“Nou led, nou la!” : “estamos feios, mas estamos aqui!” : assombros haitianos à retórica colonial sobre pobreza

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Marques, Pâmela Marconatto
Data de Publicação: 2017
Tipo de documento: Tese
Idioma: por
Título da fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10183/181461
Resumo: A geografia de hegemonias e subalternidades pautada na lógica colonial foi atualizada, ganhando complexidade, no contexto pós 2ª Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas e, com ela, uma agenda de desenvolvimento a ser seguida pelos países do recém rebatizado “3º mundo” que exigia indicadores, relatórios, diagnósticos e, no limite, intervenções diretas. Um dos resultados dessa corrida pela “medição do mundo” foi a sistematização de uma listagem daqueles que seriam seus 50 países mais pobres, inicialmente chamada “lista de países inviáveis” ou “fracassados”. Entre as consequências mais expressivas do ônus de figurar nessa listagem de países está o fato de que, uma vez ali, a soberania nacional fica “relativizada”, dando ensejo a todo tipo de intervenção internacional “terapêutica”, a ser administrada pelas potências do Norte. Assim, entendemos que mesmo o Sul conta com uma periferia ainda mais profundamente subalternizada e silenciada, localizada, em sua maioria, no continente africano, com alguns representantes no Oriente Médio e apenas um caso nas Américas: o Haiti. A questão dessa tese é que esses países “menos avançados” perderam seu “lugar de enunciação”, deslegitimados pelo suposto “fracasso” na execução de um projeto de cuja definição sequer participaram. Não nos parece coincidência o fato de a maioria deles localizar-se no continente africano. A consequência dessa maquinaria é o silenciamento dos saberes e práticas desse continente e sua diáspora, desperdiçados como produtores de alternativas aptas a serem compartilhadas e traduzidas entre os povos do Sul. Esses saberes desperdiçados não se restringem a práticas cotidianas, resultado de saberes tradicionais compartilhados de forma oral entre as gerações (algo que se espera do Sul, que se tolera do Sul e que compõe o acervo imaginário de contribuições possíveis quando se concebe a diferença como corpo dócil), mas também se estendem a saberes tipicamente atribuídos ao Norte, como as narrativas científicas e literárias. Com o intuito de enfrentar esse problema, o presente trabalho de tese está organizado em dois capítulos. No primeiro, apresenta-se um conjunto de vestígios capazes de sugerir que aquilo que se convencionou chamar de pobreza não é um “fato inerte da natureza”, “não está meramente ali”, mas trata-se de uma ideia que porta uma narrativa, um imaginário, uma estética e um vocabulário que lhe dão realidade em e para determinado grupo e contexto histórico-político. A partir da ideia de pobreza como lugar vazio é que o lugar de enunciação do intelectual haitiano – um dos cinquenta países mais pobres do mundo – torna-se, no limite, impossível. No segundo, apresentaremos a obra de intelectuais haitianos como Antenor Firmin, Jean Price-Mars, Jacques Roumain e René Depestre, que desafiaram o cânone europeu, entrando com eles em franca disputa, em um marco que podemos considerar antirracista e anticolonial.
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Entre as consequências mais expressivas do ônus de figurar nessa listagem de países está o fato de que, uma vez ali, a soberania nacional fica “relativizada”, dando ensejo a todo tipo de intervenção internacional “terapêutica”, a ser administrada pelas potências do Norte. Assim, entendemos que mesmo o Sul conta com uma periferia ainda mais profundamente subalternizada e silenciada, localizada, em sua maioria, no continente africano, com alguns representantes no Oriente Médio e apenas um caso nas Américas: o Haiti. A questão dessa tese é que esses países “menos avançados” perderam seu “lugar de enunciação”, deslegitimados pelo suposto “fracasso” na execução de um projeto de cuja definição sequer participaram. Não nos parece coincidência o fato de a maioria deles localizar-se no continente africano. A consequência dessa maquinaria é o silenciamento dos saberes e práticas desse continente e sua diáspora, desperdiçados como produtores de alternativas aptas a serem compartilhadas e traduzidas entre os povos do Sul. Esses saberes desperdiçados não se restringem a práticas cotidianas, resultado de saberes tradicionais compartilhados de forma oral entre as gerações (algo que se espera do Sul, que se tolera do Sul e que compõe o acervo imaginário de contribuições possíveis quando se concebe a diferença como corpo dócil), mas também se estendem a saberes tipicamente atribuídos ao Norte, como as narrativas científicas e literárias. Com o intuito de enfrentar esse problema, o presente trabalho de tese está organizado em dois capítulos. No primeiro, apresenta-se um conjunto de vestígios capazes de sugerir que aquilo que se convencionou chamar de pobreza não é um “fato inerte da natureza”, “não está meramente ali”, mas trata-se de uma ideia que porta uma narrativa, um imaginário, uma estética e um vocabulário que lhe dão realidade em e para determinado grupo e contexto histórico-político. A partir da ideia de pobreza como lugar vazio é que o lugar de enunciação do intelectual haitiano – um dos cinquenta países mais pobres do mundo – torna-se, no limite, impossível. No segundo, apresentaremos a obra de intelectuais haitianos como Antenor Firmin, Jean Price-Mars, Jacques Roumain e René Depestre, que desafiaram o cânone europeu, entrando com eles em franca disputa, em um marco que podemos considerar antirracista e anticolonial.The geography of hegemonies and subalternities based on the colonial logic was updated, gaining complexity, in the post World War II context, with the creation of the United Nations and with it a development agenda to be followed by the countries of the recently renamed "3rd World" that required indicators, reports, diagnoses and, in the limit, direct interventions. One of the results of this race for "measuring the world" was the systematisation of a list of those which would be the 50 poorest countries. Among the most significant consequences of the burden of appearing in this list of countries is the fact that, once there, national sovereignty becomes "relativized", giving place to all kinds of international "therapeutic" intervention, to be administered by the powers of the North. Thus, we understand that even the South has an even more profoundly subalternized and silenced periphery, located mostly in the African continent, with some representatives in the Middle East and only one case in the Americas: Haiti. The point of this thesis is that these "least advanced" countries lost their "place of enunciation", delegitimized by the supposed "failure" in the execution of a project whose definition they did not even participate. It does not seem coincidental to us that most of them are located on the African continent. The consequence of this machinery is the silencing of the knowledge and practices of this continent and its diaspora, wasted as producers of alternatives suitable to be shared and translated among the peoples of the South. These wasted knowledge is not restricted to everyday practices, the result of traditional knowledge shared orally among generations (something that is expected from the South, which is tolerated from the South and which makes up the imaginary collection of possible contributions when the difference is conceived as a docile body), but also extends to the knowledges typically attributed to the North, such as scientific and literary narratives. In order to address this problem, this thesis is organized in two chapters. The first presents a set of traces that suggest that what is conventionally called poverty is not an "inert fact of nature," "it is not merely there," but it is an idea that carries a narrative, An imagery, an aesthetic and a vocabulary that give it reali ty in and for a particular group and historical-political context. From the idea of poverty as an empty place, the place of enunciation of the Haitian intellectual - one of the fifty poorest countries in the world - becomes, in the limit, impossible. In the second, we will present the work of Haitian intellectuals such as Antenor Firmin, Jean Price-Mars, Jacques Roumain and René Depestre, who challenged the European canon, entering with them in frank dispute, within a framework that we can consider anti-racist and anti-colonialist.application/pdfporColonialidadePobrezaIntervenção humanitáriaRacismoIntelectuaisSociologiaHaiti : HistóriaColonialityHaitian intellectualsHaitiPoverty“Nou led, nou la!” : “estamos feios, mas estamos aqui!” : assombros haitianos à retórica colonial sobre pobrezainfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/doctoralThesisUniversidade Federal do Rio Grande do SulInstituto de Filosofia e Ciências HumanasPrograma de Pós-Graduação em SociologiaPorto Alegre, BR-RS2017doutoradoinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGSinstname:Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)instacron:UFRGSORIGINAL001075059.pdfTexto completoapplication/pdf3310980http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/10183/181461/1/001075059.pdf605dcf85e81239f9e4785f1fca8dcca1MD51TEXT001075059.pdf.txt001075059.pdf.txtExtracted Texttext/plain517628http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/10183/181461/2/001075059.pdf.txt369a79dc089c63819460ec91f5051a94MD52THUMBNAIL001075059.pdf.jpg001075059.pdf.jpgGenerated Thumbnailimage/jpeg1140http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/10183/181461/3/001075059.pdf.jpgc268cc908cd5e26a5ff026533344222aMD5310183/1814612018-10-05 07:43:31.41oai:www.lume.ufrgs.br:10183/181461Biblioteca Digital de Teses e Dissertaçõeshttps://lume.ufrgs.br/handle/10183/2PUBhttps://lume.ufrgs.br/oai/requestlume@ufrgs.br||lume@ufrgs.bropendoar:18532018-10-05T10:43:31Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)false
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