A face oculta da nutrição: ciência e ideologia

Detalhes bibliográficos
Autor(a) principal: Bosi, Maria Lúcia Magalhães
Data de Publicação: 1988
Tipo de documento: Livro
Idioma: por
Título da fonte: Repositório Institucional da UFRJ
Texto Completo: http://hdl.handle.net/11422/17005
Resumo: Este trabalho parte da premissa de que num modo de produção, a manutenção das relações de produção que o caracterizam exigem, como alternativa ao uso da força, a produção e difusão de um conjunto de valores que justifiquem essas relações, o que aqui designamos como Ideologia. No estágio atual do desenvolvimento capitalista, a dominação tende, de forma crescente, a perder o seu caráter repressivo, realizando-se predominantemente por meio de recursos persuasivos, onde se destaca a contribuição legitimadora da ciência como discurso e prática. Neste espaço, pretendemos analisar a Nutrição como proposta de discurso científico, em seus efeitos ideológicos e políticos, ligados à instância econômica. A opção por este tema se deve, entre outros motivos, à nossa formação e prática profissional na referida área. A contradição, entre o enfoque com que a Nutrição é abordada no nível do discurso científico e a situação nutricional concreta da população brasileira, nos trouxe, aos poucos, um conjunto de indagações, impelindo-nos à busca de certas respostas. O contato com a Nutrição e os diferentes discursos em luta neste campo nos permitiu identificar os elementos que, em suas relações, delinearam nossa problemática. É esta problemática que nos apontou a necessidade de analisar a estrutura e as contradições existentes entre os diferentes discursos da Nutrição, confrontando-os com a realidade concreta a que se referem. Parece-nos clara a impossibilidade de explicar o fenômeno Nutrição tratando-o como um processo meramente biológico; difícil aceitar sem desconfiança as evidências e constatações transmitidas pelo discurso da ciência oficial. Se, por um lado, o estado nutricional de uma população pode ser medido (descrito) em sua dimensão biológica (daí a importância desta), não menos importantes são as causas, a determinação desse estado, que só pode ser percebida se se ultrapassar o primeiro plano, evidenciando-se o social, nas relações dos indivíduos entre si e com a sociedade que os cerca. Esta é a dimensão que permanece oculta no discurso científico da Nutrição. Ao empreendermos este trabalho não buscamos construir um discurso alternativo, pois, na história recente, têm surgido vários. Tampouco foi nosso intento avaliar os resultados práticos da implementação do que propõe a ciência no campo da Nutrição. O que procuramos foi, antes, analisar a estrutura e a dinâmica de diferentes discursos num certo campo da Ciência (a Nutrição): os elementos com que operam, as lutas entre os mesmos, os diferentes interesses que através deles se expressam e, finalmente, alguns mecanismos que tornam possível a hegemonia de um saber sobre os demais. O discurso científico da Nutrição possui estrutura idêntica ao das demais ciências ditas “da saúde”. Os problemas nutricionais, dentre os quais se destaca, na nossa sociedade, a subnutrição, ou melhor, a Fome, são comumente explicados pela interação de um “agente etiológico” com um “hospedeiro suscetível” num “ambiente favorável”. Desta forma, a ciência “esquece” de considerar que o “agente etiológico” é a falta de alimentos (que deriva de um conjunto de relações); os “hospedeiros” não são quaisquer indivíduos, mas determinadas classes sociais; e o “ambiente” também é resultado histórico. Abstrações como a que acabamos de referir predominam neste tipo particular de discurso relativo à Nutrição, legitimado como científico e base ideológica não só da prática massiva de uma categoria profissional (os nutricionistas) como também de políticas nutricionais implementadas em nossa sociedade. Observando-se os discursos no campo da Nutrição, notam-se distintos enfoques, sendo que a ênfase predominante se traduz não só no campo da produção científica, mas também em Programas e Projetos nutricionais e na formação de pessoal qualificado para executá-los. A análise desse processo se nos pareceu fundamental para a compreensão da hegemonia de um determinado discurso. Foi interessante perceber como esse conjunto (ciência-prática-política) evolui harmonicamente, engendrando-se historicamente entre si, mas não sem contradições e sem resistências. Ao lado do discurso científico, um conjunto de discursos dominados também lutam por sua hegemonia, constituindo elementos de resistência ao avanço do primeiro e ao alcance dos interesses a ele ligados.
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