especificamente à ideia da identidade tunisiana. Esse conceito é definido como “um conjunto de ideias creditadas por estabelecer o cerne de uma perene identidade tunisiana, explicitada por seu realismo, rejeição de qualquer forma de radicalismo e moderação” (ZEMNI, 2016, p. 142, tradução nossa). Historicamente, a ‘Tunisianité’, assim como sua utilização irrestrita, se tornou uma ferramenta autoritária e secularista, justificando a perseguição de grupos do Islã Político por parte de Bourguiba e Ben Ali e com o apoio ocidental, como discutido em Wolf (2013, p. 126) e Cavatorta e Merone (2015, p. 37). Para além de uma construção interna, o conceito se tornou, por essência, a imagem tunisiana internacional, a de um país estável, silenciando os aspectos autoritários de seu governo, como apontado em Landucci e Rocha (2022, p. 273). Nesse sentido, apesar de esforços internos para a consolidação de uma identidade nacional plural, principalmente, pelo conceito de ‘hawiyya attounsia’ (identidade tunisiana, em árabe) discutido em Landucci (2022, p. 12-13), a identidade tunisiana aceita internacionalmente reforçava aspectos ditos ocidentais e seculares de sua formação nacional. Com a virada autoritária de Saied, o debate sobre a imposição de uma identidade tunisiana ganhou força novamente. Durante um discurso, com citações disponíveis em Al Jazeera (2023), o presidente afirmou que a imigração ilegal do continente africano estaria buscando minar a identidade árabe e muçulmana do país, a tornando puramente africana. Reconhecendo a necessidade de identificarmos os arranjos de poder para o estudo da identidade, tal como as dinâmicas de aceitação e resistência, como ressalta Mouffe (1994, p. 107 apud HELAL, 2019, p. 417), o presente trabalho pretende discutir como essa ferramenta identitária pode nos ajudar a entender os recentes movimentos de Kais Saied. Em suma, tendo sido dividida em três tendências - a essencialista, a consensual e a legalista - por Helal (2019), a ‘Tunisianité’ é uma marca da interculturalidade tunisiana e reforça a importância de entendermos a construção identitária como um processo político de inclusão e exclusão. Desse modo, para além de um debate sobre racismo e discurso anti-imigratório na Tunísia, o presente trabalho busca ressaltar como tal declaração e seu recurso à ‘Tunisianité’ apontam para mais um movimento autoritário de Saied. O estudo da identidade foi historicamente presente no eixo teórico construtivista e ganhou perspectivas relevantes ao trabalho com a união com a noção de discurso da Análise do Discurso Francesa. Portanto, reconhecendo o discurso como “o espaço no qual o conhecimento intersubjetivo é criado, sustentado, transformado e, consequentemente, se torna constitutivo da realidade social” (HOLZSCHEITER, 2013, p. 03, tradução nossa), reforçamos o peso do mesmo para o conceito de identidade, o tornando frutífero para a análise histórica e bibliográfica proposta. A partir de tal discussão, espera-se também explorar as maneiras pelas quais a ‘Tunisianité’ pode vir a afetar a política externa do país, tendo em vista que a mesma foi central para alianças com a França e com os Estados Unidos em períodos autoritários passados. Anteriormente utilizada com foco contra o Islã Político, o discurso atual do governo Saied pode apontar para uma mudança em sua postura, focada na política doméstica durante sua campanha, como reforçam Hill e Yerkes (2023), e para uma tentativa de aproximação com a Europa na pauta da imigração. |
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A identidade tunisiana como ferramenta autoritária: Kais Saied e seu discurso antiafricanoTunisian identity as an authoritarian tool: Kais Saied and his anti-African discourseTunísiaIdentidadeDiscursoAlteridadeCulturaQuase dois anos após a destituição do primeiro-ministro tunisiano por parte do presidente Kais Saied, a situação no país gradativamente caminha para um retorno ao modelo autoritário, antes visto com Habib Bourguiba e Zine El Abidine Ben Ali. Dentre os principais traços do autoritarismo tunisiano, um dos mais latentes ficou conhecido como ‘Tunisianité’, dizendo respeito especificamente à ideia da identidade tunisiana. Esse conceito é definido como “um conjunto de ideias creditadas por estabelecer o cerne de uma perene identidade tunisiana, explicitada por seu realismo, rejeição de qualquer forma de radicalismo e moderação” (ZEMNI, 2016, p. 142, tradução nossa). Historicamente, a ‘Tunisianité’, assim como sua utilização irrestrita, se tornou uma ferramenta autoritária e secularista, justificando a perseguição de grupos do Islã Político por parte de Bourguiba e Ben Ali e com o apoio ocidental, como discutido em Wolf (2013, p. 126) e Cavatorta e Merone (2015, p. 37). Para além de uma construção interna, o conceito se tornou, por essência, a imagem tunisiana internacional, a de um país estável, silenciando os aspectos autoritários de seu governo, como apontado em Landucci e Rocha (2022, p. 273). Nesse sentido, apesar de esforços internos para a consolidação de uma identidade nacional plural, principalmente, pelo conceito de ‘hawiyya attounsia’ (identidade tunisiana, em árabe) discutido em Landucci (2022, p. 12-13), a identidade tunisiana aceita internacionalmente reforçava aspectos ditos ocidentais e seculares de sua formação nacional. Com a virada autoritária de Saied, o debate sobre a imposição de uma identidade tunisiana ganhou força novamente. Durante um discurso, com citações disponíveis em Al Jazeera (2023), o presidente afirmou que a imigração ilegal do continente africano estaria buscando minar a identidade árabe e muçulmana do país, a tornando puramente africana. Reconhecendo a necessidade de identificarmos os arranjos de poder para o estudo da identidade, tal como as dinâmicas de aceitação e resistência, como ressalta Mouffe (1994, p. 107 apud HELAL, 2019, p. 417), o presente trabalho pretende discutir como essa ferramenta identitária pode nos ajudar a entender os recentes movimentos de Kais Saied. Em suma, tendo sido dividida em três tendências - a essencialista, a consensual e a legalista - por Helal (2019), a ‘Tunisianité’ é uma marca da interculturalidade tunisiana e reforça a importância de entendermos a construção identitária como um processo político de inclusão e exclusão. Desse modo, para além de um debate sobre racismo e discurso anti-imigratório na Tunísia, o presente trabalho busca ressaltar como tal declaração e seu recurso à ‘Tunisianité’ apontam para mais um movimento autoritário de Saied. O estudo da identidade foi historicamente presente no eixo teórico construtivista e ganhou perspectivas relevantes ao trabalho com a união com a noção de discurso da Análise do Discurso Francesa. Portanto, reconhecendo o discurso como “o espaço no qual o conhecimento intersubjetivo é criado, sustentado, transformado e, consequentemente, se torna constitutivo da realidade social” (HOLZSCHEITER, 2013, p. 03, tradução nossa), reforçamos o peso do mesmo para o conceito de identidade, o tornando frutífero para a análise histórica e bibliográfica proposta. A partir de tal discussão, espera-se também explorar as maneiras pelas quais a ‘Tunisianité’ pode vir a afetar a política externa do país, tendo em vista que a mesma foi central para alianças com a França e com os Estados Unidos em períodos autoritários passados. Anteriormente utilizada com foco contra o Islã Político, o discurso atual do governo Saied pode apontar para uma mudança em sua postura, focada na política doméstica durante sua campanha, como reforçam Hill e Yerkes (2023), e para uma tentativa de aproximação com a Europa na pauta da imigração.Associação Brasileira de Relações Internacionais2023-12-01T17:33:21Z2023-12-01T17:33:21Z2023-07-27info:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/conferenceObjectapplication/pdfLANDUCCI, Leonardo Pagano. A identidade tunisiana como ferramenta autoritária: Kais Saied e seu discurso antiafricano. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 9., 2023, Belo Horizonte. Anais eletrônicos. 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