A responsabilidade civil do administrador da insolvência

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Garcia, Vanessa Cristina de Velez
Data de Publicação: 2014
Tipo de documento: Dissertação
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)
Texto Completo: http://hdl.handle.net/10451/11783
Resumo: Esta dissertação reflecte sobre a responsabilidade civil profissional do administrador da insolvência, órgão capital do processo de insolvência, que, por efeito da crescente inquietação do legislador português em desjudicializar o procedimento, tem visto os seus poderes funcionais ser objecto de progressiva ampliação. Em resultado, o impacte económico e social da actuação destes “servidores da Justiça e do Direito” (art. 16.º, n.º 1 do EAI) é cada vez maior, implicando impreterivelmente um olhar vigilante sobre a sua conduta profissional e uma maior e mais eficaz responsabilização. Com a entrada em vigor do DL n.º 53/2004, de 18 de Março que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi criado um regime privativo de responsabilidade, previsto e regulado no artigo 59.º, o qual afastou definitivamente a aplicação do regime geral da responsabilidade civil, constante dos artigos 483.º e ss do CC. Previne-se, porém, para o facto de o CIRE não ter desencadeado qualquer revolução coperniciana em relação aos quadros gerais da responsabilidade civil extra-obrigacional, no referente à responsabilidade por actos próprios, visto que o n.º 1 do artigo 59.º do CIRE sofreu uma clara influência do artigo 483.º do CC, diferentemente do sucedido quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, em que o n.º 3 do artigo 59.º do CIRE se afastou da regra disciplinadora da responsabilidade do comitente, plasmada no artigo 500.º do CC. Trata-se, enfim, de uma responsabilidade funcional ou orgânica, determinada pela inobservância de deveres a que os administradores da insolvência se encontram funcionalmente adstritos, enquanto órgão de um processo especial, que lhes estabelece como missão principal a respectiva administração diligente, em proveito dos prevalecentes interesses dos credores. Alertamos para a circunstância de esses deveres serem mais intensos do que o elementar dever geral de respeito, exigível ao cidadão comum no tráfego jurídico. A diligência, enquanto imperativo ético, vê igualmente os seus contornos reforçados. Não se basta a lei com a diligência de um bom pai de família, como no art. 487.º, n.º 2 do CC, exige-se a diligência de um administrador criterioso e ordenado, pelo que a culpa é mensurável por contraposição à diligência do bonus pater famílias de um sector específico. Consequentemente, demanda-se uma tutela mais exigente e mais apertada do que a que a simples responsabilidade aquiliana assegura. Caso contrário, não se inquietaria o legislador a consagrar disposições legais específicas e autónomas, cujo conteúdo resultasse já da cláusula geral de responsabilidade. Nesta perspectiva, a inobservância pelo administrador da insolvência dos seus deveres remete-nos para o problema da natureza da responsabilidade profissional, situada numa zona de fronteira entre a responsabilidade extra-obrigacional e a obrigacional. A questão que se pode, em consequência, legitimamente colocar é a de saber se a força e a intensidade desses deveres especiais são suficientes para fundamentar a integração do respectivo incumprimento no âmbito da responsabilidade obrigacional. Somos de parecer que tais obrigações específicas não chegam a manifestar-se como rigorosos deveres prestacionais, atenta a inexistência de uma relação creditícia inter-subjectiva in sensu proprio (referimo-nos à relação entre o administrador judicial e o devedor e os credores, partes do processo falimentar). Decorrem antes da nomeação judicial, publicitada por via de registo, que os precipita para o cargo (munus publicum) e que redunda também, atrevemo-nos a dizer, num compromisso em relação à comunidade jurídica latamente considerada. Ainda assim, consideramos que o actual modelo delitual de responsabilidade, delineado no n.º 1 do artigo 59.º do CIRE, não concede uma resposta totalmente adequada ao desrespeito pelas vinculações específicas a que a figura orgânica, objecto da presente investigação, está submetida. Nesta óptica, compreendendo a lógica de diferenciação, julgamos que de iure condendo seria mais sensata a aposta numa culpa presumida. A demonstração judicial da culpa do administrador pelo lesado é muito difícil, limitando as hipóteses de ressarcimento. E ninguém melhor que o administrador conseguirá comprovar o cumprimento ou eventualmente o incumprimento dos seus deveres. Por outro lado, o agravamento resultante do estabelecimento de uma presunção ilídivel de culpa não contenderia sequer com a preservação do esquema aquiliano, que noutros preceitos, por eventos de diferente índole, endurece do mesmo modo o regime de responsabilidade. Mais, o esquema preconizado, não exige o recurso forçado aos quadros específicos da responsabilidade obrigacional, circunstância que poderia fazer com que o mesmo facto ilícito culposo assumisse carácter distinto consoante o lesado, contrariando injustificadamente o princípio da igualdade. Outro aspecto do regime de responsabilidade a salientar prende-se com o consentimento pelo Código, como excepção à regra da pessoalidade do cargo, de que o administrador seja auxiliado por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, desde que a comissão de credores, se existir, anua previamente ou o juiz, na sua falta, ficando o administrador responsável pelas consequências desta delegação de tarefas (art. 55.º, n.º 3). Em concretização, no n.º 3 do artigo 59.º estabeleceu-se um regime de responsabilidade solidária do administrador pelos danos causados pelos actos e omissões dos seus auxiliares, assente numa presunção iuris tantum de culpa, a qual admite ilisão se (e só se) conseguir demonstrar que não houve culpa (segundo advogamos, in eligendo, in instruendo e in vigilando) da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos, em clara alusão à relevância negativa da causa virtual. Sendo certo que se trata de uma relação de comissão entre o administrador da insolvência e os auxiliares, verifica-se o afastamento em relação ao artigo 500.º do CC, onde se prescreve a responsabilidade objectiva do comitente. Pese embora tivesse sido sistematicamente mais coerente o acolhimento da responsabilidade objectiva, esta poderia revelar-se excessivamente onerosa para o administrador da insolvência. Se por um lado, é verdade que, tal como o comitente, está a tirar proveito de uma actuação levada a cabo por outra pessoa ou entidade que, de outro modo, ser-lhe-ia imputada, por outro lado, não se vê porque motivo deva responder pelos prejuízos resultantes dos actos destas, se tiver diligenciado de forma a acautelá-los. De notar que a actividade do administrador da insolvência opera numa zona jurídica muito peculiar e sensível, onde os prejuízos (não relacionados com a actuação do administrador) abundam. Cabe ainda assinalar que, se no Direito Civil o comitente funciona como simples garante da indemnização, no Direito da Insolvência essa ideia nem tem total correspondência, vista a consagração do regime de solidariedade quanto à satisfação da obrigação plural de indemnizar o lesado. Pelo exposto, pensamos que, de certa forma, o estabelecimento de uma presunção de culpa funciona como uma contra-partida válida e eficaz para a não adopção de uma responsabilidade de tipo objectivo Noutra banda, já vimos também que o âmbito subjectivo de aplicação do artigo 59.º do CIRE, rectius do n.º 1, não é extensível a terceiros prejudicados, como tal, não resta senão concluir pela aplicabilidade do regime jurídico geral da responsabilidade civil, plasmado nos artigos 483.º e ss do CC. De relevante, será a imposição da observância do prazo de prescrição de três anos a contar da data do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete, dentro do prazo prescricional ordinário de vinte anos desde a prática do facto danoso (art. 498.º, n.º 1 do CC), distinto do aplicável ao devedor e aos credores – dois anos contados da data em que o lesado tome conhecimento do direito que lhe assiste, dentro do prazo de dois anos a contar da data da cessação de funções do administrador da insolvência (art. 59.º, n.º 4 do CIRE). Face ao exposto, em nossa opinião, sobressai a ideia de uma certa desconexão e desarmonia na sistematização da responsabilidade civil do administrador. Na verdade, pese embora o desígnio subjacente ao curto prazo prescricional de dois anos se prenda com preocupações de segurança jurídica, pensa-se que idêntica preocupação deverá estar certamente presente no campo da responsabilidade por danos gerados a terceiros, embora aí se verifique actualmente um prazo mais dilatado. Por outro lado, não parece existir fundamento que sustente cabalmente a apontada diferenciação legal, uma vez que os terceiros terão, em princípio, idêntica facilidade de conhecimento das lesões (e por vezes até mais, quando os seus bens sejam indevidamente apreendidos). Além de que pode suceder que o mesmo evento lese concomitantemente um terceiro e credores, afigurando-se contrário ao princípio constitucional do tratamento igual do que é idêntico, que resulte para um dos lesados um prazo mais longo para actuar. Consequentemente, seria preferível a instituição de um regime unitário de responsabilidade civil por actos próprios do administrador da insolvência e, considerando ser o prazo actualmente previsto muito curto, propendemos para a advogar de lege ferenda a extensão do prazo estabelecido no CIRE para três anos, a contar do conhecimento pelo lesado do direito à reparação do dano, mas sem exceder igual período sobre a data da cessação de funções do administrador da insolvência infractor. Em relação ao artigo 59.º, n.º 2 do CIRE, este dirige-se a prover exclusivamente pela compensação dos prejuízos causados pelo administrador da insolvência aos credores da massa insolvente, em virtude de esta se tornar insuficiente para cumprir na íntegra os seus direitos creditórios por efeito de acto ou actos culposos praticados pelo administrador no exercício das funções. Conclui-se que o administrador da insolvência não deve originar o aumento do passivo, nem a diminuição do activo patrimonial, fragilizando a massa insolvente ao ponto de suprimir a capacidade de cumprimento total das suas dívidas. Poderá, ainda assim, eximir-se da responsabilidade se a insuficiência não fosse previsível à data da prática do acto nocivo, de acordo com o circunstancialismo por si conhecido e de acordo com aquele que não devia ignorar, mas para isso é necessário que demonstre essa imprevisibilidade (inversão do ónus da prova). O artigo 164.º, n.º 3 do CIRE (integrado no capítulo da liquidação da massa insolvente) contempla uma situação delitual específica no caso de o administrador da insolvência não tendo aceitado a proposta atempada de um credor garantido, alienar o bem por preço inferior. Estatui o preceito que aquela figura orgânica fica obrigada a colocar o credor na situação que decorreria da alienação nos termos propostos. Julga-se, à semelhança de alguma doutrina, estar em causa mais do que uma fonte de responsabilidade do administrador, que sempre existiria nos do artigo 59.º, uma limitação a essa mesma responsabilidade. No que tange à matéria da competência jurisdicional referente à acção de responsabilidade civil contra o administrador de insolvência, esta não foi contemplada pelo CIRE, à semelhança do que sucedia anteriormente. A questão agora coloca-se com maior acuidade atenta a distinção de tratamento substantivo entre devedor ou credores e terceiros. Segundo parece, o tribunal do processo tem-se considerado competente em ambos os casos, o que parece à partida contrário ao sistema substantivo adoptado. Por outro lado, essa não é uma solução isenta de críticas, tendo em conta que, apesar da respeitabilidade e do mérito dos nossos juízes, existe um sério risco de perda de independência e de prudência, atento o considerável número de apelações interpostas de despachos de destituição do administrador, proferidos pelo juiz da primeira instância, que têm sido revogados com a procedência dos respectivos recursos. Em conclusão, não obstante se compreender que a juventude do tratamento legal desta temática justifica a até ao momento parca discussão científica, julgamos que do exposto fica patente a existência de um conjunto de situações merecedor da especial atenção que na presente investigação lhes dedicamos.
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Com a entrada em vigor do DL n.º 53/2004, de 18 de Março que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi criado um regime privativo de responsabilidade, previsto e regulado no artigo 59.º, o qual afastou definitivamente a aplicação do regime geral da responsabilidade civil, constante dos artigos 483.º e ss do CC. Previne-se, porém, para o facto de o CIRE não ter desencadeado qualquer revolução coperniciana em relação aos quadros gerais da responsabilidade civil extra-obrigacional, no referente à responsabilidade por actos próprios, visto que o n.º 1 do artigo 59.º do CIRE sofreu uma clara influência do artigo 483.º do CC, diferentemente do sucedido quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, em que o n.º 3 do artigo 59.º do CIRE se afastou da regra disciplinadora da responsabilidade do comitente, plasmada no artigo 500.º do CC. Trata-se, enfim, de uma responsabilidade funcional ou orgânica, determinada pela inobservância de deveres a que os administradores da insolvência se encontram funcionalmente adstritos, enquanto órgão de um processo especial, que lhes estabelece como missão principal a respectiva administração diligente, em proveito dos prevalecentes interesses dos credores. Alertamos para a circunstância de esses deveres serem mais intensos do que o elementar dever geral de respeito, exigível ao cidadão comum no tráfego jurídico. A diligência, enquanto imperativo ético, vê igualmente os seus contornos reforçados. Não se basta a lei com a diligência de um bom pai de família, como no art. 487.º, n.º 2 do CC, exige-se a diligência de um administrador criterioso e ordenado, pelo que a culpa é mensurável por contraposição à diligência do bonus pater famílias de um sector específico. Consequentemente, demanda-se uma tutela mais exigente e mais apertada do que a que a simples responsabilidade aquiliana assegura. Caso contrário, não se inquietaria o legislador a consagrar disposições legais específicas e autónomas, cujo conteúdo resultasse já da cláusula geral de responsabilidade. Nesta perspectiva, a inobservância pelo administrador da insolvência dos seus deveres remete-nos para o problema da natureza da responsabilidade profissional, situada numa zona de fronteira entre a responsabilidade extra-obrigacional e a obrigacional. A questão que se pode, em consequência, legitimamente colocar é a de saber se a força e a intensidade desses deveres especiais são suficientes para fundamentar a integração do respectivo incumprimento no âmbito da responsabilidade obrigacional. Somos de parecer que tais obrigações específicas não chegam a manifestar-se como rigorosos deveres prestacionais, atenta a inexistência de uma relação creditícia inter-subjectiva in sensu proprio (referimo-nos à relação entre o administrador judicial e o devedor e os credores, partes do processo falimentar). Decorrem antes da nomeação judicial, publicitada por via de registo, que os precipita para o cargo (munus publicum) e que redunda também, atrevemo-nos a dizer, num compromisso em relação à comunidade jurídica latamente considerada. Ainda assim, consideramos que o actual modelo delitual de responsabilidade, delineado no n.º 1 do artigo 59.º do CIRE, não concede uma resposta totalmente adequada ao desrespeito pelas vinculações específicas a que a figura orgânica, objecto da presente investigação, está submetida. Nesta óptica, compreendendo a lógica de diferenciação, julgamos que de iure condendo seria mais sensata a aposta numa culpa presumida. A demonstração judicial da culpa do administrador pelo lesado é muito difícil, limitando as hipóteses de ressarcimento. E ninguém melhor que o administrador conseguirá comprovar o cumprimento ou eventualmente o incumprimento dos seus deveres. Por outro lado, o agravamento resultante do estabelecimento de uma presunção ilídivel de culpa não contenderia sequer com a preservação do esquema aquiliano, que noutros preceitos, por eventos de diferente índole, endurece do mesmo modo o regime de responsabilidade. Mais, o esquema preconizado, não exige o recurso forçado aos quadros específicos da responsabilidade obrigacional, circunstância que poderia fazer com que o mesmo facto ilícito culposo assumisse carácter distinto consoante o lesado, contrariando injustificadamente o princípio da igualdade. Outro aspecto do regime de responsabilidade a salientar prende-se com o consentimento pelo Código, como excepção à regra da pessoalidade do cargo, de que o administrador seja auxiliado por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, desde que a comissão de credores, se existir, anua previamente ou o juiz, na sua falta, ficando o administrador responsável pelas consequências desta delegação de tarefas (art. 55.º, n.º 3). Em concretização, no n.º 3 do artigo 59.º estabeleceu-se um regime de responsabilidade solidária do administrador pelos danos causados pelos actos e omissões dos seus auxiliares, assente numa presunção iuris tantum de culpa, a qual admite ilisão se (e só se) conseguir demonstrar que não houve culpa (segundo advogamos, in eligendo, in instruendo e in vigilando) da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos, em clara alusão à relevância negativa da causa virtual. Sendo certo que se trata de uma relação de comissão entre o administrador da insolvência e os auxiliares, verifica-se o afastamento em relação ao artigo 500.º do CC, onde se prescreve a responsabilidade objectiva do comitente. Pese embora tivesse sido sistematicamente mais coerente o acolhimento da responsabilidade objectiva, esta poderia revelar-se excessivamente onerosa para o administrador da insolvência. Se por um lado, é verdade que, tal como o comitente, está a tirar proveito de uma actuação levada a cabo por outra pessoa ou entidade que, de outro modo, ser-lhe-ia imputada, por outro lado, não se vê porque motivo deva responder pelos prejuízos resultantes dos actos destas, se tiver diligenciado de forma a acautelá-los. De notar que a actividade do administrador da insolvência opera numa zona jurídica muito peculiar e sensível, onde os prejuízos (não relacionados com a actuação do administrador) abundam. Cabe ainda assinalar que, se no Direito Civil o comitente funciona como simples garante da indemnização, no Direito da Insolvência essa ideia nem tem total correspondência, vista a consagração do regime de solidariedade quanto à satisfação da obrigação plural de indemnizar o lesado. Pelo exposto, pensamos que, de certa forma, o estabelecimento de uma presunção de culpa funciona como uma contra-partida válida e eficaz para a não adopção de uma responsabilidade de tipo objectivo Noutra banda, já vimos também que o âmbito subjectivo de aplicação do artigo 59.º do CIRE, rectius do n.º 1, não é extensível a terceiros prejudicados, como tal, não resta senão concluir pela aplicabilidade do regime jurídico geral da responsabilidade civil, plasmado nos artigos 483.º e ss do CC. De relevante, será a imposição da observância do prazo de prescrição de três anos a contar da data do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete, dentro do prazo prescricional ordinário de vinte anos desde a prática do facto danoso (art. 498.º, n.º 1 do CC), distinto do aplicável ao devedor e aos credores – dois anos contados da data em que o lesado tome conhecimento do direito que lhe assiste, dentro do prazo de dois anos a contar da data da cessação de funções do administrador da insolvência (art. 59.º, n.º 4 do CIRE). Face ao exposto, em nossa opinião, sobressai a ideia de uma certa desconexão e desarmonia na sistematização da responsabilidade civil do administrador. Na verdade, pese embora o desígnio subjacente ao curto prazo prescricional de dois anos se prenda com preocupações de segurança jurídica, pensa-se que idêntica preocupação deverá estar certamente presente no campo da responsabilidade por danos gerados a terceiros, embora aí se verifique actualmente um prazo mais dilatado. Por outro lado, não parece existir fundamento que sustente cabalmente a apontada diferenciação legal, uma vez que os terceiros terão, em princípio, idêntica facilidade de conhecimento das lesões (e por vezes até mais, quando os seus bens sejam indevidamente apreendidos). Além de que pode suceder que o mesmo evento lese concomitantemente um terceiro e credores, afigurando-se contrário ao princípio constitucional do tratamento igual do que é idêntico, que resulte para um dos lesados um prazo mais longo para actuar. Consequentemente, seria preferível a instituição de um regime unitário de responsabilidade civil por actos próprios do administrador da insolvência e, considerando ser o prazo actualmente previsto muito curto, propendemos para a advogar de lege ferenda a extensão do prazo estabelecido no CIRE para três anos, a contar do conhecimento pelo lesado do direito à reparação do dano, mas sem exceder igual período sobre a data da cessação de funções do administrador da insolvência infractor. Em relação ao artigo 59.º, n.º 2 do CIRE, este dirige-se a prover exclusivamente pela compensação dos prejuízos causados pelo administrador da insolvência aos credores da massa insolvente, em virtude de esta se tornar insuficiente para cumprir na íntegra os seus direitos creditórios por efeito de acto ou actos culposos praticados pelo administrador no exercício das funções. Conclui-se que o administrador da insolvência não deve originar o aumento do passivo, nem a diminuição do activo patrimonial, fragilizando a massa insolvente ao ponto de suprimir a capacidade de cumprimento total das suas dívidas. Poderá, ainda assim, eximir-se da responsabilidade se a insuficiência não fosse previsível à data da prática do acto nocivo, de acordo com o circunstancialismo por si conhecido e de acordo com aquele que não devia ignorar, mas para isso é necessário que demonstre essa imprevisibilidade (inversão do ónus da prova). O artigo 164.º, n.º 3 do CIRE (integrado no capítulo da liquidação da massa insolvente) contempla uma situação delitual específica no caso de o administrador da insolvência não tendo aceitado a proposta atempada de um credor garantido, alienar o bem por preço inferior. Estatui o preceito que aquela figura orgânica fica obrigada a colocar o credor na situação que decorreria da alienação nos termos propostos. Julga-se, à semelhança de alguma doutrina, estar em causa mais do que uma fonte de responsabilidade do administrador, que sempre existiria nos do artigo 59.º, uma limitação a essa mesma responsabilidade. No que tange à matéria da competência jurisdicional referente à acção de responsabilidade civil contra o administrador de insolvência, esta não foi contemplada pelo CIRE, à semelhança do que sucedia anteriormente. A questão agora coloca-se com maior acuidade atenta a distinção de tratamento substantivo entre devedor ou credores e terceiros. Segundo parece, o tribunal do processo tem-se considerado competente em ambos os casos, o que parece à partida contrário ao sistema substantivo adoptado. Por outro lado, essa não é uma solução isenta de críticas, tendo em conta que, apesar da respeitabilidade e do mérito dos nossos juízes, existe um sério risco de perda de independência e de prudência, atento o considerável número de apelações interpostas de despachos de destituição do administrador, proferidos pelo juiz da primeira instância, que têm sido revogados com a procedência dos respectivos recursos. Em conclusão, não obstante se compreender que a juventude do tratamento legal desta temática justifica a até ao momento parca discussão científica, julgamos que do exposto fica patente a existência de um conjunto de situações merecedor da especial atenção que na presente investigação lhes dedicamos.This dissertation is a reflection about professional liability of the insolvency administrator, prime agency in insolvency proceedings that, due to the growing effect of the Portuguese legislator in dejuditializing the insolvency procedure, has seen its functional powers being object of a progressive extension. In result, the economic and social impact of the factors of these “servers of Justice and Law” (Article 16/1 EAI) is growing, which leads to the need of looking with a close eye towards their professional conduct and to a bigger and more efficient accountability. With the entry of DL no. 53/2004, 18th March that approved the Code of Insolvency and Recovery of Enterprises, a private regime of responsibility, under Article 59 entered into force, departing from the application of the general regime of civil liability, under Articles 483 Civil Code. One must be alerted of the fact that the CIRE did not lead to a Copernican revolution in the frame of the general terms of tourtius liability, with regard to the proper acts of the insolvency administrator, attending to the clear influence of Article 483/1 Civil Code on Article 59/1 CIRE, differently from what occurs regarding liability for vicarious agents, given that article 59/3 CIRE deviates from the rule issued by the liability of the principal, established in article 500 CC. It is a functional or organic responsibility due to the non-observance of duties that the insolvency administrators are functionally bound to, as an agency of a special procedure, which gives them as their main mission the diligent administration, in favor of the prevailing interests of the creditors. Therefore, the insolvency administrator is submitted to specific obligations in the Office, the same way the duty of diligence incumbent on him is quite more intense than the elementary general duty of respect, required from the common citizen. The diligence, as an ethical imperative, also has reinforced edges. The diligence of a “good family father” under 487/2 Civil Code is not enough. The diligence of an orderly and judicious administrator is required, by which the guilt is measurable by contraposition to the diligence of bonus pater familias of a particular sector. Consequently, a stricter and tighter supervision than the simple liability in tort is required. If this was not the way one should interpret it, the legislator would not have devoted specific and autonomous legal provisions, whose contents would have already resulted from the general clause of responsibility. In this perspective, the non-observance by the insolvency administrator of their duties, given that it is professional liability, is located in a limbo between the tortious liability and contractual liability. The question that we can legitimately ask is whether the strength and intensity of these special duties are sufficient to support the integration of its breaches within the scope of obligational liability. We are of the opinion that such specific duties do not arise as strict obligations, given the lack of an inter-subjective credit relationship in sensu proprio (we refer to the relationship between the insolvency administrator and the debtor and creditors, parties of the insolvency proceedings). They arise from judicial appointment, publicized by means of registration, which precipitates to the Office (munus publicum) and which is also, we dare to say, a commitment to legal community lato sensu. Even so, we believe that the current model's tortious liability, outlined in paragraph 1 of article 59 CIRE, does not give a completely adequate response to the disrespect of specific duties that the organic figure, which is the subject of this research, is submitted. From this perspective, understanding the logic of differentiation, we believe that de iure condendo would be more sensible to bet on a presumed guilt. The judicial demonstration of guilt by the injured party is very hard, which limits the chances of compensation. No one better than the administrator to prove the fulfillment or eventually the breach of its duties. On the other hand, the resulting aggravation of the establishment of a rebuttable presumption of guilt would not compromise even with the preservation of the tourtious scheme, which in other precepts, by different events likewise natured, hardens the liability regime. Furthermore, the recommended scheme does not require the feature forced to specific frames of obligational responsibility, circumstance which could cause the same fact to have a different consideration depending on the injured person, which would be contrary to the principle of equality. Another aspect of the liability regime that must be emphasized concerns the consent by the code, as an exception to the rule of personality of the Office, that the administrator is assisted by technical or other auxiliary, remunerated or not, at once the Creditors´ Committee, if it exists, previously nod, or the judge, in his absence, meaning that the administrator will remain liable to make compensation for the damage that the other unlawfully inflicts on a third party when carrying out the task (Article 55/3 CIRE). In order to materialize the regime of liability for vicarious agents, the legislator has established in paragraph 3 of article 59 CIRE a regime of several liability of the administrator for damages caused by the acts and omissions of its auxiliary, based on a presumption of guilt iuris tantum, which admits him to rebut it if (and only if) he can demonstrate that there was no guilt on his behalf or that even with due diligence, the damages would not have been avoided, in clear allusion to the negative relevance of virtual cause. Although being sure that this is a commission relationship between the insolvency administrator and the auxiliaries, article 500 CC, which prescribes the strict liability of the principal, is precluded. Despite the reception of strict liability being systematically more coherent, it might have been too big a burden on the insolvency administrator. If on the one hand, it is true that, as the principal, is to take advantage of an act carried out by another person or entity that, otherwise, would be allocated, on the other hand, we don't see why he must answer for damages resulting from the acts of these, if he has made efforts to avoid them. It must be noted that the activity of the insolvency administrator operates in a very peculiar and sensitive legal zone, where the losses (not related to the actions of the administrator) are plentiful. It must also be noted that, if in Civil Law the Principal functions as a simple guarantee of compensation, in Insolvency Law this idea is not identical, taking into account the consecration of the system of several liability in regards to the fulfillment of the plural obligation to compensate the injured person. For these reasons, we believe that, in some ways, the establishment of a presumption of guilt acts as a valid and effective counterpart for not adopting a form of no- fault liability. Elsewhere, we've already seen that the subjective scope of application of article 59 CIRE, rectius paragraph 1, is not extendable to third parties adversely affected, as such. Therefore, there is no choice but to conclude for the applicability of the General legal regime on civil liability, an integral part in articles 483 Civil Code. Of relevance, we must refer to the imposition of compliance with the limitation period of three years from the date of knowledge by the injured party of the duty incumbent upon it, within the ordinary limitation of twenty years since the tort (article 498/1 Civil Code), distinct from that applicable to the debtor and creditors – two years counted from the date from which the victim becomes aware of the right, within two years from the date of the termination of Office of the insolvency administrator (article 59/4 CIRE). In view of the above, in our opinion, the idea that stands out is the idea of a certain disconnection and disharmony in the system of civil liability of the insolvency administrator. In fact, despite the underlying objective of the short term of limitation of two years being related to concerns of legal certainty, it is thought that identical concern should be present in the field of liability for damages caused to third parties, although there is currently a longer term. On the other hand, there seems to be no grounds to fully support the legal differentiation, since third parties will, in principle, have the same ease of knowledge of injuries (and sometimes even more, when their assets are improperly seized). Beside the fact that it is possible that the same event concomitantly hurts a third party and creditors, would seem to be contrary to the constitutional principle of equal treatment by leading to one of the injured parties having a longer period to act. Consequently, it would be preferable to have a single scheme of civil liability for proper acts of the insolvency administrator, and considering the term that is currently in practice to be too short, we would argue de lege ferenda in favour of the extension of the deadline established in CIRE to three years starting from the knowledge by the injured party to the right to compensation for damages, but not more than the same period of the date of cessation of functions of the insolvency administrator offender. With regard to article 59, paragraph 2 CIRE, this is intended to be filled solely by way of compensation for damage caused by the insolvency administrator to the creditors with a claim to the assets, as a result of this becoming insufficient to meet in full their credit rights by effect of an act (legal transaction) wrongfully committed by the administrator in the exercise of its functions. It is concluded that the insolvency administrator should not lead to the increase in liabilities, or the decrease in the active sheet, endangering the assets to the point of removing the ability for total fulfillment of their debts. It could still, however, escape liability if the inadequacy was not foreseeable at the date of circulation of the harmful act, according to the circumstances known to him and in accordance with the one that should not have been ignored, but for that to happen it is necessary to demonstrate this unpredictability (reversal of burden of proof). Article 164, paragraph 3 of the CIRE (integrated in the chapter related to the liquidation of the assets) contemplates a specific tortuous situation in the case of the insolvency administrator not having accepted the timely proposal of a creditor with a secured debt, disposing of the goods for a lower price. This provision provides that this organic figure is obliged to putting the creditor in a situation that would arise from the disposal in accordance with the terms proposed. It is thought, like certain doctrine, that more than a source of responsibility of the administrator, that always exist in article 59, there is a limitation of that liability. With respect to the matter of jurisdiction concerning civil liability action against the insolvency administrator, this was not contemplated by the CIRE, similarly to the previous situation. The question now arises with increased attentive acuity in relation to the distinction in treatment between debtor and creditors or substantive third parties. It appears that the Court of the proceedings is considered competent in both cases, which seems to be contrary to the noun system adopted. On the other hand, this is not a criticism-free solution, taking into account that, despite the respectability and the merits of our judges, there is a serious risk of loss of independence and prudence, aware of the considerable number of appeals brought by orders of dismissal of the insolvency administrator, delivered by the judge of first instance, that have been revoked with the upheld of their judicial review. In conclusion, notwithstanding the comprehension of the youth of the legal treatment of this theme which justifies the hitherto meager scientific discussion, we believe that from what we have exposed, the existence of a set of situations worthy of particular attention is clear, justifying, therefore, the dedication we have given to it in this research.Martinez,Pedro Romano,1959-Repositório da Universidade de LisboaGarcia, Vanessa Cristina de Velez2014-08-28T16:23:15Z2014-08-282014-08-28T00:00:00Zinfo:eu-repo/semantics/publishedVersioninfo:eu-repo/semantics/masterThesisapplication/pdfhttp://hdl.handle.net/10451/11783porinfo:eu-repo/semantics/openAccessreponame:Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos)instname:Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãoinstacron:RCAAP2023-11-08T15:58:18Zoai:repositorio.ul.pt:10451/11783Portal AgregadorONGhttps://www.rcaap.pt/oai/openaireopendoar:71602024-03-19T21:35:24.056354Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (Repositórios Cientìficos) - Agência para a Sociedade do Conhecimento (UMIC) - FCT - Sociedade da Informaçãofalse
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description Esta dissertação reflecte sobre a responsabilidade civil profissional do administrador da insolvência, órgão capital do processo de insolvência, que, por efeito da crescente inquietação do legislador português em desjudicializar o procedimento, tem visto os seus poderes funcionais ser objecto de progressiva ampliação. Em resultado, o impacte económico e social da actuação destes “servidores da Justiça e do Direito” (art. 16.º, n.º 1 do EAI) é cada vez maior, implicando impreterivelmente um olhar vigilante sobre a sua conduta profissional e uma maior e mais eficaz responsabilização. Com a entrada em vigor do DL n.º 53/2004, de 18 de Março que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi criado um regime privativo de responsabilidade, previsto e regulado no artigo 59.º, o qual afastou definitivamente a aplicação do regime geral da responsabilidade civil, constante dos artigos 483.º e ss do CC. Previne-se, porém, para o facto de o CIRE não ter desencadeado qualquer revolução coperniciana em relação aos quadros gerais da responsabilidade civil extra-obrigacional, no referente à responsabilidade por actos próprios, visto que o n.º 1 do artigo 59.º do CIRE sofreu uma clara influência do artigo 483.º do CC, diferentemente do sucedido quanto à responsabilidade por actos de auxiliares, em que o n.º 3 do artigo 59.º do CIRE se afastou da regra disciplinadora da responsabilidade do comitente, plasmada no artigo 500.º do CC. Trata-se, enfim, de uma responsabilidade funcional ou orgânica, determinada pela inobservância de deveres a que os administradores da insolvência se encontram funcionalmente adstritos, enquanto órgão de um processo especial, que lhes estabelece como missão principal a respectiva administração diligente, em proveito dos prevalecentes interesses dos credores. Alertamos para a circunstância de esses deveres serem mais intensos do que o elementar dever geral de respeito, exigível ao cidadão comum no tráfego jurídico. A diligência, enquanto imperativo ético, vê igualmente os seus contornos reforçados. Não se basta a lei com a diligência de um bom pai de família, como no art. 487.º, n.º 2 do CC, exige-se a diligência de um administrador criterioso e ordenado, pelo que a culpa é mensurável por contraposição à diligência do bonus pater famílias de um sector específico. Consequentemente, demanda-se uma tutela mais exigente e mais apertada do que a que a simples responsabilidade aquiliana assegura. Caso contrário, não se inquietaria o legislador a consagrar disposições legais específicas e autónomas, cujo conteúdo resultasse já da cláusula geral de responsabilidade. Nesta perspectiva, a inobservância pelo administrador da insolvência dos seus deveres remete-nos para o problema da natureza da responsabilidade profissional, situada numa zona de fronteira entre a responsabilidade extra-obrigacional e a obrigacional. A questão que se pode, em consequência, legitimamente colocar é a de saber se a força e a intensidade desses deveres especiais são suficientes para fundamentar a integração do respectivo incumprimento no âmbito da responsabilidade obrigacional. Somos de parecer que tais obrigações específicas não chegam a manifestar-se como rigorosos deveres prestacionais, atenta a inexistência de uma relação creditícia inter-subjectiva in sensu proprio (referimo-nos à relação entre o administrador judicial e o devedor e os credores, partes do processo falimentar). Decorrem antes da nomeação judicial, publicitada por via de registo, que os precipita para o cargo (munus publicum) e que redunda também, atrevemo-nos a dizer, num compromisso em relação à comunidade jurídica latamente considerada. Ainda assim, consideramos que o actual modelo delitual de responsabilidade, delineado no n.º 1 do artigo 59.º do CIRE, não concede uma resposta totalmente adequada ao desrespeito pelas vinculações específicas a que a figura orgânica, objecto da presente investigação, está submetida. Nesta óptica, compreendendo a lógica de diferenciação, julgamos que de iure condendo seria mais sensata a aposta numa culpa presumida. A demonstração judicial da culpa do administrador pelo lesado é muito difícil, limitando as hipóteses de ressarcimento. E ninguém melhor que o administrador conseguirá comprovar o cumprimento ou eventualmente o incumprimento dos seus deveres. Por outro lado, o agravamento resultante do estabelecimento de uma presunção ilídivel de culpa não contenderia sequer com a preservação do esquema aquiliano, que noutros preceitos, por eventos de diferente índole, endurece do mesmo modo o regime de responsabilidade. Mais, o esquema preconizado, não exige o recurso forçado aos quadros específicos da responsabilidade obrigacional, circunstância que poderia fazer com que o mesmo facto ilícito culposo assumisse carácter distinto consoante o lesado, contrariando injustificadamente o princípio da igualdade. Outro aspecto do regime de responsabilidade a salientar prende-se com o consentimento pelo Código, como excepção à regra da pessoalidade do cargo, de que o administrador seja auxiliado por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, desde que a comissão de credores, se existir, anua previamente ou o juiz, na sua falta, ficando o administrador responsável pelas consequências desta delegação de tarefas (art. 55.º, n.º 3). Em concretização, no n.º 3 do artigo 59.º estabeleceu-se um regime de responsabilidade solidária do administrador pelos danos causados pelos actos e omissões dos seus auxiliares, assente numa presunção iuris tantum de culpa, a qual admite ilisão se (e só se) conseguir demonstrar que não houve culpa (segundo advogamos, in eligendo, in instruendo e in vigilando) da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos, em clara alusão à relevância negativa da causa virtual. Sendo certo que se trata de uma relação de comissão entre o administrador da insolvência e os auxiliares, verifica-se o afastamento em relação ao artigo 500.º do CC, onde se prescreve a responsabilidade objectiva do comitente. Pese embora tivesse sido sistematicamente mais coerente o acolhimento da responsabilidade objectiva, esta poderia revelar-se excessivamente onerosa para o administrador da insolvência. Se por um lado, é verdade que, tal como o comitente, está a tirar proveito de uma actuação levada a cabo por outra pessoa ou entidade que, de outro modo, ser-lhe-ia imputada, por outro lado, não se vê porque motivo deva responder pelos prejuízos resultantes dos actos destas, se tiver diligenciado de forma a acautelá-los. De notar que a actividade do administrador da insolvência opera numa zona jurídica muito peculiar e sensível, onde os prejuízos (não relacionados com a actuação do administrador) abundam. Cabe ainda assinalar que, se no Direito Civil o comitente funciona como simples garante da indemnização, no Direito da Insolvência essa ideia nem tem total correspondência, vista a consagração do regime de solidariedade quanto à satisfação da obrigação plural de indemnizar o lesado. Pelo exposto, pensamos que, de certa forma, o estabelecimento de uma presunção de culpa funciona como uma contra-partida válida e eficaz para a não adopção de uma responsabilidade de tipo objectivo Noutra banda, já vimos também que o âmbito subjectivo de aplicação do artigo 59.º do CIRE, rectius do n.º 1, não é extensível a terceiros prejudicados, como tal, não resta senão concluir pela aplicabilidade do regime jurídico geral da responsabilidade civil, plasmado nos artigos 483.º e ss do CC. De relevante, será a imposição da observância do prazo de prescrição de três anos a contar da data do conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete, dentro do prazo prescricional ordinário de vinte anos desde a prática do facto danoso (art. 498.º, n.º 1 do CC), distinto do aplicável ao devedor e aos credores – dois anos contados da data em que o lesado tome conhecimento do direito que lhe assiste, dentro do prazo de dois anos a contar da data da cessação de funções do administrador da insolvência (art. 59.º, n.º 4 do CIRE). Face ao exposto, em nossa opinião, sobressai a ideia de uma certa desconexão e desarmonia na sistematização da responsabilidade civil do administrador. Na verdade, pese embora o desígnio subjacente ao curto prazo prescricional de dois anos se prenda com preocupações de segurança jurídica, pensa-se que idêntica preocupação deverá estar certamente presente no campo da responsabilidade por danos gerados a terceiros, embora aí se verifique actualmente um prazo mais dilatado. Por outro lado, não parece existir fundamento que sustente cabalmente a apontada diferenciação legal, uma vez que os terceiros terão, em princípio, idêntica facilidade de conhecimento das lesões (e por vezes até mais, quando os seus bens sejam indevidamente apreendidos). Além de que pode suceder que o mesmo evento lese concomitantemente um terceiro e credores, afigurando-se contrário ao princípio constitucional do tratamento igual do que é idêntico, que resulte para um dos lesados um prazo mais longo para actuar. Consequentemente, seria preferível a instituição de um regime unitário de responsabilidade civil por actos próprios do administrador da insolvência e, considerando ser o prazo actualmente previsto muito curto, propendemos para a advogar de lege ferenda a extensão do prazo estabelecido no CIRE para três anos, a contar do conhecimento pelo lesado do direito à reparação do dano, mas sem exceder igual período sobre a data da cessação de funções do administrador da insolvência infractor. Em relação ao artigo 59.º, n.º 2 do CIRE, este dirige-se a prover exclusivamente pela compensação dos prejuízos causados pelo administrador da insolvência aos credores da massa insolvente, em virtude de esta se tornar insuficiente para cumprir na íntegra os seus direitos creditórios por efeito de acto ou actos culposos praticados pelo administrador no exercício das funções. Conclui-se que o administrador da insolvência não deve originar o aumento do passivo, nem a diminuição do activo patrimonial, fragilizando a massa insolvente ao ponto de suprimir a capacidade de cumprimento total das suas dívidas. Poderá, ainda assim, eximir-se da responsabilidade se a insuficiência não fosse previsível à data da prática do acto nocivo, de acordo com o circunstancialismo por si conhecido e de acordo com aquele que não devia ignorar, mas para isso é necessário que demonstre essa imprevisibilidade (inversão do ónus da prova). O artigo 164.º, n.º 3 do CIRE (integrado no capítulo da liquidação da massa insolvente) contempla uma situação delitual específica no caso de o administrador da insolvência não tendo aceitado a proposta atempada de um credor garantido, alienar o bem por preço inferior. Estatui o preceito que aquela figura orgânica fica obrigada a colocar o credor na situação que decorreria da alienação nos termos propostos. Julga-se, à semelhança de alguma doutrina, estar em causa mais do que uma fonte de responsabilidade do administrador, que sempre existiria nos do artigo 59.º, uma limitação a essa mesma responsabilidade. No que tange à matéria da competência jurisdicional referente à acção de responsabilidade civil contra o administrador de insolvência, esta não foi contemplada pelo CIRE, à semelhança do que sucedia anteriormente. A questão agora coloca-se com maior acuidade atenta a distinção de tratamento substantivo entre devedor ou credores e terceiros. Segundo parece, o tribunal do processo tem-se considerado competente em ambos os casos, o que parece à partida contrário ao sistema substantivo adoptado. Por outro lado, essa não é uma solução isenta de críticas, tendo em conta que, apesar da respeitabilidade e do mérito dos nossos juízes, existe um sério risco de perda de independência e de prudência, atento o considerável número de apelações interpostas de despachos de destituição do administrador, proferidos pelo juiz da primeira instância, que têm sido revogados com a procedência dos respectivos recursos. Em conclusão, não obstante se compreender que a juventude do tratamento legal desta temática justifica a até ao momento parca discussão científica, julgamos que do exposto fica patente a existência de um conjunto de situações merecedor da especial atenção que na presente investigação lhes dedicamos.
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